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Crítica | Madame Brouette

por Luiz Santiago
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Madame Brouette é um filme que reúne um bom número de características do diretor Moussa Sene Absa em outras artes, especialmente música e pintura. O filme não é um musical, na estrutura em que conhecemos o gênero, mas há um notável encaminhamento para essa linha ao longo de toda a fita, escolha recorrente nos filmes do diretor, que sempre trouxe uma marcante trilha sonora. No último ato encontramos até mesmo uma canção-diálogo que explora o contexto e as características de uma certa personagem, falando um pouco do passado e lançando luzes sobre o futuro.

No centro das atenções encontramos Mati (Rokhaya Niang, de O Preço do Perdão), uma mãe divorciada que tem uma filha pequena e que ganha a vida vendendo coisas em um carrinho de mão. Seu status e a forma como ela é vista pela sociedade são coisas mostradas em dois distintos estágios de sua vida, já que o roteiro utiliza o recurso do flashback (algo bem mais orgânico aqui do que em Tableau Ferraille, outro longa do diretor com o mesmo encaminhamento narrativo) para contar como a tragédia que presenciamos no início do filme teve origem.

No presente, Mati está casada com o policial Naago (Aboubacar Sadikh Ba), alguém que o público já começa odiando, e o diretor nos dá a oportunidade de acompanhar quem de fato era esta pessoa. A questão da corrupção vista numa esfera institucional em Tableau Ferraille acaba sendo transportada aqui para um grupo de policiais corruptos, com destaque para Naago, que se alia a um cafetão local e que ganha dinheiro ameaçando os outros, cobrando uma espécie de “proteção”. Esse lado manchado do policial é desenvolvido pelo cineasta de maneira bastante curiosa, não apenas com destaque para os maus tratos a Mati e sua amiga Ndaxte (Kadiatou Sy), mas também para os momentos em que ele dizia querer mudar de vida e fazer as coisas de forma diferente.

Desse modo, o texto não demoniza gratuitamente o personagem, mas concluímos que ele é o tipo de indivíduo que sempre acaba empurrado para a sujeira que o rodeia. De certa forma, vemos a crítica ao machismo da sociedade senegalesa ganhar espaço ao longo de todo o enredo, ao passo que a união entre as mulheres se mostra cada vez mais forte. A escolha da direção por mostrar essa dinâmica de vida social como um ciclo que ganha mudanças a cada geração ressalta a proximidade desses eventos com a realidade, até pelo caráter do que temos em cena, como o drama das mães solteiras, da gravidez na adolescência, da violência contra a mulher e do abandono parental.

Madame Brouette mostra a luta de mulheres para se sustentarem e também à sua família. Esteticamente, a direção exibe essa luta com um bom número de cores nos figurinos e nos cenários (existe até uma ótima festa similar ao carnaval aqui — o Festival Tajaboom), não caindo em uma atmosfera pesada para narrar eventos que já possuem grande peso em si mesmos. A trama se ergue e se sustenta pelo seu tratamento autêntico, e esses acontecimentos cotidianos formam cicatrizes na vida de todos os envolvidos, mudando algumas dinâmicas locais e relações, ao mesmo tempo que acena para uma mudança positiva nas famílias e nos casamentos dos futuros adultos. Uma nota de esperança após um final amargo, apesar de (legalmente) justo.

Madame Brouette (L’extraordinaire Destin de Madame Brouette) — Canadá, Senegal, França, 2002
Direção: Moussa Sene Absa
Roteiro: Moussa Sene Absa, Gilles Desjardins, Claude Gilaizeau
Elenco: Rokhaya Niang, Aboubacar Sadikh Ba, Kadiatou Sy, Ndeye Seneba Seck, Ousseynou Diop, Akéla Sagna, Moustapha Niang, Juliette Ba, Mody Fall, Ibrahima Mbaye, Bassirou Diakhate, Mamadou Diallo, El Hadj Dieng, Seynabou Sarr, Samba Wane
Duração: 104 min.

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