Um exercício de gênero terror com a engrenagem da pandemia do coronavírus, misturado com a ansiedade do período da quarentena e a homofobia a espreita. Não se vale apenas de uma representação do clássico aterrorizante inteirado em Ar, se vale também pela relação psicológica reveladora da imaginação do medo com o ordinário.
Qual a o temor quanto a um perfume, ou a didática entrega do mistério por tal objeto? No trabalho dos diretores em criar atmosfera, susto e a perseguição tensionada por a casa ser um ambiente sem escapatória, não há lógica, e nem necessita dela, para criar o desespero. Entretanto, o suor do protagonista do esforço de fazer sua arte independente de dança se mistura com o do medo, assim como uma pá se torna mortal e barulhenta demais para uma noite. Assim, há um conjunto de fatores focados na trama que servem exclusivamente a atmosfera, que por ser tudo tão enfático do gênero de terror se perde completamente o estranhamento do lugar doméstico ser invadido de maneira tão específica em simbologia do medo. Qualquer obviedade no terror do curta explode demais para a lógica de objetos e do ambiente sejam notados.
Dessa forma se torna admirável a expurgação da paranoia da ansiedade, pois quando a falta de lógica termina na tragédia aterrorizante toda a lógica que volta é amplamente assustadora em qualquer coisa ordinária. Se há perda do senso de realidade, a contra ansiedade não soam mais apenas prática de meditação, se torna a memória do seu eu ordinário. Se desde do início o protagonista se expõe ao espelho e grava sua apresentação, é porque a mente busca conforto emocional no descobrir interno.
Por fim, a dinâmica de gênero de Ar se engrena mais ainda na temática LGBTQI+ no cessar do exercício mais didático de terror, ao mesmo tempo que transita com o tema da pandemia no teor do ordinário ser sempre ressignificado, assim como cada ser em sua casa buscando melhor se conhecer. Isso é que traz tanta ansiedade.
Ar (Ar) – Brasil, 2020
Direção: Marcelo Oliveira, William Oliveira
Roteiro: Marcelo Oliveira, William Oliveira
Elenco: Marcelo Oliveira, William Oliveira
Duração: 10 min.
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O Que Pode um Corpo?
O que parece fazer o corpo transcender em imagem, uma libertação em expressão artística do protagonista Victor, acaba por recuar ao ponto emocional de uma entrevista real dele, criando um contraste de ideias, ainda que unidas nele.
Em princípio há uma harmonia muito forte da fotografia, que capta o corpo, com o discurso sobre a deficiência de Victor. O seu falar com dificuldade, o uso de imagens científicas para retratar o nascimento desde dos primórdios no corpo da sua mãe, há uma progressão linear, ao mesmo tempo que o caráter artístico, que tanto ele relata sobre seu prazer pela a arte como a direção coloca em estilo vai dando uma ênfase poeticamente melancólica como efeito. Quando ele fala sobre o corpo querer sair algo com imagens que vão iluminando o corpo do protagonista de maneira fracionada, o curta caminha para a transcendência do material, sem anular dor, e sim reforçando a dor querendo ser aceita, ou ser enfrentada como pendão. As metáforas do corpo preso a cordas é expansiva, em que a cada fala de Victor sobre suas inúmeras dificuldades a redundância se torna na verdade um profundo drama.
No entanto, há um corte na estrutura, um retorno efusivo a maternidade do artista Victor, que delineia emocionalmente um conflito com a progressão promovida de ascendência do corpo. A história perpassada por tempos, ou não linear é intensa para um apelo dramático, especialmente por ser algo real, um testemunho de Victor em exposição, mas estruturar um relato com as imagens trabalhadas desde o início, de tal harmonização inicial, se torna incongruente por desmistificar a imagem do corpo em libertação. Expurgar a dor e chorar libera sentimentos, abre portas para o corpo se libertar também, no entanto o retorno, o recuo a transcendência que a iluminação do corpo propunha se torna um vislumbre positivo, quando era salientado, na verdade, a vida do corpo desconectado que se movia internamente para “desaprisionar” a dor. É o paradoxo perfeito para sua história triste e pesadora da falta de ar, o bebê que nasceu quase morte por um erro médico. Entretanto, essa fusão emocional de volta ao contar doloroso nascimento, sempre iluminado em seu corpo, na verdade contrasta com a externalização inicial, internalizando a história como aceitação, não a dialética de compreender um corpo que quer sair.
No final, é uma linha muito tênue de experiência, em que a perda sensorial com o curta é por deslize da mesma maneira que a hipersensibilização pode acontecer. Ver Victor chorar não demonstra um pingo de formulação, é como uma entrevista realista, mas vê-lo se movimento em metáforas artísticas com seu corpo durante o curta evidenciam um ser além da deficiência, mas dentro da narrativa do curta a redundância de representá-lo preso acabam na verdade, diferente da primeira vez, aprisionando até onde pode o corpo, mesmo que o discurso conste fortemente a liberdade da pergunta do título. Esse é o contraste que torna a experiência insatisfatória.
O Que Pode um Corpo? (O Que Pode um Corpo) – Brasil, 2020
Direção: Victor Di Marco, Márcio Picoli
Roteiro: Victor Di Marco, Márcio Picoli
Elenco: Victor Di Marco
Duração: 15 min.