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Crítica | Os Meninos Lobo

por Michel Gutwilen
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O primeiro plano de Os Meninos Lobo talvez já diga tudo que este curta cubano quer falar. Dois meninos estão jogados no chão, encostados um no outro, enquanto um deles segura uma arma, numa espécie de brincadeira de faz de conta. A infância (e sua criatividade), a proximidade física e grosseira das relações masculinas e a indicação de uma criação calcada na violência. Nas cenas seguintes, tudo isso será realçado por este documentário dirigido por Otávio Almeida que se passa na casa de um veterano das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba com seus dois filhos (os citados acima).

Um elemento que chama muita atenção é a fisicalidade com que os dois irmãos brincam. Existe sempre essa necessidade do contato físico, do toque, de agarrar, encostar cabeça com cabeça, enforcar. E se isso se reflete na própria atitude dos meninos, Otávio Almeida aproxima a câmera dos rostos e corpos, em uma espécie de próprio enclausuramento reforçado pelo plano cinematográfico, limitando ainda mais aquele espaço físico que já é precário. Há um olhar muito voltado interessado em captar este lado de uma certa masculinidade tóxica até no ambiente infantil (que aqui não tem nada a ver com sexualidade), indicando que isso é fruto de sua criação. 

Já o pai, responsável por esses rapazes, só aparece em dois planos, cujo destrinchamento interessa melhor para compreender o curta. No primeiro deles, Otávio enquadra o veterano de perfil, em um plano médio, com sua regata deixando a mostra sua tatuagem de Che Guevara no ombro. No outro, em um plano geral, ele está sentado no meio da rua escura com eles dois, sendo possível ver é um cadeirante sem uma das pernas. Portanto, sem conceder espaço a palavra e sem desviar o foco para seu centro de interesse (os filhos), o diretor já é bastante direto e preciso em tudo que precisamos saber daquele homem e, por consequência, a criação que deu à sua prole. 

Trata-se literalmente de um homem marcado pela guerra tanto física quanto ideológica. O que será dito a seguir se trata de suposições, mas é possível imaginar que sua debilidade física impediu que ele fosse um pai tão presente, deixando os filhos terem uma infância mais solta, ao mesmo tempo que o contato com os filhos se dá muito mais a um nível oral do que físico. É justamente aí que se liga o elemento ideológico, uma vez que, devido ao seu ideal revolucionário e experiência de guerra, este contato surge de histórias contadas, nas quais, obviamente, só há espaço para a extrema violência.

Por outro lado, a forte brutalidade realista que existe em Os Meninos Lobo, tanto pela realidade paupérrima reveladas pela lente quanto pelas brincadeiras em si já violentas, existe um interessante contraste com a própria inocência infantil e sua capacidade de fabulação. Ao mesmo tempo, será justamente este elemento que completará o aspecto político do curta. Ora, como são crianças, elas precisam brincar. Mas não há brinquedos, então a arma, que provavelmente o pai trouxe consigo da revolução, se ressignifica neste objeto para diversão. De mesmo modo, a falta de opções concretas e espaciais para que se brinquem levam ao florescimento do imaginário, sendo a única influência que esses meninos receberam os relatos violentos de seu pai. 

Ao fim, eis então a perpetuação da Revolução Cubana para uma nova geração, a partir de um ponto de vista um tanto quanto crítico e desglamourizado, algo que fica claro pelo modo como Otávio Almeida deixa as imagens por si só evidenciarem tanto suas consequências físicas (a pobreza evidente de um veterano e o seu abandono pelo Estado) quanto educacionais (os jovens que não puderam ter uma “infância normal”).

Os Meninos Lobo (Los niños lobo, 2020) — Cuba
Direção: Otávio Almeida
Roteiro: Otavio Almeida
Elenco: Alejandro Pacheco Linares, Visman Pacheco Linares, Visman Pacheco Rodriguez
Duração: 17 min.

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