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Crítica | Canto dos Ossos

por Michel Gutwilen
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O primeiro dado que chama em um crítico carioca, como eu, que já foi algumas vezes para a Búzios, é justamente a (não)exploração dessa cidade dentro da narrativa de Canto dos Ossos. Afinal, trata-se é um ponto turístico regional (e até nacional) que é lembrado principalmente por suas praias e pela Rua das Pedras. Porém, surpreendentemente (e falo isso de maneira positiva), o que vemos é menos um cartão postal e mais um filme feito nas vielas de Búzios que ninguém vê, no escuro da cidade. Uma processo de desfamiliarização muito evidente mas que ao mesmo tempo também nunca perde sua identidade local. Há praias, mas se opta pela ambientação noturna e desértica. O establishment shot que localizaria o espectador é trocado espacialmente não existe. Mais do que pontos turísticos, interessa a Jorge Polo e Petrus de Bairros a floresta, o açude, um encontro no meio do nada. Naquilo que evidentemente poderia ser a cena mais bonita do longa, caso fosse filmada em um dia ensolarado, que é quando o personagem do fotógrafo vai para cima do Hotel, uma névoa máscara todo o entorno. 

Definitivamente, essas características  evidenciam bom trabalho de ambientação que propicia não só esta aproximação com um cinema de gênero (trata-se de um filme de vampiros, afinal), mas também faz Canto dos Ossos caminhar por um caminho que se poderia se dizer político. Um elemento muito forte na trama é justamente a migração e a busca por emprego. Isso vai desde o núcleo dos 3 jovens estudantes locais que discutem sobre deixar Búzios para uma vida melhor; o fotógrafo que faz bicos por lá para sobreviver; e os dois imigrantes regionais que foram buscar trabalho. De mesmo modo, e não menos importante, a ligação entre a homossexualidade e aqueles que são vampiros também não podem ser ignoradas. Correlacionados estes dois aspectos narrativos deste parágrafo com a ambientação buziana proposta por Polo e Bairros, a escolha por retratar Búzios dessa forma faz sentido, uma vez que estamos diante de uma narrativa sobre os excluídos, sobre os nômades que nunca se sentem propriamente em casa, sempre em busca de trabalho ou precisando achar um local escondido para terem relações corporais.

Por outro lado, seria um erro só considerar Canto dos Ossos um “filme de gênero como metáfora para o homossexualidade e os rejeitados”. Pode-se, sim, dizer que este elemento existe — as cenas de transformação misturam fortemente a fisicalidade do ato carnal com um aterrorizador canibalismo literal — mas há um mal em um certo tipo de crítica que nunca vê o Cinema de Terror como fim em si mesmo, apenas um meio para falar de algo maior. Dito isso, me interessa muito essa narrativa proposta por Polo e Petrus, que mais do que seguir uma certa linearidade, forma um conglomerado de núcleos vampirescos. Sem nenhum ressentimento com os personagens, alguns somem para sempre da história e outros surgem do nada. Claro que isso pode ser um pouco confuso para aqueles espectadores sedentos por entenderem 100% daquilo que veem, mas, a nível sensorial, essa escolha leva o longa a ter esse sensação de instabilidade (algo que é realçado por próprias cenas filmadas em digital) e de imprevisibilidade, tais quais seus personagens. Existe aqui uma mitologia muito própria que não nos é explicada, mas que apenas deve ser aceita para que se possa embarcar nessa viagem. 

Canto dos Ossos — Brasil, 2020
Direção: Jorge Polo e Petrus de Bairros
Roteiro: Jorge Polo e Petrus de Bairros
Elenco: Rosalina Tamiza, Maricota, Lucas Inácio Nascimento, Noá Bonoba, Mariana Costa, Ana Manoela, Thai Pata, Gabriel Freitas, Jupyra Carvalho, Paula Haesny Cuodor, Heloise Sá, Lucas Souza, Vitor Tambelli, Ana Luiza Santos-Fernandes, Luiza Victorio, Ramyro Carvalho, Lucas Bittencourt, Jorge Polo, Petrus de Bairros, João Filgueiras, Catu Gabriela Rizo, Gustavo Pires
Duração: 88 mins.

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