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Crítica | Independência ou Morte (1972)

por Luiz Santiago
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Uma sombra de polêmica paira, já há muitos anos, sobre Independência ou Morte (1972), a mais famosa versão cinematográfica nacional sobre o processo, proclamação e primeiros anos da independência do Brasil. A obra é dirigida por Carlos Coimbra, que à época sustentava certa reputação pelo seu trabalho com nordesterns, tendo no currículo filmes como A Morte Comanda o Cangaço (1960), Lampião, O Rei do Cangaço (1964), Cangaceiros de Lampião (1967) e Corisco, O Diabo Loiro (1969). Para a presente empreitada, produzida por Oswaldo Massaini e sem qualquer relação monetária ou ideologicamente diplomática com a ditadura brasileira, à época comandada por Médici, Coimbra, seus parceiros roteiristas e os produtores criaram algo que é definitivamente fruto de seu tempo: um filme ufano.

Essa condição imprime à obra uma identidade que alguns espectadores, pelos mais diversos motivos, podem interpretar de modo raso, dando ao diretor a pecha de colaboracionista com o regime militar. O fato é que essa colaboração não existia, mas a construção da História a partir do lançamento do filme, em Curitiba, no dia 2 de setembro de 1972, certamente deu munição para críticas futuras. Sem nada de artisticamente notável para exibir como produto comemorativo dos 150 anos da independência, o governo se apaixonou pelo filme e ajudou na sua distribuição, fazendo dele uma espécie de “marca do momento“, o que é possível compreender por aproximação patriótica exagerada; mas por outro lado, é até motivo de riso, porque a figura central de poder, no filme, é uma mistura de corrupção político-jurídica, contradições ideológicas e conhecida promiscuidade.

Diferente dos que veem em Independência ou Morte uma crítica à ditadura, eu vejo a obra como uma comédia histórica simples, rasa por um motivo dramaticamente compreensível (agradar a massa) e mais interessada em fazer desse recorte da História do Brasil uma mescla de Revista Caras Imperial com ufanismo do que uma verdadeira reflexão sobre os donos e as cadeias de poder que se articularam para fazer com que o Brasil se separasse de Portugal. Uma diferença e tanto em relação a outro filme histórico nacional lançado alguns meses antes, Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade. A questão é que nessa representação similar a esquetes de teatro de câmara há uma série de problemáticas impossíveis de se ignorar, especialmente na forma que D. Pedro (vivido de maneira ao mesmo tempo charmosa e odiosa por Tarcísio Meira, num de seus mais icônicos papéis) administrava o país.

O texto adota um caminho elogiável para inserir o flashback que formará o núcleo da trama. O ponto de partida é o dia 7 de abril de 1831, quando D. Pedro abdica do trono em favor de seu filho Pedro de Alcântara, o futuro Imperador D. Pedro II. O caos político que o primeiro Imperador do país trouxe para si mesmo chega ao limite, pressionando-o de forma decisiva, com ares de golpe. É diante desse deplorável estado da causa política que vem a lembrança do passado, e então a representação começa. Primeiro com os últimos dias da Família Real em nossas terras e a consequente aclamação de Pedro como Regente. A partir desse ponto começa a aventura do personagem, período do filme onde o roteiro aproveita todas as oportunidades possíveis para citar nomes de civis e militares importantes na cena política, o que ressalta o ar de esquetes isoladas que a obra possui, com grande destaque para a relação escandalosa e politicamente bizarra entre Pedro e Domitila de Castro.

Como é de praxe, o roteiro utiliza-se dos fatos e dos mitos históricos para contar a sua própria versão, primeiro focando na irresponsabilidade, depois na aventura da independência e certa maturidade política e então na loucura libidinosa e politicamente decadente de Pedro, também colocando em cena figuras como José Bonifácio (Dionísio Azevedo), Imperatriz Leopoldina (a bela Kate Hansen, com 20 anos de idade) e a Marquesa de Santos (Glória Menezes). Nessa sopa de exageros, alterações históricas nos fatos e nos figurinos e cenas com interessantíssimas representações de quadros da época (principalmente a famosa pintura de Pedro Américo que reforça o mitológico grito de “independência ou morte!“), temos uma saga com humor, romance e drama fazendo referências didáticas e expositivas a personalidades da História do Brasil.

Em muitos aspectos é um filme notável, especialmente na reconstrução de certos personagens, na atuação de Tarcísio Meira e na quantidade de coisas desse período que o texto consegue condensar. Com isso em vista, não é espantoso saber o quanto o longa chamou a atenção do grande público e nem por que o governo da época o abrigou sob suas asas. A despeito de possíveis leituras críticas que a maior parte dos espectadores não faz, a obra é uma brincadeira divertida com personalidades de nossa História, marcada por valores nacionais e ideal de amor à pátria. Faz sentido para o tipo de filme que temos aqui: um filme sobre a independência. Pena que na História real os conchavos de gabinete só mudaram de figura, governantes tresloucados só mudaram de nome e a Constituição, esse pobre brinquedo quebrado do Brasil, continua sendo utilizada ao bel-prazer dos poderosos e ignorada para a felicidade dos apoiadores da ocasião. Mas se tem uma coisa que a ficção histórica traz e que ainda continua ativo na realidade é a seguinte: o preço político de extravagâncias governamentais, mais dia menos dia, baterá à porta.

Independência ou Morte (Brasil, 1972)
Direção: Carlos Coimbra
Roteiro: Carlos Coimbra, Dionísio Azevedo, Anselmo Duarte, Lauro César Muniz, Abilio Pereira de Almeida
Elenco: Tarcísio Meira, Glória Menezes, Dionísio Azevedo, Rubens Ewald Filho, Kate Hansen, Emiliano Queiroz, Manoel da Nóbrega, Heloísa Helena, Labanca, Renato Restier, Anselmo Duarte, Jairo Arco e Flexa, Abilio Pereira de Almeida, Maria Cláudia, Vanja Orico, Francisco Di Franco, José Lewgoy, Edson França, Antonio Patiño, Tarcísio Filho
Duração: 108 min.

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