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Crítica | O Jardim Secreto (1993)

por Marcelo Sobrinho
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A maioria das histórias infantis e contos de fadas conseguem capturar o público infantil exatamente por utilizar elementos puramente fantásticos dentro de seu enredo. Encontramos essa pura fantasia em A Bela Adormecida, João e Maria ou A Gata Borralheira, para citar apenas algumas das mais famosas histórias de Charles Perrault e dos irmãos Grimm. É sabido também que as versões originais desses contos são bastantes sombrias e contêm doses de violência até bastante elevadas para um público tão jovem. Não há dúvidas da importância dessas narrativas dentro do imaginário ocidental, mas também é necessário reconhecer a beleza e a relevância de outro clássico das histórias infantis e que se distingue enormemente dessa tradição. Falo de O Jardim Secreto, obra literária da inglesa Frances Hodgson Burnett, adaptada algumas vezes ao cinema, sendo a versão de Agnieszka Holland, em 1993, a mais aclamada.

Tanto na obra de Burnett como na adaptação de Holland, não há elementos mágicos propriamente ditos nem acontecimentos sombrios. Dominam a narrativa a delicadeza no desenvolvimento dos personagens e as metáforas visuais que contrapõem a enorme mansão onde vivem os protagonistas – tão envelhecida e bolorenta – ao jardim que a menina Mary Lennox descobre no exterior da propriedade. O tom alegórico é trabalhado na medida exata da entrega dos personagens principais à sua própria transformação. Se, no começo, o jardim parecia tão morto e estéril quanto os próprios protagonistas, no final, a obra será concluída com o mesmo jardim exuberantemente florido e os protagonistas completamenente renovados. O Jardim Secreto interessa às crianças pois é uma história sobre elas, mas diz muito também aos adultos, pois toda a construção imagética do filme dialoga diretamente com as nossas questões mais importantes, como nossos traumas, nossas neuroses e nossa difícil relação com eles.

Se tematicamente o longa-metragem de Holland é tão interessante, tecnicamente ele se mostra à altura. As atuações do elenco principal são excelentes. Kate Maberly empresta seu talento precoce para construir a menina órfã Mary Lennox, que vai viver na mansão de seu tio Archibald (John Lynch) e lá conhece seu primo Colin Craven (Heydon Prowse), um menino supostamente doente e que não podia sair do quarto para nada. Todos os três personagens são muito bem compostos por seus atores (méritos também para Agnieszka Holland na direção de atores), que conseguem tornar sua jornada bastante verossimilhante. Enquanto Mary evolui de uma menina petulante e desafiadora para uma criança sensível e corajosa, Colin se liberta de uma doença que não passava de uma crendice coletiva. Já o tio Archibald, ressentido e melancólico, consegue encontrar novamente a felicidade com a inesperada reabertura do jardim. Maggie Smith, como a governanta Medlock, rouba a cena com sua severidade digna dos melhores vilões de histórias infantis.

A beleza de O Jardim Secreto também se encontra em seus enquadramentos. Agnieszka Holland usa muitos planos de ambientação nas cenas que se passam no interior da mansão, demonstrando o vazio e o abandono do local que simbolizam o próprio esvaziamento da existência em um lugar tão vetusto e sem nenhuma vocação de acolhimento. Holland transmite a todo tempo a sensação de que há muitos quartos, corredores e salões e muito poucos funcionários e moradores naquela casa luxuosa. Com seu trabalho de câmera, a diretora acusa a depauperação da vida e dos afetos ali. Por outro lado, a cineasta não economiza nos planos-detalhe quando filma o jardim secreto. A cineasta polonesa quer que vejamos o desabrochar da vida em cada minúcia daquele jardim, tão oposto à mansão. Isso aparece nos planos que registram desde o germinar de uma flor até o cuidado da fêmea de um pássaro com seus filhotes em seu ninho. Os planos no jardim são sempre cheios e ricos, enquanto os da mansão, melancólicos e ocos.

A trilha sonora também é de uma delicadeza extraordinária e sempre pontua os acontecimentos com discrição e bom gosto, jamais criando artificialismos ou apelo fácil. São belíssimos os temas orquestrais que ganham maior destaque nas madeiras – naipe bastante adequado a melodias delicadas e emotivas na medida certa. Mas a grande força de O Jardim Secreto, em minha opinião, é mesmo o roteiro bem organizado, que conduz a história dos meninos sem pressa e criando afeição do espectador para com eles. Isso é um grande mérito em uma história em que absolutamente todos os personagens principais sofrem profundas transformações, sem que nenhuma delas pareça postiça. Essa persuasão é importante inclusive para que aceitemos com naturalidade até a alegria da governanta Medlock ao ver Colin correndo ao redor da casa, absolutamente feliz e saudável, na cena final. Como um bom conto infantil, O Jardim Secreto não poderia terminar sem seu final feliz. Mas um final feliz que emociona por sua autenticidade.

Não acho que o filme de Adgnieszka Holland seja uma simples história sobre recomeços, como tanto se diz. O subtexto mais adulto consiste em refletir sobre como somos capazes de nos aprisionar em uma miséria indescritível. O quão confortável pode ser uma dor já conhecida, de modo que paremos de chorar, como Mary, mas também desaprendamos a sorrir, como Archibald? Essa pergunta não é uma extrapolação. O Jardim Secreto a exige do público mais maduro. E só é possível respondê-la experimentando violar nossos próprios códigos de segurança – abrindo o jardim secreto que, como a protagonista afirma na última frase do roteiro, é a própria vida.

O Jardim Secreto (The Secret Garden – Reino Unido, 1993)
Direção: Agnieszka Holland.
Roteiro: Caroline Thompson.
Elenco: Kate Maberly, Heydon Prowse, Andrew Knott, Maggie Smith, John Lynch, Laura Crossley, Irène Jacob.
Duração: 101 min.

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