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Crítica | The Boys – Vol. 10: Pau pra Toda Obra

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais volumes e, aqui, da série de TV.

Se pensarmos bem, os dois encadernados anteriores da série The Boys foram focados no passado, com O Rapaz Escocês abordando a família, amigos e a cidade-natal de Hughie na Escócia, como parte de seu processo psicológico para lidar com a verdade sobre sua amada Annie. O enorme Montanha-Russa, por seu turno, lidava essencialmente com o misterioso Mallory e mergulhava ainda mais na história pregressa dos super-heróis e da formação do grupo que ele criou para vigiar os vigilantes. Portanto, é de certa forma frustrante que Pau pra Toda Obra seja o terceiro volume seguido lidando com o passado, desta vez revelando os detalhes da história de Billy Carniceiro em uma minissérie em seis edições originalmente batizada Butcher, Baker, Candlestickmaker.

No entanto, essa frustração é logo dissipada, já que Garth Ennis, retornando à sua parceria original com Darick Robertson como único responsável pela arte (com cores de Tony Aviña, que também vinha trabalhando desde o começo da série), entrega uma história imediatamente engajante que lida com a “origem” de Billy desde adolescente até basicamente o presente da saga, usando como artifício de enquadramento o falecimento de seu pai, que o leva ao velório e a “falar” sobre sua vida para o defunto em caixão aberto em uma sala vazia. Claro que, assim como no encadernado anterior, muito do que podemos ler e ver em detalhes aqui não é exatamente novidade, mas esse destrinchamento das motivações de Billy ajuda e muito a compreender sua mente, encaixando-se com as preocupações de Mallory sobre a psicopatia de seu ex-braço direito.

O elemento unificador de todo o arco é a discussão entre natureza e criação, ou seja, entre as características inatas versus as adquiridas que todos nós temos. O quanto somos influenciado pelo meio em que vivemos e o quanto herdamos certos comportamentos? Essa dúvida é devastadora para Billy e Ennis não tem pena de seu personagem ao primeiro localizá-lo em um ambiente hostil, com um pai abusivo que espanca sua querida mãe. Não só Robertson, na arte, estabelece a conexão física imediata de Billy e seu pai, como a reforça ao, da mesma forma, estabelecer a conexão física entre seu irmão Lenny e sua mãe, deixando claro visualmente que Billy teria herdado os “genes da violência” de seu pai. Isso é sublinhado pela forma como Billy age na escola e, depois, no exército, durante seu serviço na Guerra das Falklands, com truculência e frieza incomuns, o que faz sua vida ruir logo cedo.

Seu único ponto de luz e sua efetiva salvação é Rebecca, ou Becky, uma ruiva que ele conhece em um vagão do metrô depois que ela o chama de “panda” por estar com os dois olhos roxos como resultado de mais uma briga autodestrutiva. O arco, então, dá impressionante guinada de 180º, apresentando-nos a um Billy completamente diferente do que conhecíamos: apaixonado, cavaleiro, não dependente de bebida e sem um pingo de violência em seu ser. Pode parecer clichê – e sem duvida é -, mas é um clichê muito bem construído que efetivamente torna fácil o leitor criar empatia pelo personagem e passar a temer por seu futuro mesmo que esse futuro já seja amplamente conhecido. Robertson também ajuda muito nesse processo transformador ao alterar levemente os traços de Billy, ao tirar sua carranca sarcásticas e/ou raivosa, substituindo-a por alguém que passou a encontrar uma tranquilizante paz interior. Esse é o Billy que queremos, por assim dizer, mesmo que saibamos que ele não vai durar.

E não dura mesmo. O estupro de Becky pelo Homelander e sua consequente morte no parto explosivo de um super-bebê é ao mesmo tempo horrível e elegantemente contado. Mas essa elegância vem depois do horror do momento da morte de Becky, com Billy, atônito, literalmente destroçando o bebê em talvez um dos momentos mais explicitamente violentos de toda a série em quadrinhos. A elegância vem na forma como o estupro em si é abordado, sem nada gráfico, apenas em páginas escritas no diário secreto de Becky que Mallory entrega para Billy na prisão, depois que ele se recusa a assinar documentos de confidencialidade sobre o ocorrido e, ato contínuo, arrancar os olhos do agente do outro lado da mesa. Essa escolha de Ennis é vital para evitar a banalização do evento e a perigosa degradação do momento. Já chega o estupro de Starlight no começo da saga para deixar bem evidente a perversidade dos super-heróis desse universo. Mas que fique bem claro: o texto é tão bem escrito, tão realista, que ele talvez seja muito mais poderoso do que qualquer imagem explícita que Robertson pudesse conjurar com seu excelentes traços. E, com isso, aquele instinto assassino – inato ou adquirido? – de Billy renasce com força total, ajudado, claro, por seu recrutamento por Mallory que logo percebe que talvez tenha trazido um monstro para seu meio.

Pau pra Toda Obra não só é um dos melhores arcos de toda a série até agora, como também o melhor arco de origem ou “de passado” sobre esse universo. Um exemplo de como escrever uma história cativante e assustadora ao mesmo tempo que contextualiza um importante personagem e, mesmo que não procure justificar suas ações, pelo menos mostra que elas não vêm do nada, paralelizando-a com a “origem” de Hughie e deixando ainda mais evidente as diferenças entre o pequeno escocês e o grande inglês.

The Boys – Vol. 10: Pau pra Toda Obra (The Boys – Vol. 10: Butcher, Baker, Candlestickmaker, EUA – 2011)
Contendo: The Boys: Butcher, Baker, Candlestickmaker #1 a 6
Roteiro: Garth Ennis
Arte: Darick Robertson
Cores: Tony Aviña
Letreiramento: Simon Bowland
Capa: Darick Robertson, Tony Aviña
Editora original: Dynamite Comics (Dynamite Entertainment)
Data original de publicação: julho a dezembro de 2011
Editora no Brasil: Devir
Data de publicação no Brasil: julho de 2020 (encadernado)
Páginas: 144

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