Em nossa cultura audiovisual, tornou-se constante associar os filmes de animação como um entretenimento exclusivamente voltado ao público infantil. Durante muito tempo, não se debateu a possibilidade de avançar no terreno dramático e transformar as animações em estruturas mais complexas, momentos de diletantismo para as crianças e diversão com reflexão para os adultos. Seefood – Um Peixe Fora D’agua está na linha das narrativas que tentam estabelecer uma conexão com ambas as plateias, mas não consegue ser exatamente algo além do mediano em nenhum dos casos. Para as crianças, fica como uma lição pedagógica sobre preservação do meio ambiente. Para os maiores de 18 anos, é uma animação burlesca, agitada, com alguns pontos positivos no que diz respeito ao humor, mas que peca pelo excesso de subtramas que não parecem organizadas por seus realizadores, aparentemente mais preocupados em desenvolver os elementos no campo da visualidade, algo menos comum na Malásia, na ocasião, em seu primeiro trabalho no campo da animação, lançado em 2011.
Antes de dar continuidade, devo salientar a menção que encerra o parágrafo anterior. Financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da Malásia, em parceria com a Corporação de Desenvolvimento Multimídia, Seefood – Um Peixe Fora D’agua é uma animação que carregou ampla expectativa por parte de seus realizadores, pois não é algo em comum no campo de produção em questão. Numa cultura global que já havia apresentado o fascinante Procurando Nemo, o divertido O Espanta Tubarões, além de outras incursões no âmbito dos animais marinhos, a produção dirigida por Aun Hoe Goh, baseada no roteiro de Jeffrey Chiang, tinha muito trabalho para fazer, afinal, se o filme não era um exercício de concorrência, pelo menos, não podia ficar muito abaixo na qualidade, um perigo diante da possibilidade de ojeriza das nossas plateias cada vez mais seduzidas pelas imagens, pessoas sem constrangimento algum para descartar, mesmo que haja boas intenções por detrás das histórias dispensadas.
Produzida pelo estúdio Silver Ant, a aventura nos conta a divertida trajetória de Julio e seu amigo Pup. Eles estão em mais um dia de diversão quando testemunham dois mergulhadores criminosos, a roubar ovos de tubarões. É quando começa a saga da dupla em prol da vida marinha, ameaçada por uma fábrica que polui o oceano, os pescadores e suas práticas de finning a raia Spin, desejosa em comandar as águas e reinar absoluta, em detrimento das demais espécies. Junto ao seu exército de caranguejos, vai dar muito trabalho aos protagonistas do bem. Com a inclusão de um carro subaquático, a história só cresce, vertiginosamente, na quantidade de subtramas que torna o roteiro uma óbvia tentativa pedagógica que não deixa espaço para as sutilezas e expõe um panorama de boas ações explicadinhas que infelizmente travam o ritmo da aventura, algo que poderia ser explicativo por conta própria, numa posição de confiança dos realizadores diante da capacidade de seu público em interpretar as mensagens. Por ser uma produção com investimento estatal, as exigências diante do caráter educativo acabaram por tornar Seefood – Um Peixe Fora D’agua menos cinema e mais cartilha.
Para educadores é ótimo. Para os que buscam entretenimento, talvez seja perceptível o tom aula de ciências biológicas. Lixo jogado no oceano, animais em redes de pesca, etc. As lições são bem claras e objetivas. Ao menos é bem interessante a busca por desmonte dos estereótipos que gravitam em torno dos tubarões, apresentados constantemente como feras assassinas antropomorfizadas, aqui sutis na aparição inicialmente monstruosa, com dentes expostos e sombra misteriosa, elementos acompanhados de tensão na trilha, preâmbulo que logo depois flerta com a brincadeira metalinguística e propõe outro olhar para estas criaturas enigmáticas. Até nos momentos de fome, deliberadamente expostos nos diálogos, a espécie não se comporta como um monstro, tal como podemos observar no terreno da ficção. É um avanço? Sim. Mas bem que Seefood – Um Peixe Fora D’agua poderia ter maneirado noutros aspectos, já mencionados, afinal, mesmo que seja educativo, é preciso que deixemos os nossos estudantes refletirem sobre as coisas, sem entregar todas as respostas de prontidão.
Ademais, na condução musical, Yan Wei Tan cumpre sua função com afeto, dando ao mar uma textura percussiva atraente, jovial e bem conectada com os elementos temáticos do conteúdo dramático da aventura. Warner Wan De Ming, supervisor da equipe de efeitos visuais, entrega ao público as imagens conforme o orçamento menor quando comparado ao poder de investimento das animações estadunidenses, geralmente grandiosas no quesito “cifras”, voltada para o retorno financeiro e ao processo de continuidade de sua constante linha de produção. Isso não quer dizer falta de qualidade dramática, pois coloquei Procurando Nemo no patamar das animações mais deslumbrantes e emocionantes das últimas décadas, uma aula sobre família, paternidade, meio ambiente e outros tantos temas que permitem reflexões empolgantes. Produzido no formato 3D, Seefood – Um Peixe Fora D’agua é um panorâmico cenário de subtramas que formam 93 minutos dispersivos de uma tentativa louvável no campo estética e bem-intencionada no terreno das lições sobre como tratar bem os oceanos, uma extensiva fonte de vida do planeta.
Seefood – Um Peixe Fora D’agua — (Seefood – China, 2011)
Direção: Aun Hoe Goh
Roteiro: Jeffrey Chiang
Elenco: Adila Shakir, Andrew Susay, Brian Zimmerman, Chi-Ren Choong, Christina Orow, Colin Chong, Diong Chae Lian, Gavin Yap, Jason Cottom, Jay Sheldon, Kennie Dowle, Max, Mike Swift, Steven Bone, Tikriti Shabudin
Duração: 93 min.