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“Modernizar o passado é uma evolução musical…”
Quando se dá play em Da Lama Ao Caos, essa frase de abertura é magnética. A partir daí, estamos completamente presos ao mundo mangue criado por Chico Science e Nação Zumbi. Estava revisitando a breve obra desse artista pernambucano esses dias e lamentando como um frontman tão icônico da música brasileira pode ter nos deixado tão cedo.
Chico foi a principal figura do Manguebeat, movimento que deu um novo gás à música nacional e deu holofote a Recife como um grande berço cultural. Um som que pegava inspirações do hip-hop e da música regional com o batuque de tambores e alfaias e misturava com guitarras pesadas, adotando uma estética completamente avessa ao que os ditos “rockeiros” defenderiam. Enquanto muitos de seus colegas músicos da época se preocupavam em replicar toda estética musical que vinha de fora, Chico e Nação Zumbi exaltavam completamente em suas imagens o orgulho que tinham de Recife, do nordeste, do som essencialmente brasileiro e da nossa cultura.
Por que resolvo falar de Chico Science agora? Bem, fazendo jus ao nome da coluna, totalmente fora de plano ou de uma data que jornalistas prefiram lembrar a memória do artista, escrevo aqui pois vivemos um tempo que percebi como seria importante a voz desse gigante. Chico era extremamente político em sua música. E ele faz questão de deixar claro pra você logo na entrada de Da Lama Ao Caos:
O medo dá origem ao mal
O homem coletivo sente a necessidade de lutar
o orgulho, a arrogância, a glória
Enche a imaginação de domínio
São demônios, os que destroem o poder bravio da humanidade
Seu valor como letrista e intérprete é imensurável. Chico Science sabia dizer muito de forma breve. Basta, por exemplo, ouvir Praieira uma vez, que você nunca esquecerá que uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor. Era um artista que sabia fazer versos políticos simples e concisos possuírem uma força inacreditável. “Viva Zumbi!/ Antônio Conselheiro!/ Todos os panteras negras/ Lampião, sua imagem e semelhança/ Eu tenho certeza, eles também cantaram um dia“. Essa última frase de Monólogo Ao Pé Do Ouvido sempre me causa impacto, não importa quantas vezes eu ouça. Em poucas palavras, Chico resume o fator revolucionário que a música pode carregar de uma forma que provavelmente nenhum intelectual saberia explicar tão bem.
Chico possuía a essência de uma grande voz popular. Sem firulas ou falas reboscadas, deixando tudo da forma mais direta para o público. Como ele mesmo disse: “Cadê as notas que estavam aqui/ Não preciso delas!/ Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos”. O essencial é absorver a mensagem.
No fim, não importa o quanto eu escreva, não fará jus ao valor cultural que em apenas dois álbuns esse cara nos deixou. O que eu tenho a dizer é: escute Chico Science. Escute Nação Zumbi. Abaixo, deixo o excelente documentário Chico Science, Um Caranguejo Elétrico, para os que tiverem interesse em conhecer ainda mais desse grande artista. E também gostaria de ressaltar o ótimo trabalho que Jorge Du Peixe fez e continua fazendo assumindo o vocal do Nação Zumbi, divulgando a palavra de Chico e a maravilhosa sonoridade manguebeat. No tempo que vivemos, mais do que nunca, os versos que ele deixou e seu apreço pela cultura brasileira precisam ser relembrados todo dia.
Viva Chico Science!