Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 4X04 e 5: The Sontaran Stratagem / The Poison Sky

Crítica | Doctor Who – 4X04 e 5: The Sontaran Stratagem / The Poison Sky

por Rafael Lima
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The Sontaran Stratagem/The Poison Sky traz diversos retornos para a série. O mais reconhecível para aqueles que conheceram Doctor Who pela Nova Série é o retorno da ex-companion Martha Jones, cumprindo a promessa que fez ao Doutor de que o veria de novo. O episódio traz também a primeira história completa da UNIT, após a organização ter tido participações pequenas e pouco significativas nas temporadas anteriores. Por fim, mas não menos importante, o arco introduz os Sontarans na Nova Série, vilões que não eram vistos desde a 22ª temporada da Série Clássica.

Escrito por Helen Raynor, o arco tem início quando o 10º Doutor e Donna são chamados de volta à Terra por Martha Jones. Agora uma médica formada, Martha tornou-se uma agente da UNIT e recruta a ajuda do amigo para investigar uma série de mortes suspeitas ocorridas no mesmo horário cuja única conexão é a presença do sistema de redução de poluição ATMOS nos carros das vítimas. Sem que o Doutor ou a UNIT saibam, os Sontarans, velhos inimigos do Time Lord, estão por trás da ATMOS e, em parceria com um jovem empresário, preparam um plano de dominação global.

Diferente da Série Clássica, que raramente trazia o retorno de antigos Companions, Russel T. Davies sempre gostou de promover o encontro do Doutor com velhos aliados, vide o retorno de Sarah Jane na 2ª temporada, ou de Jack Harkness na 3ª temporada. Estes retornos são usados não só para mostrar como a relação do protagonista com os seus antigos aliados evoluiu, mas também para aparar possíveis arestas e mesmo fazer correções nas jornadas destes velhos Companions. The Sontaran Stratagem/The Poison Sky faz isso desde os seus minutos iniciais, ao estabelecer no primeiro encontro de Donna e Martha, uma relação imediata de respeito e companheirismo. A reação do Doutor, que esperava antipatia deste encontro, evoca quase como um mea culpa da série o lamentável primeiro encontro de Rose e Sarah Jane em School Reunion, onde as Companions agiam como adolescentes brigando por um namorado. Da mesma forma, o roteiro reconhece que a paixão de Martha pelo Doutor na temporada passada foi contraproducente, não só dando a Martha um noivo como sinal de que ela seguiu em frente, mas reconfigurando a própria relação da médica com o Doutor, não mais o vendo como um interesse amoroso, mas sim como uma figura mentora.

O retorno de Martha, entretanto, não está ali apenas para comentar o passado da série, servindo também para ilustrar o desenvolvimento do 10º Doutor, de sua nova Companion, e da própria Martha. Donna surge como a primeira companheira da Nova Série a ser vista pilotando a TARDIS, uma confiança que o Time Lord deposita em sua parceira que parece ser um reflexo direto de sua parceria anterior com Martha. Da mesma forma, é ouvindo os conselhos de Martha que Donna resolve visitar sua família e contar a verdade sobre o que está fazendo da vida. Este arco é a história obrigatória de “prestação de contas à família”, que foi regra para todas as Companions da Era Davies, mas, enquanto as antecessoras de Donna foram forçadas pelas circunstâncias a revelar a real natureza de suas viagens, Donna escolhe fazer isso. Por fim, o fato de Martha ter se tornado uma médica militar conversa muito bem com a jornada da personagem, especialmente devido aos eventos de sua aventura final como Companion, fazendo do seu retorno o momento ideal para trazer as “Aventuras da UNIT” de volta à série.

Davies nunca foi um grande fã da UNIT, como declarou em algumas entrevistas, pois não lhe agradava o conceito do Doutor como agente de uma organização militar. Ao mesmo tempo, o showrunner sabe da grande importância que a organização tem na história da série e que não poderia simplesmente ignorá-la. Por isso, o roteiro de Raynor configura-se mais como uma homenagem às histórias da Era UNIT do que propriamente uma tentativa de reinvenção da organização, bastando observar como o Coronel Mace e a própria Martha servem basicamente como substitutos para personagens clássicos desse período da série, como o Brigadeiro Lethbridge Stewart e Liz Shaw. Isso não significa que a série se furta de fazer suas críticas à UNIT e ao pensamento militarizado, com o próprio Doutor repreendendo de maneira até exagerada a decisão de Martha de se juntar a uma organização militar. Tal crítica pode soar um pouco hipócrita vindo do Time Lord que passou anos trabalhando para essa mesma organização, mas a série está plenamente consciente desta hipocrisia de seu protagonista, já que ele foi indiretamente responsável por colocar Martha em tal caminho, tema que seria revisitado ao longo da temporada.

Mas é na introdução dos Sontarans na Nova Série onde o roteiro de Helen Raynor realmente ganha destaque. Até este momento do programa, os vilões da Série Clássica haviam sido introduzidos na Nova Série com elementos que tentavam lhes dar alguma camada de simpatia ou tragédia, com diferentes graus de sucesso. Os Daleks são uma raça traumatizada pela guerra lutando contra a própria extinção; os Cybermen são vítimas de um megalomaníaco; o Mestre é um homem com sérios problemas mentais causados por rituais desumanos dos Time Lords e mesmo os Autons no episódio piloto foram mostrados como refugiados da Guerra do Tempo.

Os Sontarans, entretanto, não ganham nenhuma tentativa de humanização. Eles são alienígenas que querem matar todos nós e ponto. De fato, no extremo oposto do que o episódio Dalek fez pelos guerreiros de Skaro, ao tentar nos convencer (com sucesso) que não há nada engraçado em um Dalek, The Sontaran Stratagem/The Poison Sky reconhece e frisa vários elementos ridículos na concepção dos Sontarans que a Série Clássica ignorava. Sim, eles são nanicos brigões; sim, a cabeça deles parece uma batata; sim, o ponto fraco deles é um buraco na nuca e um pescotapa bem dado pode derrubá-los. O roteiro de Raynor não tem medo de tirar sarro de seus vilões, inclusive reconhecendo-os como adversários de segunda classe. Os Sontarans, na Série Clássica, podem ter sido a primeira raça alienígena a ameaçar os poderosos Time Lords em The Invasion Of Time, mas, na Nova Série, eles não estavam à altura de um evento como a Guerra do Tempo, o que é uma grande humilhação para uma espécie que tem a sua cultura baseada na guerra.

O grande mérito do roteiro de Helen Raynor é zoar os Sontarans com gosto, mas ainda assim, conseguir torná-los uma ameaça crível dentro do contexto mais leve adotado pelo episódio. Os soldados da UNIT podem tirar sarro deles, mas serão mortos depois disso, ainda que não de uma forma horrível demais de modo a invalidar a piada. Esse equilíbrio entre humor e ameaça genuína é delicado de se atingir, bastando observar a tentativa anterior de Raynor de alcançá-lo na temporada passada com Daleks In Manhattan/Evolution of The Daleks, falhando por uma série de fatores, desde o ambiente escolhido, até a opção de vilões que haviam sido construídos dentro de uma atmosfera muito pesada pela série até aquele momento. Entretanto, com vilões como os Sontarans, em uma história que homenageia as tramas mais solares da Era UNIT, o estilo de escrita de humor mais pueril do texto de Raynor encaixa-se perfeitamente.

Entretanto, os devidos méritos devem ser entregues ao diretor Douglas Mackinnon, em seu primeiro trabalho na série. A direção reconhece as passagens mais ridículas do roteiro, como a primeira aparição do Comandante Skoor para uma dupla de soldados da UNIT, ou o momento em que um carro controlado pelos sistemas ATMOS ameaça explodir com o Doutor dentro dele; explorando a mise em scène de forma inteligente para potencializar as piadas. Da mesma forma, Mackinnon dá um ar grandioso para as sequências mais ameaçadoras, como o surgimento do clone de Martha (que flerta com o Body Horror) ou o gancho que fecha The Sontaran Stratagem, onde o Doutor observa aparentemente impotente a cidade encher-se de gás venenoso emitido pelos carros controlados pela ATMOS, enquanto Wilfred sufoca em um dos veículos e os Sontarans fazem a sua dança da vitória, que ecoa nas outras cenas em voice over. Essa última sequência da primeira parte do arco carrega aquele equilíbrio entre humor e ameaça crível que citei quando falei do roteiro, mas que não funcionaria sem uma direção firme que esses episódios felizmente têm.

The Sontaran Stratagem/The Poison Sky é um arco leve e despretensioso, que funciona muito bem dentro daquilo que se propõe e é um respiro bem-vindo depois dos intensos episódios anteriores. Os Sontarans são reintroduzidos no universo da série de forma eficiente e acertadamente simplificada, a UNIT finalmente ganha a atenção que merece da Nova Série, enquanto o retorno de Martha Jones não só traz um desenvolvimento orgânico para a personagem, como também dá novas camadas a parceria entre Donna e o Doutor. No geral, esta segunda contribuição de Helen Raynor para a série funciona muito bem dentro de sua despretensão e se encaixa no caráter celebratório da 4ª temporada.

Doctor Who 04×04 e 04×05: The Sontaran Stratagem/The Poison Sky (Reino Unido, 26 de Abril e 03 de Maio de 2008)
Direção: Douglas Mackinnon
Roteiro: Helen Raynor
Elenco: David Tennant, Catherine Tate, Freema Agyeman, Bernard Cribbins, Jacqueline King, Ryan Sampson, Rupert Holliday-Evans, Christopher Ryan, Dan Starkey, Eleanor Matsuura, Clive Standen, Wesley Theobald, Christian Cooke, Radoslaw Kain, Elizabeth Rider
Duração: 90 min.

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