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Crítica | Doctor Who: Apenas Humano, de Gareth Roberts

por Rafael Lima
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Equipe: 9º Doutor, Rose, Capitão Jack
Espaço: Londres
Tempo: 2006, 29185 a.C.

Gareth Roberts foi um roteirista frequente da Nova série, cujo estilo de escrita sempre prezou pela criação de uma aura cômica em torno da aventura, como pode ser percebido em histórias como The Shakespeare Code e The Caretaker. Roberts escreveu episódios para os Doutores de David Tennant, Matt Smith e Peter Capaldi, mas a sua trajetória com a Nova Série começou  com o Nono Doutor, tanto nos quadrinhos, onde o autor foi um dos responsáveis pela fase da encarnação de Christopher Eccleston na DW Magazine, quanto na literatura, com o romance Apenas Humano.

Situado entre The Doctor Dances e Boom Town, o livro tem início com o time da TARDIS voltando a Londres de 2006, para investigar uma distorção temporal causada por um tipo extremamente primitivo e perigoso de viagem no tempo. Chegando ao bairro londrino de Bromley, o 9º Doutor, Rose e o Capitão Jack encontram Das, um Homem de Neanderthal perdido, que devido ao estranho tipo de viagem temporal que experimentou, nunca mais vai poder voltar ao seu próprio tempo. Enquanto Jack fica no Século XXI com a missão de ajudar Das a se habituar ao seu novo mundo, o Doutor e Rose voltam para a Idade da Pedra para descobrir como o Neandertal foi jogado no futuro, e acabam descobrindo uma trama que põe em risco toda a história humana.

Com Apenas Humano, Roberts entrega uma história divertida, que possuindo o timing cômico característico dos roteiros que escreveria posteriormente para a TV, discute de forma interessante os conceitos de humanidade, e de convívio em sociedade. O autor não perde tempo em estabelecer o conflito inicial da obra, colocando o time da TARDIS no encalço de Das em poucas páginas, mas em momento algum sentimos que a narrativa foi apressada de algum modo. Passado o primeiro terço da obra, a narrativa se divide em dois segmentos distintos, o primeiro acompanhando Rose e o Doutor no passado, e o segundo com Jack e Das no século XIX. Os dois núcleos são escritos de forma bem diferentes pelo autor, com o uso do narrador observador nos trechos situados na pré-História, e a narração em primeira pessoa na forma dos diários de Jack e Das, nas passagens do presente. Embora ambos os núcleos sejam bem escritos, eles passam a ser praticamente independentes após o 1º ato da trama, dando ao leitor a impressão de estar lendo duas histórias diferentes, o que atrapalha um pouco a coesão do romance.

Dito isso, os dois núcleos funcionam muito bem isoladamente. Na pré história, Roberts evoca o clássico arco The Happiness Patrol, ao apresentar uma sociedade de humanos viajantes do tempo em uma missão de pesquisa na idade da pedra, que suprimem os seus “sentimentos errados” através de um regulador químico que carregam em seus corpos. Tal como no citado arco do 7º Doutor, o livro aponta como as chamadas emoções negativas, tais como ansiedade, tristeza, angústia, raiva e assim por diante, não apenas são parte do que nos faz humanos, como também são fatores essenciais para a nossa sobrevivência. A grande vilã da história, a Dra. Chantal, vale-se justamente da apatia de seus colegas sob o efeito de supressores químicos para conduzir debaixo do nariz de todos, cruéis experiências de mutação genética na tentativa de criar uma espécie superior a raça humana, que em sua visão, de fato mereça ocupar a Terra.

Além dos viajantes do tempo, o Doutor e Rose também se deparam com a disputa por território entre os Neandertais e os primeiros Homo Sapiens. A subtrama é usada como uma crítica à nossa espécie, já que são os humanos que assumem a ofensiva contra os Neandertais, baseando-se em um discurso racista que aponta que nossa capacidade de odiar o diferente vem de muito antes de as primeiras civilizações se formarem de fato. Este núcleo possui ótimos momentos, em sua maioria estrelados por Rose, seja no belo trecho em que a Companion ajuda no parto de uma Neandertal, ou na hilária passagem em que a jovem descobre que se tornou noiva de um homem das cavernas.

O núcleo do presente, por sua vez, é completamente voltado para a comédia. Roberts estrutura as passagens estreladas por Jack e Das em seu apartamento alugado em Bromley quase como um sitcom, lembrando bastante o episódio The Lodger, que o autor posteriormente escreveria para a TV. O divertido deste núcleo é que o maior desafio do Capitão Jack para fazer o seu amigo Neandertal se adaptar ao Século XXI não é a tecnologia e nem o conceito de uma vida urbana. O grande desafio de Jack é fazer com que Das compreenda o conceito da inverdade, que abrange a mentira, a dissimulação, e mesmo a ficção. Como estes trechos são narrados em primeira pessoa, podemos ler diretamente as divertidas percepções de Das sobre a incoerência de alguns programas de televisão, ou a sua total incompreensão do motivo que leva Jack a dizer que cada pessoa que ele leva para o apartamento da dupla é a pessoa mais linda que ele já viu na vida. Honestamente, ler sobre Jack ensinando Das a mentir é ouro puro.

Roberts consegue transpor muito bem o time da TARDIS para as páginas, inclusive captando com competência os momentos em que os personagens se encontravam na série, vide um 9º Doutor, que embora ainda muito crítico em relação aos macacos estúpidos, mostra-se bem mais esperançoso em relação à nossa espécie. Rose, por sua vez, tem grande destaque nas já citadas passagens envolvendo  os homens das cavernas, já que longe do Doutor, a garota conta somente com a própria esperteza e empatia para lidar com um ambiente possivelmente hostil, sinalizando assim a independência cada vez maior que a Companion passaria a ganhar ao longo da série. Por fim, o modo malandro e extrovertido do Capitão Jack é bem adaptado para a palavra escrita, especialmente durante o 1º ato, onde vemos mais de sua dinâmica com seus dois companheiros de viagem. Mas devo confessar que a partir do 2º ato, Jack acaba sendo ofuscado por Das, já que os trechos narrados pelo capitão nunca são tão divertidos quanto aqueles narrados pelo Neandertal.

Apenas Humano cumpre muito bem a sua função, entregando uma aventura divertida, que faz rir, mas que também traz bons momentos de tensão, e algumas reflexões e paralelos com a nossa sociedade atual, em constante disputa com os sentimentos errados. Um pouco mais de coesão entre os dois núcleos que se formam após o bloco inicial da narrativa não teria feito mal, mas é um pecadilho que não derruba o bom trabalho que Gareth Roberts fez neste livro.

Doctor Who: Apenas Humano (Only Human) – Reino Unido, 09 de Setembro de 2005
Autor: Gareth Roberts
BBC New Series Adventures # 05
Publicação: BBC Books
254 Páginas

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