Henry L. Stimson, Secretário da Guerra dos Estados Unidos em 1942, comentou o seguinte a respeito da série Por Que Lutamos, “o objetivo desses filmes é fornecer informações factuais sobre as causas, os eventos que levaram à nossa entrada na guerra e os princípios pelos quais estamos lutando“. Encomendados pelo governo estadunidense, esses documentários de propaganda tinham por objetivo fazer uma “educação teórica” para os soldados da época, mas a médio prazo, as produções chegaram aos cinemas e serviram de grande aparato ideológico, informativo e engajador para a população do país.
Depois da 1ª Guerra Mundial, os Estados Unidos tornou-se uma potência e passou a remodular e modernizar a sua neutralidade frente aos conflitos externos (especialmente após os 14 Pontos de Wilson, base para a criação da Liga das Nações, em junho de 1919), uma política diplomática que mesmo os mais estúpidos em relação à História sabe que era hipocrisia pura. Na verdade, o sumo da Doutrina Monroe e o Big Stick funcionavam sob uma nova medida: a dominação econômica e a intervenção indireta (que, com o tempo, se tornou “direta, quando necessário“). Experiência o país tinha de sobra com esse tipo de projeto e, se contarmos apenas os países que sofreram intervenção dos EUA no início do século XX, veremos que existe um padrão claro e até bem simples que foi progressivamente floreado, mas nunca abandonado. E os cidadãos do Tio Sam acostumaram-se a isso.
Ninguém precisava saber que em vez de soldados da casa, o Estado utilizava as forças dos próprios países que deseja ter controle econômico (uma simples e natural força em busca de mercado consumidor e matéria-prima para a indústria de base), nutrindo um golpe aqui, vendendo armas para determinados grupos acolá, boicotando aqui, treinando e implantando “forças de observação” acolá. Dessa forma, a marca não-intervencionista americana fez sucesso e o país teve dificuldades para engajar seus jovens soldados em massa naquele momento, mesmo depois do ataque a Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Se até aquele ponto, Hollywood produzia um número considerável de filmes que cercavam o conflito, foi a partir da entrada oficial dos Estados Unidos que o Departamento de Guerra passou a fiscalizar até mesmo as ficções que tinham direta ou indireta relação com aquela conjuntura (caso de Casablanca, Rosa de Esperança, Sabotador, Garras Amarelas, etc.) e não é de se espantar que o Estado investisse pesado em uma jornada propagandista/informativa de convencimento. É aí que entra Prelúdio de uma Guerra (1942), o primeiro dos sete filmes da série Why We Fight.
Dirigido por Frank Capra e Anatole Litvak, Prelúdio de uma Guerra é um material didático, ufano, patriota, narcísico e informativo o bastante, ao menos para o seu próprio propósito. Em termos de abordagem histórica, o roteiro tem problema na hora de contextualizar o fascismo japonês, mas o caminho utilizado para a exposição das políticas extremistas na Itália e na Alemanha (sintomático sequer terem citado as outras ditaduras da Europa na época, não?) é bastante sólido e factualmente bem sustentado. Abraçando essa exposição de fatos que basicamente consiste em mostrar como Hitler, Mussolini e Hirohito comandaram seus Estados até formarem o Eixo e “ameaçarem a América“, a película adota uma narrativa em paralelismo e opõe o mundo guiado pelo extremismo ao mundo guiado pelas benesses da liberdade e da democracia.
Esse discurso fica tão marcado na mentalidade das gerações americanas, que em conflitos posteriores como Guerra da Coreia ou Guerra do Vietnã, os EUA não precisaram mais de impulsos ou reais justificativas ideológicas para convencer soldados e avisar à população de que “estavam fazendo o certo“. O mais curioso é que pelo menos uma vez na História, justamente nesse momento da 2ª Guerra, eles estavam mesmo. Aliás, o pêndulo político que o roteiro desse documentário usa para atacar o Eixo serve como uma luva perfeita para os Estados Unidos de décadas depois, de modo que conferir a obra pode distrair um pouco o espectador mais antenado historicamente, já que comparações, ironias não intencionais e tiros pela culatra levarão o pensamento para exemplos futuros do país.
Algumas pessoas reclamam bastante do didatismo da obra. Bem, por mais que seja uma reclamação verdadeira, não creio que seja prudente utilizá-la para destruir a produção, afinal, este é um filme doutrinador, e como em toda obra de propaganda, a linguagem didática é a essência inevitável. O bom é que esse didatismo é bem trabalhado, com boas animações de mapas (um trabalho notável dos Estúdios Disney) e uso de um amplo material de cinejornais para mostrar o culto ao líder, a unicidade de opinião política, a trajetória da blitzkrieg Nacional Socialista na Europa, do Nacionalismo Showa no Pacífico e do Fascismo na Etiópia.
Com larga evocação heroica através da trilha sonora e de um dever moral para com a pátria via um discurso muitíssimo apaixonado, mas essencialmente verdadeiro, Prelúdio de uma Guerra é o tipo de filme que a gente assiste e pensa: “faz todo sentido que tenha sido um dos vencedores de Melhor Documentário em 1942!“. A forma como o roteiro guia as diferenças entre a realidade da repressão e da liberdade perde força a partir do segundo tempo, mas a obra não deixa de lado a sua promessa e expõe tudo de maneira no mínimo decente.
Todavia, a melhor coisa que este filme pode nos proporcionar hoje é um largo e interessantíssimo debate histórico sobre o cinema de propaganda e sobre a posição dos Estados Unidos frente às intervenções, lideranças insanas, sonhos imperiais, divulgação de notícias falsas para engrandecimento político e aproveitamento de conhecidos traços culturais de sua população + uma condição histórica favorável para agir de maneira pouco civilizada e ainda assim ter uma horda de pessoas, grupos e sistema econômico em sua defesa. Pois é. Como disse o autor do 18 Brumário de Luís Bonaparte, “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa“.
Por Que Lutamos: Prelúdio de uma Guerra (Why We Fight: Prelude to War) — EUA, 1942
Direção: Frank Capra, Anatole Litvak
Roteiro: Julius J. Epstein, Philip G. Epstein, Robert Heller, Williband Hentschel, Eric Knight, Anthony Veiller
Duração: 52 min.