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Crítica | O Perfume da Senhora de Negro

por Luiz Santiago
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Francesco Barilli não tem uma filmografia extensa e nem assinou muitos longas de ficção em sua carreira. Curiosamente, os seus filmes mais famosos e mais relevantes são dois gialli, este sobre o qual falaremos mais detalhadamente aqui, O Perfume da Senhora de Negro (1974) e o seu longa seguinte, Pensione Paura (1978).

Embora o roteiro de Barilli e Massimo D’Avak tenha o mesmo título de um romance de Gaston Leroux (no original, Le Parfum de la Dame en Noir, publicado em 1908), eu não sei dizer se estamos diante de uma adaptação ou não; primeiro, porque não li o livro, segundo, porque não encontro fontes confiáveis que me digam se a história toda é de fato extraída da literatura ou se falamos de uma alusão simples à fonte. De toda forma, o título é. E como acontece em muitos gialli, o título faz apenas algumas conexões com o plot, mas não necessariamente o sustenta, o que, a rigor, não importa muito nesse gênero, onde inconstâncias e nonsense são frequentes.

Mimsy Farmer vive Silvia Hacherman, uma cientista industrial bem relacionada e muito focada em seu trabalho, às vezes deixando que os turnos no laboratório tomem o espaço de seus momentos de diversão. Para contextualizar essa personagem e todo o seu entorno, o diretor não tem pressa. Sua “lentidão”, no entanto, não é de caráter despropositado. Ele intenta nos fazer desconfiar de todo mundo já do início e ver o entorno do prédio onde Silvia mora como um ambiente ameaçador, uma mescla visual e atmosférica da Trilogia dos Bichos de Dario Argento com O Bebê de Rosemary, obra que serviu de grande inspiração para este giallo.

Para quem já teve a sua cota de gialli assistidos, sabe muito bem o quanto a trilha sonora é introduzida como um personagem amedrontador nesse tipo de filme, muito mais do que nos terrores comuns. Existem obras, no entanto, em que o exercício musical é tão bem feito (composição) e tão bem utilizado na trama, que às vezes ganha mais relevância que o próprio evento representado na tela. Isto é o que vemos no trabalho de Nicola Piovani aqui. Compositor que muitos anos depois seria laureado com um Oscar por A Vida é Bela e que até aquele momento só tinha dois trabalhos de destaque no currículo (Em Nome do PaiO Monstro na Primeira Página, ambos de Marco Bellocchio), Piovani conseguiu manter todos os ambientes mergulhados em pavor sonoro, e isso sem forçar uma partitura macabra, daquelas que se esforçam demais para querer assustar. Seus temas são orgânicos, belos e mesmo os recorrentes acabam tendo variações que combinam com o novo momento em que aparecem e com a evolução do terrível estado de perturbação mental/emocional da protagonista.

Se O Perfume da Senhora de Negro tem um segredo, ele pode ser facilmente desvendado se o espectador prestar muita atenção na sequência onde se fala de magia negra e outros caminhos sobrenaturais, ainda no início da obra. O final do filme, em essência, é explicado pelo que ouvimos nessa reunião, e assim como acontece com Rosemary, Silvia vai progressivamente entrando em um estágio de paranoia, medo e comportamentos extremos, com a diferença de que aqui em O Perfume há um enorme número de alucinações em cena. Contudo, se temos a chave para desvendar o grande mistério da fita, é justamente por conta dessa chave que o filme tem os seus maiores problemas de construção narrativa.

SPOILERS!

Conquanto a ideia de seita, magia e manipulação das ações alheias (aparentemente esta seita só considera ideal o consumo da carne se a vítima se suicidar) faça sentido com o que nos é apresentado na abertura, o texto perde a oportunidade de integrar bem mais as vítimas aos seus algozes, espaço de ação que é preenchido por um número extrapolado de visões, especialmente no último ato, o que derruba a qualidade do filme. Essa posição é reforçada pelo comportamento final da seita, em um ritual que é esvaziado pela ausência de organicidade entre os blocos que o antecedem, além do fato de herdar a problemática dos indivíduos colocados ao redor da protagonista apenas para “constar” e depois querer fazê-los peças valorosas do quebra-cabeça. É mais ou menos assim: a gente sabe que essas peças se encaixam, mas um erro na impressão de cor ou uma macha na superfície estraga parcialmente o resultado final da imagem.

Tirando o péssimo personagem de Maurizio Bonuglia (Roberto, o namorado de Silvia), todo o elenco está tinindo e cada grupo é apresentado em um espaço com características distintas, um trabalho bem mais notável da direção de arte do que da fotografia, com destaque para o quarto de Francesca, interpretada pela modelo Donna Jordan, em seu segundo de dois filmes (o primeiro foi L’Amour, de Paul Morrissey e Andy Warhol); para o apartamento de Silvia; para o lugar onde ela se reúne com os amigos logo no início do filme e para o apartamento do Sr. Rossetti (Mario Scaccia) onde temos uma das melhores cenas e um dos melhores planos da fita — um outro está no chá do Chapeleiro Louco, no apartamento de Silvia.

O Perfume da Senhora de Negro peca porque propõe um grande enigma mas o alimenta mal, focando demasiadamente em coisas que rapidamente entendemos e deixando de lado uma ligação maior da personagem de Mimsy Farmer com pessoas ao redor e com o mundo real. Dada a excelente trilha sonora e o desenvolvimento instigante da obra (o horror aqui passa por uma tensa e bem modulada construção), temos um resultado final acima da média, um alerta para os que acham que a plena maldade só existe em lugares exóticos e bem longe de si. Para esses ingênuos normalmente traumatizados e feridos por erros que cometeram (a culpa tem um papel importantíssimo no filme e nessa dinâmica de fazer a pessoa descer ao abismo mental), é sempre um pesar constatar que viraram comida para as bestas mágicas e macabras que vivem tranquilamente na casa ao lado.

O Perfume da Senhora de Negro / O Perfume da Senhora de Preto (Il Profumo Della Signora in Nero / The Perfume of the Lady in Black) — Itália, 1974
Direção: Francesco Barilli
Roteiro: Francesco Barilli, Massimo D’Avak
Elenco: Mimsy Farmer, Maurizio Bonuglia, Mario Scaccia, Jho Jhenkins, Nike Arrighi, Lara Wendel, Aleka Paizi, Renata Zamengo, Ugo Carboni, Roberta Cadringher, Sergio Forcina, Gabriele Bentivoglio, Luigi Antonio Guerra, Carla Mancini, Donna Jordan
Duração: 103 min.

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