Home FilmesCríticas Crítica | A Maldição do Espelho (2019)

Crítica | A Maldição do Espelho (2019)

por Luiz Santiago
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Embora não seja exatamente uma sequência de A Dama do Espelho: O Ritual das Trevas (2015), A Maldição do Espelho se passa no mesmo Universo, adota exatamente a mesma premissa, mas coloca outros personagens e situações em cena, agora ambientado no mesmo Internato citado e mostrado através de recortes de jornal no primeiro filme.

O espectador tem aqui uma primeira reação de estranheza ao perceber a abordagem meio anacrônica entre a representação do Internato (que em tudo lembra os anos 1920) e a colocação de novas tecnologias, tornando os personagens deslocados no tempo, num tipo de Universo onde o velho e o novo se unem. A própria forma que o diretor Aleksandr Domogarov desenvolve o roteiro de Maria Ogneva ressalta visualmente essas diferenças. Uma cena noturna com alguns estudantes ouvindo música numa caixa de som, ligada a um aplicativo, num ambiente que de moderno não tem nada é o ponto mais alto dessa percepção e essas inconstâncias de tempo em relação ao que vemos na tela permanecem até o final do filme. Lembra bastante Bates Motel, para falar a verdade, onde a atmosfera, os figurinos e a abordagem da direção de arte/desenho de produção flertam com o passado, mas celulares, carros modernos outras tecnologias nos lembram que estamos no presente.

Aqui, a premissa de invocação tem um ponto de partida bem mais interessante do que no longa de 2015, pois usa como tema a depressão infantil causada pela não aceitação da perda da mãe, e então direciona os personagens para o lugar onde os tormentos acontecerão. Infelizmente o roteiro não explica o princípio de “ativação” da Rainha (ou Dama) de Espadas. Nós podemos aludir ao fato de que tanto a personagem da lenda quanto a mãe de Olya (Angelina Strechina) e Artyom (Daniil Izotov) queriam salvar seus filhos da morte, mas ainda assim, não é nada que o texto faz questão de confirmar. De toda forma, a ida dos irmãos para o Internato parece ser daquelas coincidências onde o mal atrai indivíduos frágeis para a sua armadilha, que é de fato o que acontece aqui.

No desenvolvimento dos personagens principais, o roteiro é mais engraçado (no mal sentido) do que coerente. As motivações da irmã mais velha parece apenas birra sem sentido, enquanto o irmão mais novo tem sim uma boa atenção do texto, mas o menino é uma mímica do medo, tendo contato com “o outro mundo” praticamente sem diálogos, já que é mais focada aqui a linguagem não verbal. E isso é bom, inclusive é um recurso recorrente em filmes do gênero, a questão é que não há um propósito maior para isso, o que acaba deixando o menino apenas como um garotinho depressivo que quer ficar com a mãe morta. É aterrador, garante bons momentos na tela, mas mesmo com um objetivo final absurdamente simples, parece não conseguir pavimentar bem a estrada para o personagem chegar até lá.

O que de fato recebe um bom tratamento na obra é a relação dos indivíduos que participaram do ritual de invocação, frente ao espelho, com a chegada da Dama de Espadas para “realizar” o que pediram. A similaridade com A Dama do Espelho é notável nesse ponto, embora o caminho de susto e até a presença da entidade (de aparência bem menos assustadora aqui) sejam mais sólidas nessa versão de 2019. Curiosamente, o roteiro dá uma boa finalização e até motivações coerentes para os coadjuvantes, com todos sendo ceifados pela Dama de modo cada vez mais chamativo (o drama da menina gorda é o meu favorito), até que o enredo se afunila apenas para o núcleo dos dois irmãos ao lado de dois aliados (um professor e um colega do Internato). No longa de 2015, o roteiro estragou a experiência do público com um falso clímax e um elemento de possessão patético, que destruiu o final do longa. Aqui, ao contrário, o diretor opta por trabalhar com diferentes dimensões — dentro e fora do espelho — e consegue fechar o ciclo de horror de modo interessantíssimo.

Notem como, na cena final, o predomínio do verde no cenário de invocação e nos ambientes próximos (uso também presente no longa de Svyatoslav Podgaevskiy) muda para azul, e aí temos uma ótima saída para o contato final entre a entidade e os seus invocadores. A forma como o longa é finalizado tem um nível de angústia absurdo e combina bem com a obra. Particularmente, tenho ao mesmo tempo horror e fascínio para esse tipo de vingança maligna (vide um tipo similar de prisão utilizado em Convenção das Bruxas que me aterrorizou quando criança) e a escolha do diretor em terminar o filme nessa nota, quase acenando para uma continuação, é aceitável. Mesmo que não haja uma sequência, deixar o filme em aberto, nesse sentido, foi a melhor escolha possível, pois não entrega de verdade o final feliz e ao mesmo tempo faz a esperança, a impossibilidade e o mal andarem lado a lado. Um fim definitivamente melhor que o começo do filme, fazendo de fato valer a sessão.

A Maldição do Espelho (Pikovaya dama. Zazerkale/Пиковая дама: Зазеркалье) — Rússia, 2019
Direção: Aleksandr Domogarov
Roteiro: Maria Ogneva
Elenco: Angelina Strechina, Daniil Izotov, Yan Alabushev, Darya Belousova, Claudia Boczar, Violetta Davydovskaya, Vladimir Kanuhin, Vladislav Konoplyov, Dmitriy Kulichkov, Tatyana Kuznetsova, Valeriy Pankov, Elvira Shilova, Alyona Shvidenkova, Anastasia Talyzina, Igor Yashanin
Duração: 83 min.

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