Acreditem: eles vivem. E estão no meio de nós! “Eles quem?“, pergunta o jovem e inocente leitor. Ora, os Críticos de Críticos Especialistas em Aritmética da Estética! “E quem são esses?” pergunta o mesmo leitor. Pois bem, este é o tema do nosso Plano Polêmico que, na verdade, é apenas a semeadura do óbvio. No entanto, diante da realidade em que vivemos, semear o óbvio se tornou necessário. Ainda mais quando falamos com quem acha que um crítico precisa tabelar as avaliações que fez na vida, afinal, se para a comédia de costumes Por Que Vocês Não Aceitam Opiniões Diferentes? (1913) o crítico Ditadorzinho Irônico e Bruto deu absurdas 4 estrelas, como é possível que ele tenha dado apenas 3 galáxias para o documentário Ninguém é Obrigado a Aceitar a Opinião de Ninguém (1900) e, pior ainda, apenas 6 meteoritos para o épico jornalístico Quem Fala o Que Não Deve, Ouve o Que Não Quer (2020)?
Para esses Pitágoras, a crítica se faz através de um comparativo regulado pela “aritmética ético-estética” que obriga o profissional a avaliar todo o restante das coisas que ele um dia conferirá a partir de uma metódica comparação aproximada (e corrigida) frente a tudo o que já avaliou antes. Ou seja, para atribuir estrelas ao suspense Bee, A Senhora Só Vem Aqui Escrever “Lacraste” Nas Críticas, Já Sacamos Qual é a Tua, Cacura! (2019), o crítico precisa levar em profunda consideração quantas estrelas ele atribuiu para A Gigantesca Barba do Mal (2013), Primavera Para Hitler e Terra de Ninguém (1973)! Se ele deu X estrelas para um filme, pela tabela insana na cabeça dessa gente, jamais poderia dar 3,5 para outro, pois é assim que funciona a atribuição de notas numa crítica, não é?
Não.
Não é.
Para começo de conversa, a atribuição de um valor numérico a qualquer obra de arte é algo puramente didático, mais ou menos prático, patético e… popular. Como uma das funções da crítica é estabelecer um diálogo com o público a partir de uma reflexão sobre a obra, a nota meio que crava uma “opinião qualitativa fácil” para quem bate o olho e conclui que “fulano gostou” ou “fulano odiou” o filme, o livro, a série, o disco etc. Mas esse tipo de avaliação é um problema para a quase totalidade dos críticos: a maioria de nós nem gosta desse tipo de notificação. E sabem por que? Primeiro, porque às vezes uma obra é complexa demais ou até simples demais para ser resumida apenas por estrelinhas, ovinhos, tomatinhos ou HALzinhos. Não sei contaram para vocês, mas a parte mais importante da crítica não são as estrelas. Estrelas são perfumaria, isopor. Um charme mimoso e muitas vezes ridículo. A parte mais importante da crítica é… pã pã pã… a crítica! OOOOOOOOOOOOOOOOHHHHHHHHHHHHHHH!!! De explodir a cabeça, não?
Vocês já leram um texto que, ao chegar ao fim, vem aquele pensamento “ué, não entendi por que o indivíduo deu 4 estrelas se ele fala mais mal do que bem do filme!” ou o contrário disso? Este é um dos exemplos que mostra o por quê usar uma avaliação numérica para arte é… complicado. Eu mesmo já me vi pelejando para saber se dava + ou – meia estrela para um filme. E às vezes mudei a nota (ou, como editor, já pedi para meus parceiros mudarem a nota) de textos que eu leio e penso “hummm… não tá batendo“. E sim, isso acontece mesmo. Porque transformar um conteúdo artístico em um número dá margem para esse tipo de problema. Aos poucos é que a gente consegue deixar o mais coerentemente possível a nossa reflexão + a nossa nota. Mas a coisa nunca deixa de ser complicada.
Aí vem a outra parte do samba: o objeto em análise. Embora cada crítico tenha um estilo diferente — e até uma intenção final diferente, o que faz alguns textos nem serem uma crítica, de fato, mas uma resenha ou um ensaio — há algo que todos precisam levar em consideração ao levantar uma discussão e trazer um olhar avaliativo para uma obra específica: o contexto. É como eu sempre digo para os meus alunos antes de iniciar a doutrinação titeufista: contexto é tudo. No campo das ideias, especialmente quando a proposta é uma análise (de qualquer cunho!), o articulista tem por obrigação colocar seu objeto de estudo em contexto; trajetória que começa na identificação da proposta e termina em componentes externos, como o tempo e espaço de produção, o artista, os materiais utilizados (cabe aqui toda a consideração técnica), a visão particular do resultado final (ou seja, a opinião pessoal — e para quem ainda não sabe, toda crítica é parcial e também pessoal!) e o levantamento de uma discussão original, um tipo de “para mim, esse filme quer dizer isso por conta disso, disso e daquilo“. É neste ponto que muitos autores podem soar bem parecidos ou bem diferentes uns dos outros.
Spoiler: a maioria das concordâncias e discordâncias a respeito de uma obra está nesse aspecto. Na leitura que cada um faz daquilo que consumiu. Empatado com isso vem a experiência/conhecimento pessoal daquela linguagem e suas particularidades.
Se o contexto é a nossa âncora, ou seja, aquilo que impede que um texto seja engessado, praticamente uma cópia estrutural de outros (uma receitinha patética de bolo), é natural que apliquemos das mais distintas maneiras o nosso julgamento para cada obra! Um crítico (não confundir com “Fazedor de Meu Querido Diário“) jamais julgará os efeitos especiais de um filme de 1920 sob o mesmo contexto que julgará um filme de 2020! Estamos falando de um século de desenvolvimento da tecnologia! A manufatura da arte aí tem peso, instrumentos, execução e resultados completamente distintos! A mesma coisa posso dizer quando pego um trash, um blaxploitation, um blockbuster com milhões de orçamento ou um alternativo feito com alguns milhares de dólares. Tudo é cinema e tudo será analisado com as mesmas ferramentas, mas com uma manipulação diferente dessas mesmas ferramentas (de novo: considerando o contexto), porque uma crítica sem a observação do contexto é apenas um amontoado anacrônico e absurdo que termina cobrando de uma obra de arte algo que ela nunca se propôs a dar.
Assim, o que moveu O Pior Crítico do Mundo a dar 5 estrelas para Palhaços Assassinos do Espaço Sideral foi todo um contexto e proposta diferentes para que ele desse 4,5 para Coringa; mais todo um contexto e proposta diferentes para dar ZERO para 47 Ronins; mais mais todo um contexto e proposta diferentes para fechar com 3 em Roma. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Cada filme tem uma proposta diferente, uma leitura diferente, um caminho de análise diferente, uma equipe e história de produção diferente, um “espírito do tempo” diferente, um espaço diferente… e as estrelas atribuídas a eles não obedecem a um padrão onde nós, críticos, somos obrigados a entregar X para um… só porque aplicamos Y em outro. Minha dica é: sempre que tiver dúvida ou ficar insatisfeito com a atribuição de notas para um texto, siga esses dois conselhos:
1 – Repare que lá na parte superior e na parte inferior da página não está escrito o seu nome. Logo, este não é O SEU texto. Assim, a visão e as notas podem ser (ora, quem diria, não é mesmo?) bem diferentes das que VOCÊ atribuiria para aquela mesma obra. Isso acontece, não é verdade? Faz parte. E tá tudo bem.
2 – Sinta-se à vontade para xingar o crítico o quanto quiser, afinal, crítico nem é gente. Não espere, todavia, ser bem tratado na réplica. Apresente suas discordâncias (mas não espere que o autor vá concordar com tudo o que você disse) e explique você mesmo por que pensa diferente (isso é sempre legal, porque gera diálogo. Faça isso!). Se, na sua argumentação, alguma comparação precisar ser feita, que seja uma comparação de conteúdo, de proposta, de aproximação temática ou de trabalhos diferentes feitos pelo mesmo profissional. Faça tudo isso também. Mas nunca condicione a notinha dada para qualquer obra de arte a uma tabela fixa, a notas dadas antes ou depois, achando que essas atribuições são legítimas, seguindo uma tabuada que obriga uma idiotizada “coerência numérica na arte de avaliar“. Não seja patético. Crítica não é aritmética da estética!
E agora lá vou eu coletar minhas zero estrelas.