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Quando Stardust City Rag acabou, minhas reações foram de felicidade pelo retorno efetivo de Sete de Nove e de dúvida sobre o que eu realmente havia achado do episódio como um todo. Ver Jeri Ryan novamente em ação como a ex-Borg de Voyager em um capítulo que faz pela personagem o que a série tem feito por Jean-Luc, ou seja, preencher o espaço de tempo entre o fim de sua série e o momento atual foi um grande presente, mas, por outro lado, o capítulo é — mais uma vez — entulhado de informações que atravancam seu desenvolvimento.
Mas, considerando as estrelas que abrem a presente crítica, não é mistério algum o que, depois de muito processar, achei de Stardust City Rag, ou seja, nada menos do que o melhor episódio da temporada até agora, ainda que essa minha conclusão não tenha sido se dado sem muita relutância. O ponto mais relevante para chegar onde cheguei foi que a aventura passada em Freecloud, uma Las Vegas espacial, é puro Star Trek old school, cheia de conveniências e momentos exagerados que não são feitos para serem levados a sério (Picard todo afetado de boina e tapa-olho? SIM!!!) mas com uma boa dose de desenvolvimento narrativo e sem sequências no Cubo Borg, o que sempre ajuda. Além disso, o capítulo quebra o molde estrutural da série, algo que vem no momento certo.
No entanto, vamos começar pelo que não gostei — e talvez tenha desgostado o suficiente para chegar a uma avaliação mais baixa, só que acabei relevando pela brincadeira da coisa toda –, que pode ser resumido no “bonde de Freecloud”. Entendo perfeitamente todos terem suas razões para irem até lá: Picard quer achar Bruce Maddox, Raffi quer reconciliar-se com seu filho (mais clichê que isso, impossível) e Sete quer a boa e velha vingança na base do “doa a quem doer”. Maravilha. O problema é que essa convergência toda como uma conjunção astral de horóscopo mequetrefe é preguiça pura de roteiro, quase como um retorno à forma oitentista de se escrever séries de TV. Peguem Sete de Nove e se perguntem: o que raios a levou a salvar Picard ao final de Absolute Candor? As coincidências se amontoam de forma incômoda sem que o texto já lotado de tecno-baboseiras e referências ao passado para os fãs da séries, se preocupe em oferecer uma nesga de explicação que permita que o espectador retire “intervenção divina” da lista de possibilidades.
Acontece que parte do problema foi também parte da solução. O roteiro bobinho de Kirsten Beyer exala Star Trek “das antigas”, especialmente aqueles episódios de aventura pura cheio de momentos completamente absurdos, mas sempre muito divertidos. Além disso, a manutenção do foco em Sete de Nove torna o passo dinâmico mesmo quando ele entra na perigosa trilha do “senta aí para eu te contar uma historinha”, com Ryan voltando à sua personagem como se nunca tivesse saído dela.
Aliás, diria que foi um toque de gênio trazer Icheb (aqui vivido por Casey King) de volta nem que tenha sido para matá-lo da maneira mais dramática possível. Funcionou bem como flashback de abertura tanto para justificar a fúria de Sete quanto para afagar os fãs de Voyager. Além disso, a montagem clássica de “preparação/execução” de plano esdrúxulo tendo Raffi como mentora na La Sirena e o restante de tripulação no planeta foi de abrir sorrisos de satisfação desde o já citado Picard de boina e tapa-olho, passando pelo hilário grandalhão Sr. Vup (Dominic Burgess) e chegando no capitão Ríos, que finalmente mostra alguma personalidade que não seja uma réplica latina e com folículos capilares de Picard.
O drama sério foi também bem sublinhado no episódio. Não falo do reencontro brega e totalmente fora de contexto de Raffi com seu filho e nora, pois isso foi completamente descartável, mas sim de basicamente tudo envolvendo Sete de Nove. Sua história com o grupo de foras-da-lei, sua busca de vingança, sua manipulação dupla de Picard e sua inclemência foram os pontos altos do episódio ao ponto de eu ter ficado triste por ela não ter se juntado (ainda) em definitivo ao grupo e por eu secretamente desejar uma minissérie spin-off só dela chutando bundas por aí.
Do lado da evolução da narrativa, a revelação do paradeiro de Soji por Bruce Maddox e, depois, seu assassinato pela Dra. Agnes Jurati (que confirma suspeita de um leitor sobre sua conversão ou lavagem cerebral), pareceram meio que marretados no episódio, como se a roteirista tivesse escrito essa cena depois, mas, no final das contas, combinou com o estilo conveniente da história anterior em que os buracos de roteiro são fechados na base do “vamos que vamos e paciência”. Tem vezes que isso é aceitável e, para mim, foi o caso aqui.
Ou seja, no final das contas, Stardust City Rag carrega os mesmos problemas que a série já vinha mostrando, quase todos eles conectados com a dificuldade em aliar a história do presente com o passado de seus personagens. Mas, assim como o figurino de cafetão espacial que Ríos é obrigado a usar, o episódio dá uma roupagem tão absurda à narrativa que ela sem querer acabou funcionando. Bem, pelo menos funcionou para mim. E não sem relutância.
Star Trek: Picard – 1X05: Stardust City Rag (EUA, 20 de fevereiro de 2020)
Desenvolvimento: Kirsten Beyer, Akiva Goldsman, Michael Chabon, Alex Kurtzman (baseado em personagens criados por Gene Roddenberry)
Direção: Jonathan Frakes
Roteiro: Kirsten Beyer
Elenco: Patrick Stewart, Alison Pill, Evan Evagora, Michelle Hurd, Santiago Cabrera, Jeri Ryan, Dominic Burgess, Necar Zadegan, John Ales, Mason Gooding, Landry Allbright, Kay Bess, Ayushi Chhabra, Casey Childs, Casey King
Duração: 45 min.