- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas das demais temporadas.
Depois de quase dois anos, Homeland volta às telinhas para sua oitava e derradeira temporada em uma jornada brilhante, ainda que não perfeita, desde sua estreia em 2011, com o começo do que chamo Trilogia Brody. E, mesmo tendo tido tanto tempo para pensar no que poderia ser o mote desse encerramento, fui pego de surpresa por uma escolha tão simples e óbvia, mas tão maravilhosamente lógica e circular, que Deception Indicated imediatamente capturou minha atenção: se a série começou com as suspeitas da agente bipolar da C.I.A. Carrie Matheson (Claire Danes) sobre a lealdade do soldado americano Nicholas Brody (Damian Lewis), que passou anos preso pelo talibã, então nada melhor do que ela acabar com suspeitas sobre a própria Carrie depois que ela passou 213 dias em um gulag russo, privada de seus medicamentos e sendo torturada.
Melhor do que isso é que o roteiro de Debora Cahn e do showrunner Alex Gansa não se contenta em deixar as suspeitas unicamente ao encargo de um agente carrancudo que a interroga em um sanatório militar na Alemanha quando o episódio começa, mas sim ao transformar a protagonista em uma narradora não confiável, ao não só fazer o espectador duvidar do que ela fala, como também semear dúvidas na própria Carrie, que passa a ter sua já perturbada mente assombrada pela terrível possibilidade de ela ter revelado os nomes de sua rede de espiões e infiltrados. O episódio é, portanto, angustiante e desesperador, voltando a usar a bipolaridade de Carrie como fio condutor da narrativa, algo que sempre tem enorme potencial quando é bem explorado como nas duas temporadas anteriores.
Saul Berenson (Mandy Patinkin), agora o todo-poderoso conselheiro do presidente Warren (Beau Bridges, que ainda não apareceu, mas que foi introduzido na temporada anterior), está em meio a negociações de paz exatamente com o talibã de ninguém menos do que Haissam Haqqani (Numan Acar, que também ainda não apareceu), aquele mesmo personagem que fez um acordo sombrio com Dar Adal (F. Murray Abraham) ao final da cambaleante quarta temporada e cujo arco, até agora, permanecia aberto para frustração de muitos (minha inclusive!). Só isso já é outra notícia alvissareira para quem acompanha a série, já que, ao que tudo indica, teremos um desfecho para essa ponta que havia sido largada por completo (talvez propositalmente). Não demora, porém, e o vice-presidente do Afeganistão manifesta-se publicamente recusando a libertar prisioneiros talibãs em poder de seu governo, elemento fundamental de negociação, exigindo que Berenson tome medidas desesperadas e reincorpore Carrie para uma missão em Cabul.
Devo dizer que teria gostado mais do episódio se ele tivesse ido mais devagar com a louça. Carrie no hospital ainda tinha muito a oferecer e sua retirada de lá ainda na metade do capítulo foi um pouco frustrante, especialmente considerando a velocidade com que ela imediatamente entra em ação, algo que chega até a ser desnorteador. Sim, compreendi perfeitamente a proposta de revelar o assassinato de um de seus informante pelos talibãs como chave para a dúvida interna de Carrie sobre os 180 dias que ela não se lembra estando em poder dos russos, mas isso poderia ter vindo talvez de outra forma ou até mesmo no episódio seguinte, sem precisar movimentar a trama na velocidade da luz logo em seu início.
E a rapidez dos acontecimentos também acaba atrapalhando a fluidez da missão de Max Piotrowski (Maury Sterling), que volta não só à campo, mas no meio do fogo cruzado no Vale de Korangal, no Afeganistão, em uma missão de conserto de equipamento de espionagem em território hostil e tremendamente perigoso, cercado de um pelotão que logo se afeiçoa do calado personagem. Último personagem da “velha guarda” da série fora Carrie e Saul, a presença de Max, aqui, não só é abrupta como diferente de tudo que vimos antes em relação a ele, pelo que Deception Indicated teria lucrado mais se, no lugar de se preocupar em deslocar Carrie do hospital quase que instantaneamente, tivesse preparado melhor o terreno para o especialista em escutas eletrônicas. Ainda que a missão dele já seja claramente conectada aos acontecimentos ao redor de Saul, será interessante ver como isso evoluirá e se ele será mantido apartado do restante do elenco, talvez desenvolvendo seu pelotão.
Claire Danes está novamente impressionante em seu papel, com uma performance natural, que deixa sua personagem constante à beira do abismo, prestes a pular. Sua reações em momentos chave, como quando ela confronta seu interrogador no sanatório, recebe a notícia de Saul de que ela voltará à ativa ou quando ela descobre sobre o assassinato de seu informante são de se tirar o chapéu, com a atriz prometendo um tour de force final que tornará Carrie uma das mais memoráveis personagens da televisão moderna.
A correria do episódio, porém, tem um lado muito positivo, já que ele deixa, em relativamente poucos minutos, o circo perfeitamente armado para o que vem por aí, costurando as suspeitas sobre Carrie em um tecido que de maneira genial retorna à premissa original da série, devolvendo a personagem ao Oriente Médio, e, finalmente, trazendo Haqqani e, claro, seu torturador russo Yevgeny Gromov (Costa Ronin) de volta. E assim, com o tabuleiro devidamente posto, os 11 episódios finais têm todas as peças necessárias para encerrar Homeland com toda a pompa e circunstância que a série merece.
Homeland – 8X01: Deception Indicated (EUA, 09 de fevereiro de 2020)
Showrunner: Howard Gordon, Alex Gansa (baseada em série criada por Gideon Raff)
Direção: Lesli Linka Glatter
Roteiro: Debora Cahn, Alex Gansa
Elenco: Claire Danes, Mandy Patinkin, Maury Sterling, Linus Roache, Costa Ronin, Numan Acar, Nimrat Kaur, Beau Bridges, Sam Trammell, Hugh Dancy, Mohammad Bakri, David Hunt, Cliff Chamberlain, Andrea Deck
Duração: 55 min.