- Há spoilers!
No segundo volume de Locke & Key, Joe Hill continua sua estratégia de queima-lenta, fazendo o leitor saborear cada um de seus devaneios criativos sem trazer resultados práticos corridos somente para solucionar um mistério atrás do outro. Se Bem-Vindo a Lovecraft foi um aperitivo saboroso, Jogos Mentais é uma entrada que aguça os sentidos e prepara o que promete ser um inesquecível prato principal.
Usando a chave da mente que o jovem Bode Locke achou ao final do volume anterior, a história da vez lida com memórias e lembranças, o trampolim que Hill precisava para sedimentar, por intermédio do uso de flashbacks, que todo o mistério sobre as chaves, fechaduras e a mulher – agora homem – que residia no poço adjacente à Keyhouse, antecede e muito o começo cronológico da história sendo contada, voltando no mínimo para quando o assassinado patriarca da família tinha a idade que seu filho Tyler tem agora. Não demora muito e a excelente memória de um idoso professor de literatura, começa a abrir as portas para descobrirmos que Zack Wells – o nome adotado pela criatura do poço, valendo notar que “well” é “poço” em inglês – já fora Lucas Caravaggio há uma vida atrás e que ele, agora, em razão de uma conexão passada que vai aos poucos sendo revelada, vive com a professora Ellie Whedon, que, por sua vez, tem um filho autista.
Essa história que lentamente expande esse fascinante universo místico criado por Hill, é costurada pela revelação da função da chave da mente, capaz de literalmente abrir a cabeça das pessoas de forma que seu conteúdo possa ser alterado ao bel-prazer, seja inserindo ou retirando memórias. Não só o lado mágico da narrativa é escancarado, já que Bode logo conta tudo para seus irmãos, como Lucas é trazido para esse círculo restrito, colocando o vilão em posição de extrema vantagem em relação aos Locke.
Paralelamente, o tio Dunk, que também começa a se lembrar de Lucas em um passado enevoado, tem sua participação na história expandida com a revelação de que ele é gay e com sua necessidade de sair da mansão para focar em suas aulas de arte. O que parece ser uma narrativa paralela no começo não sai da mira do autor e tudo acaba ganhando forte conexão, sempre prestigiando a ampliação da teia narrativa, no presente e no passado, tendo o misterioso e manipulador Lucas Caravaggio como pivô.
Se a chave de abrir mentes parece estranha e razoavelmente inútil quando sua função base é revelada pela primeira vez, seus usos vão ganhando complexidade e relevância na medida da progressão do segundo volume, mesmo que Hill acabe recorrendo a uma ou duas conveniências narrativas para forçar explicações, como o atraso de Tyler com as leituras da escola ou o desejo de Kinsey de mudar quem é. No entanto, com a arte de Gabriel Rodriguez representando brilhantemente as manifestações das mentes dos personagens, por vezes retratando toda uma vida a partir das percepções distorcidas de suas memórias em intrincados painéis únicos que são de cair o queixo, podemos facilmente relevar os atalhos tomados pelo roteirista.
Falando em Rodriguez, vale destacar também como trabalha os flashbacks de maneira cinematográfica, não só fazendo o usual, como dedicar páginas sequenciais a eventos passados, como também fundindo as linhas temporais por meio de narração e justaposição de imagens. É um trabalho maduro, bem estruturado e que enriquece sobremaneira a história sendo contada por Hill.
Jogos Mentais é mais um excelente capítulo na saga de horror que Joe Hill cuidadosamente constrói. E algo me diz que ele ainda nem arranhou a superfície do potencial de seu banquete narrativo.
Locke & Key – Vol. 2: Jogos Mentais (Locke & Key – Vol. 2: Head Games, EUA – 2009)
Contendo: Locke & Key: Head Games #1 a 6
Roteiro: Joe Hill
Arte: Gabriel Rodriguez
Cores: Jay Fotos
Letras: Robbie Robbins
Editoria: Chris Ryall, Justin Eisinger
Editora original: IDW Publishing
Data original de publicação: janeiro a julho de 2009
Editora no Brasil: Editora Geektopia (Novo Século)
Data de publicação no Brasil: fevereiro de 2020 (encadernado)
Páginas: 156