Em 2014, o ferry Sewol, que fazia o transporte de 476 pessoas, a maioria alunos de uma escola secundária, de Incheon até a ilha de Jeju, na Coréia do Sul, naufragou. Na verdade, ele adernou lentamente até, horas depois, afundar quase que completamente. Essa tragédia, como tantas outras que, como brasileiros, testemunhamos em nosso dia-a-dia em menor ou maior proporção, poderia ter sido evitada. Não necessariamente o naufrágio em si, mas sim a perda de vidas, já que somente 164 pessoas foram resgatadas.
In the Absence é um documentário em curta metragem dirigido por Yi Seung-jun que perfeitamente documenta o acidente e a mais absoluta incompetência das autoridades em fazer alguma coisa – qualquer coisa! – de útil para as vítimas, apenas uma das infindáveis atrocidades da presidência de Park Geun-hye, que foi alvo de um bem-sucedido processo de impeachment entre 2016 e 2017. Quando digo perfeitamente, quero dizer exatamente isso: em apenas 28 minutos, o cineasta, fazendo apenas uso de imagens e gravações da tragédia e da investigação parlamentar, além de depoimentos de sobreviventes, mergulhadores e parentes das vítimas, conta a história e suas consequências detalhadamente em uma narrativa forte, assustadora e emocionante.
O cineasta não tenta florear sua obra e cria um documento didático no melhor sentido possível, sem recorrer a explicações cansativas, mas, ao mesmo tempo, indo a fundo nos detalhes do ocorrido, com imagens e áudios realmente destruidores. Com muito material ao seu dispor em razão dos anos decorridos e das investigações que se seguiram, Yi Seung-jun foi capaz de brilhantemente parear as imagens do naufrágio em si com o áudio do que estava ocorrendo no mesmo momento no gabinete da presidente, revelando a inacreditável “bateção de cabeça” das autoridades que se mostram muito mais preocupadas em ter câmeras apontadas para o navio do que efetivamente resgatar alguém.
É exasperante assistir In the Absence, especialmente quando transpomos esse tipo de absurdo completamente evitável para situações que acontecem todos os dias no Brasil há décadas. Se imaginamos que esse tipo de coisa só pode acontecer aqui e outros países subdesenvolvidos, chega a ser uma surpresa completa o nível de incompetência demonstrado no documentário, além da gigantesca covardia do capitão do navio que, assim o do Costa Concordia, na Itália, em 2012, foi o primeiro a abandonar o navio.
Mas o que realmente impressiona é o timing do cineasta em mostrar exatamente o que é necessário para tornar In the Absence uma obra que faz tudo o que um documentário dessa natureza deve fazer: apresentar o caso e abordar suas consequências. Claro que ele toma posicionamento sobre o ocorrido – e que outro posicionamento alguém em sã consciência poderia tomar -, mas até isso ocorre organicamente, a partir da mencionada sincronização de imagens e áudio e pelo uso de depoimentos duros e tristes, mas que não se alongam e vão diretamente ao ponto.
In the Absence é a magistral documentação de uma tragédia e, mais do que isso, uma sóbria, respeitosa e elegante homenagem audiovisual para as vítimas do naufrágio e seus parentes, além de uma condenação furiosa de um governo perdido. Sem dúvida alguma, uma aula de cinema documental que muitos documentaristas não conseguem repetir com muito mais tempo e orçamento.
In the Absence (Coréia do Sul, 2018)
Direção: Yi Seung-jun
Com:
Duração: 28 min.