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Crítica | Doctor Who: O Caso dos Dez Alienzinhos, de Stephen Cole

por Giba Hoffmann
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Equipe: 1º Doutor, Ben, Polly
Espaço: Orla distante do Império Terrestre
Tempo: ~2800

A variedade de empréstimos que Doctor Who efetuou de Agatha Christie ao longo de sua história certamente é bem reconhecida ao longo dos inúmeros tributos que a série prestou explicitamente à autora, das referências menores (da citação em Last of the Time Lords ao delicioso Mummy on The Orient Express) até o efetivo co-estrelato em The Unicorn and the Wasp. No relançamento da coleção especial de cinquenta anos da série, Ten Little Aliens é apresentado pelo autor Stephen Cole como um tributo que busca resgatar esse parentesco de maneira especial, aproveitando-se do formato literário para explorar um suspense whodunit focado em personagens ao melhor estilo da Rainha do Crime, só que “vitaminado” pelo escopo de uma ambientação espacial inventiva. O resultado, embora consiga trabalhar bem essa inspiração na direção de uma narrativa repleta de tensão e surpresas, não é bem o que as referências nominais do título e dos capítulos do livro podem prometer.

A narrativa se usa de uma estrutura bastante interessante, partindo do ponto de vista do grupo de fuzileiros espaciais que protagoniza o suspense, nos ambientando com detalhes a respeito de sua situação atual, suas personalidades e características pessoais, sempre com o uso bem dosado do dispositivo do narrador não confiável. Excetuando um breve interlúdio inconsequente, nosso grupo da TARDIS, formado pelo 1º Doutor, Ben e Polly só vão efetivamente surgir na história uma vez que a armadilha engenhosa que constitui o mistério da vez se encontra em pleno funcionamento, adentrando o roteiro tal qual Poirot ou Marple fariam.

A inventiva cena do crime envolve um exercício de treinamento de uma tropa espacial de elite transformada em armadilha horrorífica. Presos em um asteroide que parece partir rumo à destruição certa, o grupo de fuzileiros liderados pela Marechal Haunt encontra uma exposição macabra de dez Schirr, conservados em um cubo de êxtase temporal no momento exato de sua morte violenta. Ao mesmo tempo em que tentam investigar o significado disso tudo, eles vão tendo que lidar com os eventos bizarros que ocorrem a cada vez que um dos Schirr desaparece do display, em um twist genial sobre a fórmula engenhosa e sempre revisitada de E Não Sobrou Nenhum.

No entanto, os paralelos próximos com os clássicos do suspense não vão muito além disso. Para mim, uma descrição mais precisa do que a apresentada pelo autor seria a de um choque frontal entre um mistério detetivesco de Agatha Christie e algo ambientado no universo de Tropas Estelares. Isso porque a construção de mundo realizada em torno do embate entre o vasto Império Terrestre e a facção terrorista dos Schirr acaba sendo tão pormenorizada que desloca o centro gravitacional da narrativa do suspense. E não para por aí: com cenários clautrofóbicos, uma boa pitada de body horror e alusões casuais de estupro, pode-se dizer que a trama não apresenta imediatamente o que se costuma associar a uma aventura do 1º Doutor!

Situado no período entre The Smugglers e The Tenth Planet, temos aqui um Doutor às vésperas de sua primeira regeneração, elemento que é explorado em algumas das passagens mais interessantes com o personagem ao longo da história. No entanto, a presença do Time Lord na trama por vezes parece tão escassa quanto nos próprios episódios dessa época, o que pode ser um fator de decepção para os fãs que se animaram com a perspectiva de ver mais desse incomum time da TARDIS em ação. Ben e Polly também são bem retratados, em especial dando destaque ao aspecto mais aventureiro e atrapalhado da dupla, ao invés do “bom mocismo” genérico que por vezes faz deles menos interessantes.

A construção do elenco de apoio da história também é, no geral, bem feita, embora a lida com uma dezena de personagens se dê de forma menos graciosa do que se poderia esperar. Alguns dos elementos da história recorrem a estereótipos que podem ser incômodos, não ficando muito clara a intenção do autor a respeito de ser algo intencional ou não. No conjunto, o desenvolvimento de personagens lança linhas promissoras, se apoiando em uma introdução alongada para entregar um terceiro ato intrigante. Em particular, gostei da forma como o time da TARDIS foi retratado, desde sua entrada na trama, que faz contrastar propositalmente a diferença brutal de tonalidade entre um sci-fi militarista sarcástico e as aventuras televisivas do eterno Doutor de William Hartnell.

Por outro lado, acaba sendo inegável a mistureba de ideias posta em curso, o que garante um toque especial para a construção de mundo e ambientação mas sabota um pouco a frente dos personagens. A prosa de Cole é inconstante, em especial nos momentos mais conectivos do enredo, que podem se tornar truncados e recorrer a despejadas desajeitadas de exposição.

Não que o elenco de personagens ou os elementos por trás do mistério não sejam interessantes. Pelo contrário, trata-se de uma coleção heterogênea de figuras e situações que constrói e subverte expectativas de forma a honrar as paráfrases à Rainha do Crime, ao menos nos pontos altos do livro. Os grandes destaques são, além da já citada Marechal Haunt, nosso ponto de vista inicial, Adam Shade, um desonrado fuzileiro terráqueo perseguido pelo remorso; e Mel “Frog” Narda, uma oficial que carrega cicatrizes permanentes de um incidente de infância, dedicando seu tempo a incitar a discórdia nem que seja contra ela mesma. Com os outros elementos da trama, a coisa não flui tão bem assim, e a prosa de Cole nunca chega a desenvolver essa frente com a mesma organicidade com que efetua sua construção de mundo. Embora tenha gostado bastante da leitura, em especial uma vez superada a densidade do ato inicial excessivamente expositivo, consigo entender que não se trata de uma escrita particularmente leve, o que pode ser um ponto contra para quem está em busca dos romances tipicamente mais leves da franquia.

Todo bom suspense tem que contar com um desfecho à altura, e nesse quesito a aventura não decepciona, embora agrade novamente em pontos inusitados. O aspecto do terror sci-fi e da construção dos desagradáveis Schirr e dos misteriosos seres de Morphiea (“spoiler negativo”: infelizmente eles não foram revelados como os cerebrinhos que governavam Morphoton em The Keys of Marinus, para o meu desapontamento) são o ponto mais forte e marcante da aventura, eclipsando o próprio suspense em si cujos pontos-chave acabam por vezes afogados entre a bizarrice do que se passa pelos corredores do asteróide. Um tipo de monstro que dá as caras, particularmente, me lembrou muito uma criatura que faria bastante sucesso anos depois da publicação do livro, na Nova Série de Doctor Who.

No balanço geral, Ten Little Aliens traz ideias interessantes articuladas de forma imperfeita, porém sem nunca deixar perder o senso de tensão e suspense. Por entre a já citada montanha-russa de tonalidade e variedade de ideias envolvidas na história, o autor encontra tempo até mesmo para duas breves sequências de narrativa experimental simples e eficientes. Além da construção de mundo sólida, o desfecho, em especial, empolga bastante com diversos momentos ótimos não apenas para o Doutor (que finalmente encontra a sua chance de brilhar), mas também para alguns dos personagens originais do livro. Entre esse resultado positivo e a excelente construção da ambientação, talvez a principal limitação da obra esteja ligada justamente à promessa de seu título em nos transportar para o espaço mental do suspense detetivesco, sendo que os pontos em que a história realmente brilha se encontram bem longe disso em termos de estilo e tonalidade.

Doctor Who: O Caso dos Dez Alienzinhos (Ten Little Aliens) Reino Unido. 03 de Junho de 2002.
Autor: Stepehn Cole
BBC Past Doctor Adventures #54
Publicação: BBC Books
280 Páginas.

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