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Crítica | Pra Frente, Brasil

por Leonardo Campos
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O período em que os brasileiros foram mergulhados na ditadura militar é uma memória macabra que apesar de ser vergonhosa para a história de uma nação, constantemente é explicitada como algo que deve voltar, em especial, por pessoas desinformadas, guiadas pela máquina de desorientação que a alienadora política partidária contemporânea brasileira tem reforçado. Estabelecido em 31 de março de 1964, o golpe militar já foi representado em diversas produções ficcionais do nosso ciclo de produção cinematográfico e televisivo. Terra em Transe, Cabra Marcado Para Morrer, Zuzu Angel, Hoje, Tatuagem, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, Pra Frente, Brasil, dentre outros, abordaram o período como ponto nevrálgico do desenvolvimento de suas histórias.

Violento e tenso, o filme de Roberto Farias, foco desta reflexão, coloca em destaque, tópicos como a tortura, a perseguição e a neurose que tomava conta das pessoas num cotidiano que dava a ideia de que estavam sendo constantemente perseguidas, inferno psicológico que a trama consegue expor ao longo de seus 105 minutos, também roteirizados por Farias, diretor-autor da produção, com texto escrito em colaboração assinada por Reginaldo Farias e Paulo Mendonça. Em seu clima de tensão e angústia, o filme traz em seu título, a canção composta para representar a festa dos brasileiros diante da Copa do Mundo de Futebol, em 1970, representação máxima da alienação das massas.

Pioneiro na análise dos impactos dos primeiros anos do regime totalitário, Pra Frente, Brasil retrata os combatentes da oposição sendo torturados por agentes da repressão. Neste panorama, temos Jofre Godoi (Reginaldo Faria), casado com Marta (Natália do Vale). Ele é irmão de Miguel (Antônio Fagundes), homem que namora uma guerrilheira de esquerda, Mariana (Elizabeth Savala). A crise começa quando certo dia, Jofre divide um táxi com militantes de esquerda e é confundido como um subversivo. Preso, o personagem é levado para tortura. O seu desaparecimento causa desconforto midiático, pois o grupo de amigos resolve expor as celeumas do regime e a apreensão de pessoas inocentes por conta da paranoia governamental, mas infelizmente, as lutas não ganham o eco necessário.

Os meios de comunicação estão mais focados na Copa do Mundo, tal como a população, desvirtuada dos problemas políticos por conta das estratégias de manutenção da ordem exercida pelos representantes governamentais. Com narrações constantes, o filme possui uma relação interessante com o rádio, meio de comunicação constantemente presente. Lançado em 1982, (depois relançado em 1983 em sua versão integral) mesmo ano em que o polêmico Costa-Gravas chocou o mundo com Missing, produção sobre as violações dos direitos humanos, ocorridas no regime ditatorial de Pinochet, no Chile, Pra Frente, Brasil, censurado e perseguido em sua veiculação para o público, abordou as inconsistências de um regime que sequer se compreendia internamente, usuário da força e do medo para conseguir se manter diante da população que temia represálias.

A sua denúncia pelo viés cinematográfico veio em paralelo ao processo de decadência do regime em questão, naufragado diante da falta de competência para administrar a economia, uma de suas promessas, além da perda de controle diante da hiperinflação e dos problemas oriundos da forte concentração de renda no Brasil, problema que ainda hoje nos assombra. Guiado pela condução musical de Egberto Gismonti, Pra Frente, Brasil é um exercício básico da linguagem cinematográfica, fruto de uma época de baixo orçamento e forte desejo de comentário social. As imagens da direção de fotografia de Dib Lutfi cumprem os requisitos, tal como a direção de arte de Tete Amarante, responsável por adornar o filme por objetos e adereços da década anterior.

Diante do exposto, a produção cumpre suas funções enquanto cinema e se estabelece como um dos filmes que nos permite estudar os efeitos do regime militar na história relativamente recente do país, um problema que tal como mencionado na abertura, recentemente foi reaberto como um modelo a ser retomado para colocar “os brasileiros em ordem”, absurdo que só pode se originar mesmo de pessoas pouco equilibradas emocionalmente e intelectualmente estéreis. Para desfecho: financiado por verba pública, o filme foi censurado, pois de acordo com os agentes, poderia incitar rebeliões e questionamentos ao regime. O resultado? Todos os questionamentos do protagonista acerca de seus direitos, questões como “pago meus impostos”, “onde estão os meus direitos”, “tenho emprego, filhos, família, documentos, ninguém tem o direito de fazer isso comigo”, dentre outros, foram tidos como problemáticos e ocasionaram a demissão de Celso Amorim da extinta EMBRAFILME.

Pra Frente, Brasil — (Brasil, 1982)
Direção: Roberto Farias
Roteiro: Roberto Farias
Elenco: Antônio Fagundes, Carlos Zara, Cláudio Marzo, Elizabeth Savalla, Expedito Barreira, Irma Álvarez, Natália do Valle, Neuza Amaral, Reginaldo Farias, Rogério Blum
Duração: 105 min.

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