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Crítica | Doctor Who: The Next Doctor

por Giba Hoffmann
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Vindo diretamente na sequência do cataclísmico Journey’s End, nosso Especial de Natal de 2008 representa a primeira instância onde a situação periclitante da vez não é preunciada pela “cena pós-créditos” do season finale que o antecede. Nada de Donna Noble vestida de noiva ou do Titanic invadindo a TARDIS — temos aqui uma aventura tecnicamente “avulsa”. Porém, se pensarmos um pouco melhor, veremos que essa impressão não se confirma muito bem.

Embora não tenhamos um vínculo cronológico direto, a verdade é que um forte elemento temático liga diretamente The Next Doctor com os eventos do episódio anterior. Contra o pano de fundo da mega reunião que marcou o clímax da temporada recém-encerrada, o Doutor se vê contemplando melancolicamente o papel de seus companions em sua jornada pelo tempo e espaço, ao mesmo tempo em que é levado a considerar a finitude de sua atual encarnação, tema que será central para o conjunto de Especiais que segue e que marca o fim das eras de Russel T. Davies como showrunner e de David Tennant como o 10º Doutor.

Iniciamos com um solitário Doutor desembarcando na Londres vitoriana, prestes a descobrir que chegou na véspera de Natal de um ano especialmente tranquilo. Ótimo, já que um bom feriado de final de ano não pede necessariamente ataques de símbolos natalinos letais ou chuva de cinzas Sycorax, certo? No entanto, algo sinistro se prepara pelos cantos misteriosos da cidade, pronto a emergir bem no dia festivo. Por sorte, alguém já está na cola do problema… o Doutor (David Morrisey), acompanhado de sua fiel companion, Rosita (Velile Tshabalala)!

Esse encontro entre o Doutor e uma possível (ainda que improvável) encarnação futura é mais uma daquelas premissas únicas que advém do conceito de regeneração, explorado de forma brilhante no que, com o benefício do ponto de vista atual, se mantem como o melhor momento possível para acontecer em termos de Série Nova. Embora a ideia obviamente pudesse funcionar com outras encarnações do Time Lord, o fato é que o egóico e vaidoso 10º Doutor é a figura perfeita tanto para encarar seu potencial sucessor (e justamente entregue a um momento de deprê total, diga-se de passagem) quanto para sustentar o tipo de auto-homenagem que o enredo presta ao personagem aqui, ressaltando seu sentido mais profundo de maneira crível e envolvente.

David Morrissey não desperdiça o momento, entregando uma atuação fantástica que diverte, comove e empolga. Sua química com Tennant é fortíssima do início ao fim, o que garante contornos ainda mais interessantes aos diálogos muito bem escritos de Davies. Como sempre, Tennant encarna os momentos mais dramalhescos e os vende com uma facilidade que autoriza o showrunner a explorar esse lado sem preocupar-se com o exagero. A emotividade tradicional desse Doutor serve muito bem tanto aos momentos cômicos quanto aos mais sóbrios (com a exceção de um momento em particular, do qual falaremos logo mais), e as reações do misterioso Doutor do futuro, muitas delas totalmente silenciosas, complementam o conjunto perfeitamente. Algumas das “piadas internas” são tão geniais quanto descaradas, incluindo aí a exploração comédica do Chameleon Arc visto em Human Nature Utopia. Um exemplo de fanservice finíssimo!

Antes de falarmos da ameaça dos Cybermen vitorianos como um todo, cabe uma pausa para tratar de um assunto de suma importância. Todas as vezes em que eu assisto esse episódio (que, por algum motivo, é um dos que acabei mais repetindo até hoje) eu me pego com a mesma dúvida: “Que diabos eram esses bichões-Cybermen mesmo? Será que eles explicam isso e eu esqueci?”. O motivo para isso é que eles meio que explicam, mas meio que não faz o menor sentido mesmo! Chamados oficialmente de Cybershades, essas criaturas hilárias estão presentes no primeiro encontro entre o Doutor e o “Próximo Doutor” — a melhor descrição que eu teria para seu visual seria uma cyber-conversão parcial do gorilão tosco que assombrava aquele jogo do programa do Sérgio Mallandro em que as crianças podiam escolher uma cabine para ganhar uma bicicleta, ou serem atacadas pela figura fantasiada e sair correndo chorando e em desespero. Alguém mais lembra disso?

Enfim, os Shades são o primeiro de dois elementos totalmente absurdos que são adicionados à mitologia Cyber ao longo dessa trama, e a explicação oficial é tão satisfatória quanto suas fantasias são convincentes: é dito que eles possuem “cérebros de cães e gatos” (e os corpos são de que, meu Menino Jesus?), e que são uma opção de batedores para a operação dos Cybermen que “evitam chamar muito a atenção”. Sério mesmo? Os caras conseguem ser ainda menos discretos do que aquele Cybermat-Anaconda que ataca a Sarah Jane em Revenge of the Cybermen! No final das contas eu continuo sem entender muito bem qual era a ideia por trás desses Shades — e rindo demais com a cena em que um deles inexplicavelmente é um cocheiro na carruagem que leva a Sra. Hartigan (Dervla Kirwan).

Falando na vilã, suas motivações e caracterização servem para enquadrar mais uma trama um tanto dark dando as caras em um especial natalino de Davies. O showrunner segue sua tradição de explorar ângulos particularmente pessimistas a respeito da natureza humana em meio ao contexto festivo, o que acaba sendo parte do charme desses episódios. Dona de um intelecto absolutamente fora dos padrões, Hartigan se alia aos Cybermen em busca de um programa pessoal de liberação que envolve desde a denúncia da hipocrisia do moralismo machista de sua época até uma caminhada destrutiva sobre Londes a bordo de um robô gigante construído via carvoaria movida a trabalho infantil forçado e potencialmente letal! Um bom exemplo de que não é legal apoiar um projeto até conhecer bem o plano por inteiro…

Equilibrando bem os elementos mais galhofeiros com as temáticas mais pesadas, trata-se de uma vilã marcante que explora os Cybermen sob um ângulo inovativo, fugindo do óbvio e aproveitando-se do período histórico da aventura para além dos visuais. O segundo elemento absurdo que dá as caras aqui, o citado robô gigante chamado Cyberking, vale principalmente pelo maneiríssimo visual, ainda que não faça muito sentido em termos da história. O Doutor explica se tratar de uma “nave de guerra” que possibilita a conversão em massa, mas nada do que acontece durante seu curto ataque às margens do Tâmisa passa muito bem essa noção. Em todo caso, um Cyberman gigante steampunk sempre teria meu apoio incondicional, mesmo que o episódio em que aparecesse não fosse de resto tão bom assim.

Porém, se a trama dos Cybermen embasa a origem do “Próximo Doutor” e constrói uma ameaça interessante para nosso trio de aventureiros combater, o verdadeiro coração desse especial se encontra mesmo na dinâmica interna dos personagens centrais. Gosto particularmente da cena em que o recém-revelado Jackson Lake se mostra enfurecido e completamente frustrado por não ser, afinal de contas, o herói que tinha se iludido a respeito. O Doutor responde com um misto sensacional de atenciosidade e maravilhamento, explicando que mesmo que sua identidade seja outra, tudo o que ele fez nesse período ao lado de Rosita foi mérito próprio. Esse momento também ecoa na cena de encerramento do episódio, quando declara que, se era para alguém assumir sua identidade por engano, estava grato por ter sido Lake. A única bola fora desse bela amizade acontece no momento em que Lake se dá conta de que sua esposa foi morta pelos Cybermen. No que deveria ser um breve momento de absoluta melancolia, os cilindros de informação começam a bipar, e o Doutor começa a se mover dançando pelo cenário com uma trilha sonora toda doidinha, completamente mal encaixada no momento…

Tirando essa mancada de lado, creio que a eficácia desses pequenos momentos melosos aponta para o sucesso da história em vender o heroísmo de Lake e Rosita como a contraparte otimista da Sra. Hartigan. Mesmo em condições adversas e em meio a tamanha tragédia que passou, o cara assumiu a identidade do Doutor, mostrando o potencial heroico dos humanos para além dos cantos mais podres da sociedade da época, e de quebra jogando o LARP de Doctor Who mais bem trabalhado da história. Minha única ressalva a respeito desse núclero todo é a de que eu acho que Lake deveria ter subido no balão junto com o Doutor. Poxa vida, depois de tanta hesitação e preparação a respeito de sua “TARDIS”, seria a despedida ideal para sua encarnação fajuta do Doutor, não é?

Curiosamente indo na direção oposta do que se passou com outros especiais de Natal da série, The Next Doctor foi um episódio cuja apreciação só aumentou para mim ao longo das revisitações. Justificando bem a duração mais alongada com uma narrativa cheia de elementos interessantes, o capítulo inaugurou muito bem o que acabaria sendo um inconstante último ano para o Doutor de David Tennant, explorando suas maiores forças na dinâmica com um elenco enxuto e de ótima qualidade. De quebra, temos aqui também a primeira aparição explícita dos nove doutores anteriores na Nova Série, um marco importante na unificação explícita da cronologia da franquia, após uma série de flertes mais tímidos. Uma ocasião bem escolhida para a homenagem, em mais um exemplo de fanservice. Big Finish, por favor, eu quero uma nova aparição do Prof. Lake para ontem!

Doctor Who: The Next Doctor (Reino Unido, 25 de Dezembro de 2008)
Direção: Andy Goddard
Roteiro: Russell T. Davies
Elenco: David Tennant, David Morrissey, Dervla Kirwan, Velile Tshabalala, Edmund Kente, Michael Bertenshaw, Jason Morell, Neil McDermott
Duração: 60 minutos

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