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Crítica | Música do Coração

por Leonardo Campos
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Na seara dos filmes sobre professores, narrativas sobre protagonistas heroicos que lutam contra um sistema corrupto e cheio de chagas culturais, o bem geralmente vence o mal e a paz é estabelecida, ao menos dentro da dinâmica interna do filme, seja ele Mentes Perigosas, Escola da Vida, Escritores da Liberdade, Música do Coração, dentre tantos outros. Das proximidades, este drama edificante lançado em 1999 é parecido com Mr. Holland – Adorável Professor, produção tão “inspiradora” que o nome do protagonista se tornou o de uma associação em defesa da arte, em especial, da música, no ambiente escolar.

Ao longo dos 124 minutos de Música do Coração, o cineasta Wes Craven dirige o roteiro de Pamela Gray, material dramático que narra a trajetória de Roberta Guaspari (Meryl Streep), mulher surpreendida pelo marido e seu pedido de divórcio, situação que a deixa desesperada diante da necessidade de se manter e de alimentar devidamente a sua família, agora com um membro a menos.  Guaspari é uma mulher com pouca experiência, pois seu marido da Marinha sempre mudava de local de trabalho e isso a impedia de ficar raízes mais profundas nos lugares que residia. Em sua jornada desafiadora, acompanhada ainda dos filhos pouco compreensivos, a protagonista vai em busca de sua emancipação, tendo em vista dar mais significado para a sua existência deprimida e angustiante após a separação matrimonial.

Ela consegue um trabalho com educação musical numa escola pública, espaço cênico que já se mostrou como uma potencial arena de conflitos em diversos dramas, alguns deles, citados no parágrafo introdutório desta reflexão. Algumas pessoas não aceitam a sua presença no local. Os conflitos com a diretora Janet Williams (Angela Basset) são constantes, pois apesar de parecer descrente, a gestora compreende que a realidade grita por outras “prioridades”.  Com alunos, em sua maioria, negros e latinos, a professora Roberta desenvolve o seu trabalho pacientemente, numa tentativa de reforçar para todos a necessidade da arte em suas respectivas vidas sofridas. Tal como a receita básica deste subgênero do drama, isto é, os filmes de professores, ela encontrará resistência inicial e depois será ovacionada, mantida nas lembranças das pessoas que a sua ação permitiu transformação social.

As coisas, entretanto, não são fáceis. Primeiro, o programa é sabotado por diversas pessoas. Depois, faz enorme sucesso, ela leva os estudantes para tocar em teatros privilegiados, mas tal como na história da educação mundial desde sempre, há cortes no setor e o primeiro espaço para ser reduzido é o da arte. Assim, Roberta e um grupo imenso de pessoas se junta para formular estratégias de arrecadação de fundos para a manutenção do projeto social tão importante para a vida dos pobre estudantes do Harlem, bem como (ou ainda mais) para a satisfação da professora Roberta, mulher que teve o casamento itinerante dissolvido e não consegue emplacar direito na relação amorosa com Brian (Aidan Quinn), impaciente diante das escolhas profissionais da educadora que não tem o tempo suficiente para namorar e cumprir outros requisitos de ordem social, tal como jantares, encontros, festas, etc.

Com enquadramentos e movimentos funcionais, sem grandes inspirações, o diretor de fotografia Peter Deming cumpre as suas funções de captador das imagens que foram editadas pela dupla formada por Gregg Featherman e Patrick Lussier. O design de produção cumpre bem o seu trabalho, com os tons amadeirados e a opacidade do ambiente escolar, um espaço de poucas esperanças e muitos problemas. Assinado por Bruce Allan Miller, o setor expõe para os espectadores uma casa simples, situada num bairro não privilegiado de Nova Iorque, conhecido por sua efervescência cultural, mas altos índices de violência urbana e descaso estatal. A direção de arte de Beth Kunn acerta nos detalhes, tal como a cenografia de George Titta Jr., cuidados nas mobílias, adereços e demais itens que representam a protagonista da trama.

Por fim, a direção de Wes Craven. Talentoso, o cineasta é conhecido basicamente como um mestre do terror. As suas incursões bem-sucedidas em Pânico e A Hora do Pesadelo são referências importantes na condução da história do cinema, mas poucas pessoas aceitaram as suas habilidades na direção de um drama, principalmente por ser uma narrativa com Meryl Streep em sua 12ª indicação ao Oscar de Melhor Atriz. Versátil, Wes Craven não peca em seu trabalho e mostra que poderia, sim, orquestrar outros gêneros cinematográficos, mas preferiu, ao longo de sua jornada, focar às atenções nos temas que eram de seu interesse, algo que poucos realizadores do sistema industrial podem se gabar de fazer.

Alguns dizem que Música do Coração é um filme burocrático, sem a assinatura de Wes Craven. Quando observado nas minúcias, conseguimos concluir que não é bem assim. A aura de feel good movie é excluída, para a imposição de um tom mais sério, o mais próximo do “menos lacrimejante possível”. Mesmo que seja uma rubrica veloz, sem a precisão de uma assinatura por extenso, a marca de Wes Craven está lá. Sem fantasmas, tampouco assassinos mascarados. O horror de Música do Coração é o descaso da sociedade com a educação, algo que às vezes é mais aterrorizante que as alegorias de Ghostface e Freddy Krueger.

Música do Coração (The Music Of The Heart/Estados Unidos, 1999)
Direção: Wes Craven
Roteiro: Pamela Gray
Elenco: Aidan Quinn, Angela Bassett, Cloris Leachman, Gloria Estefan, Jean Luke Figueroa, Meryl Streep
Duração: 104 min

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