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Entenda Melhor | Neorrealismo Italiano

por Luiz Santiago
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Luchino Visconti atribui a paternidade do termo a Mario Serandrei, que o havia empregado ao referir-se a Obsessão (1943), do qual fora montador: “Não sei como poderia definir esse tipo de cinema se não como o epíteto de ‘neo-realístico'”. Segundo outros autores, teria sido cunhado pelo crítico Umberto Barbaro, que o havia usado para resenhar o filme Cais das Sombras, de Marcel Carné, na revista Film, a 5 de junho de 1943. O nome, dessa forma, nascia dois anos antes do que o próprio fenômeno.

Mariarosaria Fabris, em O Neo-Realismo Cinematográfico Italiano, 1996.

Neorrealismo Italiano foi produto da 2ª Guerra Mundial. As enormes feridas desse evento geraram a necessidade de diversos artistas exprimirem o descontentamento, o pessimismo, o espírito desse mundo marcado por tantas perdas, tantos horrores, além de uma vitória amarga e sangrenta. Historicamente, porém, não é uma criação artística isolada. Já havia uma corrente neorrealista na literatura e outra na pintura, ambas flertando com temáticas populares, com ações do cotidiano, elementos mais crus e cruéis da realidade — crônicas amarguradas daquilo que as pessoas à margem da sociedade viviam. Quando chegou a vez de o cinema ter a sua versão neorrealista, digamos que o fruto temático e ideológico não caiu longe da árvore. Isso e o fato de haver uma necessidade de mostrar “a vida como realmente era“, não representá-la de forma idealizada — contraste feito em relação a uma grande fatia do próprio cinema italiano pré-guerra (embora já houvesse um pequeno movimento, desde o início dos anos 40, querendo mostrar cada vez mais os dissabores da realidade em vez do escapismo romântico e dos finais felizes à la Hollywood).

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Filmando Obsessão e Ladrões de Bicicleta.

Como a maioria dos movimentos, escolas ou estilos cinematográficos, não existem características absolutas aqui. A grande questão é que o debate, nesse caso, não é tão grande quanto em outros movimentos, pois o núcleo dos ingredientes centrais dos filmes neorrealistas é bem conhecido. Ele elencava tramas com pessoas da classe operária, vítimas de guerra, indivíduos à margem da sociedade, pobres ou miseráveis; enredos fatalistas sobre injustiça, luta de classes, desesperada busca por algum tipo de amor ou afeto; trabalho com atores não profissionais (mais uma sugestão do que uma regra); filmagens fora do estúdio e fotografia de tendência naturalista, quase sempre flertando com o documental (mais uma sugestão do que uma regra); críticas sociais das mais diversas, primeiro influenciados pela queda do fascismo na Itália — evento que fez o movimento germinar, na verdade — e depois, pelas consequências econômicas, sociais e psicológicas da guerra. E ainda vale destacar que o Realismo Poético Francês teve grande influência para o neorrealismo.

A forma como críticos ou estudiosos enxergam essas características (ou outras relacionáveis) é que vai trazer o grande debate sobre o encerramento deste movimento, seu maior “problema”. O início, por sua vez, é facilmente identificável. Aceita-se amplamente a nomeação de O Coração Manda (1942), Obsessão (1943), Cada Qual com Seu Destino (1943) e A Culpa dos Pais (1944) como precursores legítimos do neorrealismo, enquanto Roma, Cidade Aberta (1945) e Dias de Glória (1945) são indiscutivelmente recebidos como os seus filmes de estreia. O final, porém, gera debates. Uma parte dos críticos e estudiosos aceitam Umberto D. (1952) como o filme que melhor representa um “encerramento” para esta Era do cinema italiano, ainda que outros filmes daquele mesmo ano, como Europa ’51O Bandoleiro da Cova do LoboRoma às 11 Horas, A Máquina de Matar Pessoas Más, O CapoteDois Vinténs de Esperança também estejam na lista de “neorrealistas oficiais”, se é que existe isso. No bloco seguinte, abordarei de forma mais ampla os filmes que vão além deste ponto na linha do tempo do movimento.

pla no critico filme imagem neorrealismo roma cidade aberta

Roma, Cidade Aberta.

Nota: minha fonte principal para a estrutura dos conceitos deste Entenda Melhor foi o livro do qual cito um parágrafo logo no início do artigo: O Neo-Realismo Cinematográfico Italiano, escrito por Mariarosaria Fabris e publicado pela Edusp, em 1996.
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Filmografia

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Abaixo estão litados, nos dois primeiros parágrafos, os filmes entendidos como neorrealistas de fato. São filmes produzidos dentro do período  1945 – 1952 e trazem o espírito crítico, técnico e estético do movimento. No primeiro parágrafo eu dou destaque às obras principais desta fase, e no segundo, para as obras secundárias. Mais adiante, exploro melhor como se deu a extensão do neorrealismo segundo algumas leituras críticas e apresento uma relação dos chamados “herdeiros tardios” do neorrealismo nas décadas de 1960 e 1970.


Dias de Glória (1945), O Amor (1948), Arroz Amargo (1949), Francisco, Arauto de Deus (1950), O Bandido (1946), Il Sole Sorge Ancora (1946), Trágica Perseguição (1947), Angelina, a Deputada (1947), Delito (1947), Fora da Lei (1947), Viver em Paz (1947), Cuore (1948), Il Grido Della Terra (1949), Juventude Perdida (1948), Anni Difficili (1948), O Moinho do Pó (1949), Em Nome da Lei (1949), O Caminho da Esperança (1950), Páscoa de Sangue (1950), Janelas Fechadas (1951), A Rebelde (1951), Europa ’51 (1952), O Bandoleiro da Cova do Lobo (1952), Roma às 11 Horas (1952), A Máquina de Matar Pessoas Más (1952), O Capote (1952), Dois Vinténs de Esperança (1952).

Como comentei ao fim da primeira parte deste Entenda Melhor, o debate sobre o “fim” do neorrealismo não é exatamente pacífico. Primeiro, porque esse “espírito narrativo” nos roteiros é o reflexo da sociedade italiana e é óbvio que isso não desaparece da noite para o dia. O que normalmente se coloca como justificativa para “encerrar” o neorrealismo em 1952 é o fato de que os filmes mais ou menos dentro do mesmo estilo que viriam já no ano seguinte apresentariam preocupações distintas, inclusive na parte estética. Alguns críticos costumam apontar a decadência do neorrealismo a partir de 1952 e o final mesmo só no fim dessa mesma década. Das versões do debate que costumam a estender o movimento para além de 1952, esta é a que menos resistência encontra.

Já aqueles que defendem o neorrealismo também em obras dos anos 1960 e 70 são os que mais batem de frente com a módica versão de fim do movimento. Com os anos, porém, essa extensão foi sendo substituída pela palavra “herança“, o que particularmente acho bastante propícia. Abaixo, os considerados herdeiros tardios do movimento. Eu coloquei o “na Itália”, porque o estilo acabaria influenciando outras cinematografias ao redor do mundo, criando movimentos herdeiros e filmes herdeiros também fora da bota mediterrânea. Dito isto, vamos aos filmes.

Pão, Amor e Fantasia (1953), O Ouro de Nápoles (1954), O Medo (1954), Joana D’Arc de Rossellini (1954), Carrossel Napolitano (1954), Onde Está a Liberdade? (1954), Viagem à Itália (1954), Quando o Amor é Mentira (1955), O Signo de Vênus (1955), O Teto (1956), O Ferroviário (1956), Vence o Amor (1956), Pobres mas… Belas (1957), Os Eternos Desconhecidos (1958), De Crápula a Herói (1959), Renúncia de um Trapaceiro (1959), Pobres Milionários (1959), Era Noite em Roma (1960), Duas Mulheres (1960), A Noite do Massacre (1960), Bandidos em Orgosolo (1961), Accattone – Desajuste Social (1961), Divórcio à Italiana (1961), Aquele Que Sabe Viver (1962), Mamma Roma (1962), O Condenado de Altona (1962), Gli Anni Ruggenti (1962), Os Noivos (1963), As Mãos Sobre a Cidade (1963), Seduzida e Abandonada (1964), Antes da Revolução (1964), Comícios de Amor (1964), De Punhos Cerrados (1965), Confusões à la Italiana (1966), A Batalha de Argel (1966), A China Está Próxima (1967). O Porteiro da Noite (1974), Pasqualino Sete Belezas (1975), Pai Patrão (1977) e A Árvore dos Tamancos (1978).

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