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Crítica | Mãe e Filho (1997)

por Luiz Santiago
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Dentro da história do cinema russo (do período revolucionário à vanguarda pós-soviética, da qual Sokúrov faz parte), observamos um enraizado e peculiar uso do tempo, seja como base factual, tal qual na obra de Eisenstein ou como base teórica, estratégica e poética, tal qual nos filmes de Tarkóvski, que trabalham o tempo, suas mutações e as influências que os indivíduos sofrem nesse Universo. A partir daí, observamos como Aleksandr Sokúrov explora o tempo histórico ou da vida de uma maneira preciosa. Em seus filmes, o tempo funciona como linha rítmica e temática, gerando a trama e guiando o espectador. Na base do tempo, seus personagens obedecem a um ciclo e isto é o que vemos aplicado ao cenário  familiar dos longas Mãe e Filho (1997) e Pai e Filho (2003).

Aqui, o roteiro de Yuri Arabov acompanha os longos dias que se passam numa cidade do interior, num mundo propositalmente onírico onde nada acontece, local em que vemos uma mãe moribunda (Gudrun Geyer) e seu jovem filho (Aleksei Ananishnov) vivendo isoladamente. Na imagem, vemos a clara intenção do diretor em nos afastar ao máximo desses personagens, de abordar a sensibilidade de um “lugar impossível” onde o tempo e a visão das coisas não são aquelas que esperamos. Para isso, o cineasta e o fotógrafo Aleksei Fyodorov utilizaram lentes especiais, distorcendo as imagens através de espelhos colocados nas laterais da câmera. Em diversas cenas também notamos vidros pintados colocados na frente da lente, tudo para criar uma sociedade-bolha de aparência única, onde os poucos habitantes são esses dois personagens e onde quase nada há para ser feito. Isso porque existe algo já pré-definido para acontecer. A chegada da morte.

Para o filho e para o espectador, que não estão doentes ou não são o objeto da ceifa, a espera é torturante. Para a mãe, é mais um pouco de tempo para se preocupar com o filho; para realizar o desejo de passear (carregada) pela vila; para rememorar o passado e fazer carinho no filho. É no mundo psíquico que se encontra o tempo de Mãe e filho. Nele, o público mergulha em uma série de desconstruções sobre o propósito da vida, falando de coisas que perdem o valor, que não satisfazem e que se tornam supérfluas ante a iminência da morte. As imagens desse sonho-realidade muito se assemelham, em cor e textura, a uma pintura romântica (Caspar David Friedrich foi uma grande influência para a fotografia do filme), período das artes plásticas pelo qual o cineasta tem grande apreço e no qual se inspirou para a composição dos planos.

Mas o diretor não se vale apenas dessa composição ou da manipulação das cores através do contraste, da alteração dos principais tons da obra (cinza, amarelo, verde, sépia) ou de criações estilísticas para incrementar essas imagens e torná-las ainda mais sensíveis e fora da realidade (manchas, refração, névoa, opacidade, saturação). O diretor também mostra o abandono do local e usa o silêncio, o vazio de uma paisagem aparentemente inóspita para mostrar a luta de uma mulher entre a vida e a morte. Nisso, vemos a passagem do tempo acontecer e ressaltar o desespero e a resignação da dupla, sentimentos de forças diferentes para diferentes idades. Prestem atenção na passagem das estações do ano, nas reações emotivas do filho em relação à mãe, em suas mudanças fisionômicas (como o crescimento da barba) e seu amadurecimento como homem. Ao passo que a mãe convalesce, o filho cresce em corpo e espírito e a cada momento junto a ele, a velha fala de suas impressões sobre a vida e suas lembranças do passado. A memória é um elemento importantíssimo dentro da obra, e é a partir dela que será reconstruído o quadro do passado dos personagens e as mudanças pelas quais passaram ao longo dos anos.

Na casa, antes da morte, a mãe brinca com uma “Esperança” e em uma floresta, o filho sussurra seus segredos em um furo feito na árvore. A locomotiva e o navio que perpassavam o cenário, em Mãe e filho, são como os personagens: estão rodeados pela matéria natural e em constante movimentação, mesmo isso não pareça tão intenso no cotidiano dos protagonistas. Nem as criações alheias a este mundo onírico escapam da materialidade que tudo domina, como se esse mundo tentasse engolir tudo o que é normal, tudo o que indica uma saída do marasmo, da imobilidade, da existência sensível até demais que este Universo traz para as pessoas. Tudo é bonito, opressivo e dolorido ao mesmo tempo.

Em Mãe e Filho, Sokúrov aliena seus personagens até transformá-los em puro conceito. Ao final, vislumbramos a exibição máxima dessa integração entre indivíduo, espaço e matéria, a ponto de ser quase impossível divisar o jovem em pé, no meio da floresta. Aqui, mãe e filho não só transformam o espaço, como também são transformados por ele, a ponto de não terem de fato uma identidade, de serem apenas coisas do momento, partes de um conjunto maior da matéria natural, produtos reais de um sonho que só se acaba com a morte.

Mãe e Filho (Mat i syn) — Rússia, Alemanha, 1997
Direção: Aleksandr Sokúrov
Roteiro: Yuri Arabov
Elenco: Aleksei Ananishnov, Gudrun Geyer
Duração: 73 min.

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