- Há spoilers do episódio e da série. Leia, aqui, as críticas dos outros episódios e, aqui, de todo o Universo Cinematográfico Marvel.
Antes de mais nada: como é bom estar de volta escrevendo as críticas de Agents of S.H.I.E.L.D. aquela série do Universo Cinematográfico Marvel que muita gente gosta de ignorar ou de dizer que é uma porcaria, mas que um outro tanto de gente adora e que mais gente deveria dar uma chance. E, melhor do que isso, é saber que, junto com as críticas, voltam (espero!) as edificantes conversas com os magníficos leitores aqui do site.
Ah, mais um detalhe (que não é exatamente um detalhe): quem segue minhas críticas aqui no site sobre as séries da Marvel (incluindo as do Netflix) sabe que eu nunca dei bola para essa coisa de universo único, em que tudo tem que “conversar” com tudo. Sempre tratei Agents of S.H.I.E.L.D. como algo apenas “espiritualmente” dentro do UCM, mas sem esperar muito mais do que isso. Dessa forma, ainda que a ameaça de Thanos tenha sido referenciada ao final da 5ª temporada, a mais completa falta de menção ao “estalar de dedos” do Titã Louco em Guerra Infinita e as consequências para a Terra no começo da 6ª temporada em nada me incomodam. Aos puristas, sinto por vocês (porque realmente deve dar aflição e ser fonte de consternação, eu entendo), mas o que fica é uma breve linha de diálogo de Simmons (Elizabeth Henstridge) logo antes da cápsula criogênica de Fitz (Iain De Caestecker) ser encontrada: “queria que não tivéssemos bagunçado a linha temporal”. Para mim, que nem esperava por isso, a noção de que essa pode ser uma linha temporal alternativa (se for realmente isso!) é mais do que suficiente.
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Quem acompanha Agents of S.H.I.E.L.D. já se acostumou a sofrer a cada vez que uma temporada chega próximo do fim. Desde seu nascimento, a série “patinho feio” do mundo dos super-heróis teve enormes dificuldades para firmar-se na televisão e foi só mesmo a insistência da Disney, controladora tanto da ABC quanto da Marvel, que manteve a série no ar. Depois da 5ª temporada, que trouxe um efetivo fim a diversos arcos narrativos, inclusive e especialmente ao de Phil Coulson (Clark Gregg), a renovação era algo que até os mais esperançosos duvidavam, mas ela veio na forma não de uma, mas sim de duas temporadas de uma vez só. Tudo bem que cada uma com “apenas” 13 episódios, mas menos é mais no que se refere a séries, pelo que a notícia foi duplamente alvissareira.
Portanto, é a primeira vez desde literalmente meados de 2014, que os espectadores podem relaxar e aproveitar a temporada sem medo de um cancelamento repentino, até porque a aprovação de duas meia-temporadas permite que todas as pontas sejam cirurgicamente amarradas. Em outras palavras, não há desculpas para Jed Whedon, Maurissa Tancharoen e Jeffrey Bell pisarem na bola. E, convenhamos, se eles nunca realmente pisaram nela, não há razão para esperar que isso ocorra agora.
E, considerando o que Missing Pieces traz, parece que a bola será mesmo bem tratada pelos showrunners. Para uma série que tinha o orçamento que tinha ter abordado pioneiramente no UCM viagem no tempo, linhas temporais divergentes, destruição da Terra e sacrifícios heroicos, o episódio inaugural pega tudo o que veio antes e estabelece um novo e ainda mais ambicioso começo, com CGI da mais alta categoria para um produto da TV aberta em mais um efeito benéfico do corte no número de episódios. Mas esse recomeço é respeitoso ao legado de AoS, já que estabelece um novo status quo que é decorrência lógica do carinhoso e completo desenvolvimento de seus personagens ao longo de todos esses anos.
Depois de um breve prelúdio que cria mistério sobre o destino de Fitz no espaço, vem uma elipse temporal que impulsiona a série um ano no futuro em que vemos Alphonso “Mack” MacKenzie (Henry Simmons) já consolidado como Diretor da S.H.I.E.L.D., mas mantendo-se incansável em sua missão de calçar os sapatos de Coulson da melhor forma possível, o que o levou até mesmo a afastar-se de Elena “Yo-Yo” Rodriguez (Natalia Cordova-Buckley) que, por sua vez, agora namora secretamente um novo agente. Melinda May (Ming-Na Wen), claramente mais “melosa” agora que perdeu Coulson, continua sendo o braço forte da equipe na Terra e tem não só a missão de manter Mack confiante, mas também de recrutar “músculos” e “cérebros” para compor a nova S.H.I.E.L.D.
No espaço, Daisy Johnson (Chloe Bennet) encarnou de vez sua persona de Tremor e construiu, ao longo desse ano, uma reputação invejável de “Destruidora de Mundos”, agora com o que parece ser o controle absoluto sobre seu poder. Simmons, por sua vez, demonstra-se obcecada e capaz de qualquer coisa para encontrar Fitz, inclusive de enganar seus amigos – não só Tremor, mas também os eternos coadjuvantes Piper (Briana Venskus) e Davis (Maximilian Osinski) -, todos loucos para voltar para casa quando dão de cara com um beco sem saída na investigação intergalática atrás do membro (não mais) congelado da equipe.
Todo o elenco principal está impecável em suas caracterizações, carregando o peso de todas as suas experiências e perdas passadas em olhares, gestos e em sua mais do que perfeita química de relacionamento. Se talvez o roteiro tenha dado relativamente pouco destaque a Yo-Yo, isso é compensado por uma atriz compenetrada e perfeitamente no controle de sua persona das telinhas. Chloe Bennet, que começou muito mal na série não só como seu personagem genérico, mas também com sua atuação bem limitada, para usar um eufemismo, é literalmente uma outra pessoa, provavelmente a atriz que mais desenvolveu-se em termos dramáticos até agora.
Com isso, o episódio muito eficientemente – ainda que apressadamente demais – estabelece o tabuleiro do jogo que será jogado em aparentemente duas frentes bem diferentes, com uma busca muito interessante no espaço profundo e um mistério na Terra, com “anomalias espaço-temporais” (ou seja lá o que for aquilo) trazendo visitantes do que eu chutaria ser um futuro distópico à la Mad Max e que conta com um doppelgänger de ninguém menos do que Phil Coulson. Confesso que a chegada desse novo personagem parece ser um truque sujo para manter o ator no elenco sem que seja necessário recorrer a uma segunda ressurreição, mas, por outro lado, Clark Gregg é um sujeito irresistível, pelo que estou plenamente disposto a dar uma chance (ou duas, possivelmente três) para essa história desenvolver-se em mais detalhes e justificar esse golpe baixo.
Falando em Gregg, é dele a direção do episódio (seu segundo trabalho na série, depois de Fun & Games) e o ator demonstra uma aptidão enorme para ocupar essa cadeira mais vezes. A decupagem das sequências espaciais só de CGI, como as manobras evasivas do Zephyr fugindo do destroyer da Confederação, é de se tirar o chapéu, com planos sequência que extraem o melhor que uma série desse naipe pode oferecer. Mas Gregg também é muito eficiente em lidar com o drama de cada personagem, usando uma câmera que impiedosa nos closes dos atores, que acaba resultando em um episódio que sabe equilibrar ação com momentos mais contemplativos que preparam o terreno para o que está por vir.
Missing Pieces é um mais do que promissor início de temporada para Agents of S.H.I.E.L.D. O tabuleiro foi rearrumado e as peças organizadas para uma jornada que parece reunir o melhor que a série tem para oferecer. Agora é só sentar, relaxar e esperar o jogo começar de verdade!
Agents of S.H.I.E.L.D. – 6X01: Missing Pieces (EUA, 10 de maio de 2019)
Showrunner: Jed Whedon, Maurissa Tancharoen, Jeffrey Bell
Direção: Clark Gregg
Roteiro: Jed Whedon, Maurissa Tancharoen
Elenco: Clark Gregg, Chloe Bennet, Ming-Na Wen, Iain De Caestecker, Elizabeth Henstridge, Henry Simmons, Natalia Cordova-Buckley, Jeff Ward, Karolina Wydra, Christopher James Baker, Barry Shabaka Henley, Maximilian Osinski, Briana Venskus, Joel Stoffer
Duração: 43 min.