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Crítica | Terra à Deriva (2019)

por Luiz Santiago
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Para um cinéfilo, é sempre muito interessante estar diante de um marco de qualquer cinematografia. E Terra à Deriva (2019) é um desses marcos. Primeiro blockbuster de ficção científica chinês, o longa foi filmado entre maio e setembro de 2017, tendo passado todo o ano de 2018 em uma cansativa pós-produção. Baseado no conto do premiado Cixin Liu, o roteiro, escrito a 10 mãos (o que explica grande parte da bagunça em seu desenvolvimento), se passa no futuro da Terra, onde o Sol começou o seu inevitável processo de envelhecimento e, no processo de se tornar uma Gigante Vermelha, está definitivamente ameaçando a vida no planta.

A base de “desastre espacial” que marca o longa não é nova no cinema, mas algumas escolhas do texto e a maneira como a obra foi produzida dá um caráter todo especial a este Terra à Deriva. Na trama, os países do mundo se unem e consolidam um “governo da Terra Unida” — espécie de Nações Unidas que realmente parece funcionar –, concebendo um projeto de propulsão da Terra pelo Sistema Solar até o Sistema Alpha Centauri (nota para os inconformados: consta, no original, que a construção de naves foi levantada pelos EUA e três grandes problemas apareceram: só os mais ricos do mundo seriam salvos; as naves não carregaram a biosfera da Terra e o valor + recursos para se manter no Espaço até o destino final seriam imensamente altos). Toda a parafernalha técnica e as explicações científicas (ou longe disso) são dadas de maneira ampla no começo e completadas por informações adicionais aos planos que surgem a cada vinte minutos. E então chegamos ao principal problema do filme: a dificuldade de manter um foco narrativo.

De início temos contato com uma base familiar sólida, já acenando para um sacrifício futuro. A trilha sonora reafirma essa sensação e traz o mesmo padrão para o restante da fita, flertando com alguns motivos americanos do gênero. O que a gente não sabe é que esse núcleo familiar será fortemente instigado pelo roteiro, criando os muitos pontos emotivos da obra, alguns muito bons e outros que são um absurdo e risível apelo à suspensão máxima da descrença (vide a cenas dos irmãos caindo, no final). Um elo próximo a esse núcleo já aparece com o tom emergencial esperado, primeiro ligado à rebeldia de Liu Qi (Chuxiao Qu, em atuação fraca para a exigência dramática de seu personagem) e depois expandido para todo mundo que esteja tentando sobreviver às tragédias que acometem a Terra.

Embora novato atrás das câmeras (este é apenas o seu terceiro filme) Frant Gwo consegue disfarçar essa profusão de ideias em boa parte do tempo, tentando equilibrar desavenças familiares com missões e mais uma série de outras tarefas que confundem o espectador a longo prazo. Chega a irritar o fato de ver personagens engajados um longo espaço de tempo na realização de uma ideia X e, de repente, todo esse esforço ser abandonado e então um plano B, C e D são trazidos à tona, com novos esforços, tropeços, suspense, gritos e muitos efeitos especiais (alguns muito bons, outros muito ruins) na tela. Essa falta de foco na construção do drama parece não afetar uma única camada do filme, que é o arco do pai, interpretado por Jing Wu, a quem este filme deve sua existência.

Sendo o nome mais forte do elenco, Wu foi convencido a participar da obra em apenas algumas cenas, mas o diretor estendeu sua presença por diversas outras, aumentando o seu tempo nos sets e estourando o orçamento do filme. Uma conversa entre cineasta e ator terminou com Wu aceitando trabalhar o restante de sua jornada no filme de graça e ele acabou gostando tanto do projeto que investiu dinheiro do próprio bolso em certo momento das filmagens. O fruto disso dentro da obra é que o arco do pai acabou sendo o mais sólido em termos de foco, e mais sóbrio na maneira como relaciona as emoções, o propósito interno (ou seja, a missão do personagem) e sua ligação externa (tentando dar alguma chance de sobrevivência à Terra).

A edição e mixagem de som, para mim, são os melhores produtos técnicos de todo o filme. Mas é claro que existem composições lindíssimas da fotografia, especialmente nos momentos em que a Terra se aproxima de Júpiter e nos takes do planeta à deriva, fora de sua órbita original. Também vale destaque para a construção de sets em dois lugares específicos: dentro dos transportes na Terra e dentro da Estação Espacial. Gosto muito dos detalhes, das cores e da maneira como Gwo filmou nesses ambientes internos, trabalhando bem pequenos e grandes grupos de atores, especialmente na parte final da película.

O clímax, apesar de uma cena específica que não dá para engolir de jeito nenhum (os dois irmãos caindo), me pareceu bastante interessante e a fita se conclui com uma mensagem feel good que esperávamos que viesse, mas com uma pontada de amargura e abertura para novos perigos que, convenhamos, não é impossível que sejam usados para uma continuação. Com a animação do mercado chinês para a recepção do público diante da fita, tudo é possível. A gigante vermelha asiática, enfim, entrou no jogo dos blockbusters sci-fi. Segurem-se todos!

Terra à Deriva (Liu lang di qiu) — China, 2019
Direção: Frant Gwo
Roteiro: Gong Geer, Junce Ye, Yan Dongxu, Frant Gwo, Yang Zhixue (baseado na obra de Cixin Liu)
Elenco: Jing Wu, Chuxiao Qu, Guangjie Li, Man-Tat Ng, Jin Mai Jaho, Mike Kai Sui, Hongchen Li, Jingjing Qu, Yichi Zhang, Haoyu Yang, Zhigang Jiang, Huan Zhang, Jiayin Lei, Arkadiy Sharogradskiy, Hao Ning
Duração: 125 min.

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