Home Diversos Crítica | Diabolik #1: O Rei do Terror (Original + Remake)

Crítica | Diabolik #1: O Rei do Terror (Original + Remake)

por Luiz Santiago
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Criado em 1962 pelas irmãs milanesas Angela e Luciana Giussani, Diabolik tem uma origem curiosa, com duas bifurcações. A primeira conta que Angela, ao tomar constantemente o trem na estação Milano Cadorna, observava com atenção os hábitos de leitura dos passageiros e, ao ver certo incômodo de alguns portando livros de tamanho grande, imaginou investir na criação de uma publicação em quadrinhos com um formato que coubesse na bolsa (o tamanho de 12 x 17 cm seria o atraente e, na época, inovador “formato de bolso” da editora que Angela fundou para publicar Diabolik: a Astorina). A segunda versão conta que Angela encontrou um volume perdido de Fantômas e foi daí que tirou a ideia de criar algo no gênero suspense, em formato pequeno, para distrair os passareiros ao longo de suas viagens. Uma pesquisa de mercado confirmou essa decisão e ela então mergulhou no giallo.

Seja como for, a Editora Astorina (fundada na sede da Astoria, editora do esposo de Angela, Gino Sansoni) era um empreendimento diferente em muitas coisas. Primeiro, porque tinha duas mulheres empresárias em sua condução. Depois, porque as irmãs Giussani criaram um personagem completamente fora do que, na época, se esperava de uma “editora de mulheres“: um anti-herói, gênio do crime, mestre em disfarces, fugas e artes marciais, especialista em armas de fogo, mecânica, química e eletrônica, além de diversos outros atributos psicológicos, físicos e de conhecimento nas mais diversas áreas da humanidade, algo que ano após ano foram aparecendo nas tramas do personagem, hoje (maio de 2019) com 867 volumes originais publicados, todos eles entre 116 e 126 páginas.

A forma de catalogar as histórias de Diabolik merece uma nota especial. As edições O Rei do Terror (#1) até O Assassino de 1000 Faces (#24) foram publicadas entre 1962 e 1964 e formam a 1ª Série do personagem. As edições A Mina de Diamantes (#25) até Cadeia de Crimes (#50) foram publicadas em 1965 e formam a 2ª Série. A partir de 1966, as edições passaram a ser nomeadas por ano de existência do personagem + a sua ordem de publicação naquele ano. Assim, a 51ª aventura de Diabolik, A Casa do Medo, publicada em janeiro de 1966, foi catalogada como Ano V – Nº1. A partir de então, o renovo da numeração ocorre todo início de ano. Outra nota importante em relação à concepção das histórias é que a criação do personagem é de autoria das irmãs Giussani, mas a escrita do roteiro, até a A Mulher Decapitada (#14) estava majoritariamente nas mãos de Angela, com Luciana criando os argumentos. A partir desse ponto, as duas trabalhariam juntas, tanto no argumento, quanto nos roteiros.

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E então chegamos à primeira história: O Rei do Terror. No castelo da família Semily, uma recepção é realizada pela Marquesa Eleonora. Nesta cena inicial da primeiríssima história de Diabolik, temos uma rápida e eficiente criação de uma atmosfera de horror, suspense e assassinato, elementos que fincam os pés da série, já em seu início, nas boas regras do giallo. Os participantes da tal recepção da Marquesa falam rapidamente sobre o Diabolik, o “bandido que fugiu há pouco tempo da prisão e é perseguido pelo Inspetor Ginko“, numa conversa interrompida pela Marquesa, que acha esse assunto muito desagradável. O roteiro de Angela Giussani não demora para criar um ambiente de suspeitos e bons motivos para um assassinato, porém, nada do que o leitor imagina, nessas primeiras páginas, estará perto daquilo que a autora nos prepara como revelação, ao fim da trama.

Pela maneira como Diabolik é retratado já em sua estreia, não é nada espantoso que as irmãs Giussani tenham recebido diversas críticas por sua empreitada. Elas foram acusadas de “glamorizar o crime” e “incitar a corrupção“. Seu personagem recebe aqui todo o tratamento de grande estrategista, realizando crimes e saindo impune, largando o competente Inspetor Ginko em dúvida e caindo em pistas falsas. O que a gente não pode deixar de citar é o grande (e risível) furo de roteiro, quando o Sr. Stefano Garian, pai de Gustavo (acusado de ter matado sua avó, a Marquesa), forja a morte do filho, aproveitando-se de um corpo desfigurado e encontrado num rio. Ora, se era necessária a assinatura de Gustavo para a passagem da herança dos Garians às mãos do verdadeiro assassino, não faz sentido a morte dele ter sido forjada neste ponto da história, certo? O disfarce até serve ao seu propósito num primeiro momento, mas depois acaba entrando em contradição com o que vem depois na história.

Para esta primeira edição foi originalmente contratado o desenhista Angelo Zarcone, cuja arte, desde o início, desagradou muito a Angela Giussani e eu concordo com ela. Como o formato das histórias de Diabolik é de poucos e grandes quadros por página, é exigido do artista uma percepção bem mais rigorosa do espaço e formas inteligentes de compor cada plano narrativo, algo que não vemos na arte de Zarcone, especialmente no que diz respeito à composição e às expressões faciais, quase todas horríveis. Quando a reimpressão desse número um foi realizada, em 1964, Giussani fez questão de contratar um outro artista, Luigi Marchesi (que voltaria outras vezes a ilustrar a série), para redesenhar a edição inteira. Esta é a versão que acabou sendo “oficial” para as reimpressões de Diabolik a partir daí.

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Acima: as três primeiras páginas da versão original (1962), desenhadas por Zarcone. Abaixo: as mesmas páginas redesenhadas por Marchesi (1964), a pedido de Angela.

Embora seja muitíssimo melhor que a arte de Zarcone, Marchesi também não consegue trabalhar muito bem com composições de quadros grandes, algo que vai tornando a leitura da revista meio maçante, especialmente no miolo da revista. No final, quando a ação se torna mais forte e a resolução do caso se aproxima, o leitor está mais disposto a pegar leve com a arte, já que a atenção está direcionada a outro aspecto da leitura. Aqui ainda não temos criada a fictícia cidade de Clerville, mas encontramos uma outra localidade fictícia, a cidade de Mart. Já no meio da edição, encontramos uma boa parte da trama ambientada em Marselha, local onde as coisas, de certa forma, começam a se resolver.

O fim da trama vem aos borbotões, com inúmeras revelações colocadas sem um bom ritmo e com algumas pontas soltas, infelizmente. Há um grande cinismo por parte do roteiro (claramente delineando a personalidade de Diabolik) ao terminar a historia do jeito que termina, o que não é um real problema em si, mas os passos imediatamente anteriores à chegada de Gustavo, Diabolik e uma certa enfermeira à estação de trem poderiam ser melhor arquitetados. No conjunto da obra, temos uma boa história que, apesar dos tropeços, já prenunciava a grandeza que esse personagem teria nos fumetti. Uma edição histórica e que certamente merece ser lida.

O Rei do Terror (Il Re Del Terrore) — Itália, 1º de novembro de 1962
Catalogação: Diabolik #1 | Ano 1 (Primeira Série)
Editora original: Astorina
Roteiro: Luciana Giussani, Angela Giussani
Arte original: Angelo Zarcone
Arte da reimpressão de 1964 (aqui colorida): Luigi Marchesi
Capa: Brenno Fiumali
Contracapa: Remo Berselli
116 páginas

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O Rei do Terror: Remake

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Coube a Alfredo Castelli (criador do ótimo Martin Mystère, para a Sergio Bonelli Editore) a difícil tarefa de retrabalhar o roteiro de Angela Giussani para a primeira história de Diabolik, O Rei do Terror. Publicado na linha de comemorações dos 40 anos do título (e posteriormente republicada na série Il Grande Diabolik, edição #9) este remake começa a termina com cenas que sequer existem no original, e é muito importante destacar isso desde cedo, para que possamos ver a dimensão do trabalho de Castelli e as novidades necessárias que ele nos traz. A conversa entre Gustavo Garian e o Inspetor Ginko que abre a leitura, termina por nos trazer a conclusão, muitos anos depois, de um roubo que não saiu do jeito que Diabolik queria. Um desafio que o marcou logo no início da “carreira” e que agora, mais hábil e experiente, completa com louvor e astúcia.

De imediato somos brindados pela arte de Giuseppe Palumbo, cuja diagramação foge do modelo original (aqui, condizente com o ritmo exigido pelo momento dramático da história), explorando em diversos tamanhos de quadros o espaço percorrido pelos personagens. Todo o contexto de cenas é muito bem feito, assim como a caracterização e a dinâmica de ação em cada bloco, coisas que não estão o tempo inteiro bem representadas na arte de Luigi Marchesi (segunda versão artística da obra original) e muito menos na de Angelo Zarcone, o artista original dessa história.

A formulação de bons contextos — algo que me incomodou demais (pela ausência) na versão de 1962 — aparece aqui de maneira muitíssimo bem pensada por Castelli, ao menos na forma como constrói a ação criminosa e todo o papel de Diabolik no desenvolvimento da saga. Mas o autor infelizmente exagera nesse aspecto, tornando as justificativas e explicações muito didáticas em certo ponto da obra, especialmente no caso de Ginko, personagem que mais “sofre” com a verborragia à medida que avança na investigação do crime. Isso, porém, acaba não tendo um peso tão grande, porque a história como um todo é envolvente e cada bloco tem a sua forma de ampliar as informações do original, como a revelação do que aconteceu antes de O Rei do Terror, para que Ginko conseguisse prender Diabolik; ou a maneira com que o Inspetor descobre o truque das máscaras perfeitas do ladrão e a questão dos sete punhais cheios de pedras preciosas, objeto que Diabolik procura roubar aqui — e que é diferente do original, onde o golpe era para uma grande herança em dinheiro.

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Tanto o cinismo do protagonista quanto o seu sangue frio também são percebidos de maneira mais intensa aqui, tornando a convivência de todo o primeiro ato, com as pessoas na mansão da Marquesa, mais angustiante. A oportunidade de ver esses personagens demonstrando sentimentos, dialogando, falando de suas ideias sobre crimes e sobre suspeitos de uma forma mais madura, com um texto típico de “nosso tempo“, ajuda-nos a ter uma conexão humana ainda maior com eles, o que torna a atitude de Diabolik para com esta família ainda mais macabra e infame. Exceto pelo didatismo e verborragia no miolo da narrativa, este remake é uma excelente forma de aprimorar uma obra clássica tão importante como O Rei do Terror, mantendo em tudo a sua essência e dando-lhe mais força e coerência onde era preciso. Um baita trabalho de Alfredo Castelli e Giuseppe Palumbo, com base na eterna criação das irmãs Giussani.

O Rei do Terror: O Remake (Il Re Del Terrore: Il remake) — Itália, outubro de 2001
Editora original: Astorina
Roteiro: Alfredo Castelli (baseado no texto original de Luciana Giussani e Angela Giussani)
Arte: Giuseppe Palumbo
150 páginas

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