Conhecidos pela sigla VFX, os efeitos visuais não se aplicam apenas ao cinema, televisão ou videoclipes, o que permite englobar qualquer produção audiovisual que possa arcar com os seus custos. Alguns podem arruinar uma cena, dando-lhe tons de artificialidade inadequados, tal como na aventura Do Fundo do Mar, um filme de tubarão bem acima da média, assim como tem a possibilidade, conforme a ludicidade do musical Moulin Rouge – Amor em Vermelho, reforçar as questões de estilo oriundas de uma produção focada na mescla de estilos distintos e discrepantes da história da arte, uma mixagem que define o que conhecemos por linguagem cinematográfica pós-moderna, isto é, o estabelecimento de formas visuais oriundas das experimentações modernas próprias do agitado século XX.
Há, inclusive, uma escala de valores no campo do audiovisual que reforça, muitas vezes, a desqualificação dos produtos que utilizam os efeitos visuais como parte integrante da composição visual narrativa. Em alguns casos, sabemos, o excesso de efeitos tende a criar uma antipatia por parte do espectador mais exigente no que tange aos elementos dramáticos, parte da “essência” da ficção audiovisual, integradora do teatro e da literatura, o que geralmente pede personagens, conflitos e histórias edificantes, de “alguma” complexidade, isto é, conteúdo que a torne algo além de explosões, correrias e cenas de ação descerebradas, tais como a maioria dos filmes da franquia Velozes e Furiosos, do quarto filme da série Duro de Matar, apenas dois exemplos de um amplo panorama de narrativas visualmente histéricas e dramaturgicamente estéreis.
Os “efeitos” de Avatar, King Kong (2005), Deuses do Egito e Moulin Rouge – Amor em Vermelho
Por conta dessa cultura de excessos na indústria audiovisual, muitas pessoas desvalorizam os efeitos visuais. Não os consideram importantes, mas há também algo importante a ser ressaltado por detrás dessa resistência. Quando o cinema ainda não havia se estabelecido enquanto linguagem artística, os críticos da época o taxaram de vulgar, menor, tal como tudo que é novo e causa estranhamento. Logo mais, décadas depois, críticos e público ovacionam os filmes de Alfred Hitchcock, Federico Fellini, Stanley Kubrick, Orson Welles, dentre outros cineastas considerados realizadores de obras-primas. Vai entender, não é mesmo?
Diante do exposto, sabemos que há bastante preconceito com os efeitos visuais, tratados por muitos como algo apenas comercial, isto é, sem valor artístico. Uma das intenções desta breve reflexão sobre os efeitos visuais é apontar justamente os seus atributos colaborativos enquanto elemento narrativo, o que os tornam recursos importantes na condução de uma história, algo além da superficialidade e do mero adorno. Em muitos momentos de Game of Thrones, temos a prova cabal disso. Antes de refletir sobre os usos na série da HBO, torna-se relevante apontar uma distinção muito importante e bastante comum: a resposta para o questionamento sobre as diferenças entre efeitos especiais e visuais.
A Distinção: Efeitos Visuais e Efeitos Especiais
Muita gente não conhece, mas há distinções entre os efeitos especiais e visuais em narrativas cinematográfica e televisivas. Os efeitos visuais são realizados por profissionais após a realização das filmagens e compreende atividades de tratamento da imagem como a inserção de elementos adicionais, CGI, animações em 3D, técnicas com imagens gravadas em chroma key, isto é, aqueles fundos de cor verde. Já os efeitos especiais abarcam as práticas de manipulação da câmera e da iluminação para o alcance dos elementos narrativos desejados em determinados meios de produção.
Ópticos ou mecânicos, os efeitos especiais são desenvolvidos em paralelo ao trabalho nas filmagens, juntamente com o diretor da produção, tendo em vista alcançar o que se deseja sem perder tempo ou estourar o orçamento de uma realização audiovisual. Acredita-se que seja muito difícil você assistir a um filme/série/videoclipe se efeitos especiais. Os efeitos mecânicos, por exemplo, são bastante comuns em narrativas de gêneros diversos, pois cenas que explicitam as condições climáticas, tais como chuva, ventania, sol forte ou nevoeiro ganham os seus contornos com o trabalho do supervisor de efeitos visuais.
A manipulação dos dragões em Game of Thrones numa cena intimista de Daenerys e um ataque visualmente amplo, seguido de um momento de caça do seu “filho” mais velho.
Lembra das cenas dos tanques a capotar em Mad Max – Estrada da Fúria? E do momento em que Daenerys acaricia um de seus dragões enquanto dialoga carinhosamente com o mesmo em Game of Thrones? Como não recordar dos números musicais de Moulin Rouge – Amor em Vermelho, em especial, as cenas do elefante, com Nicole Kidman e Ewan McGregor a cantarolar medleys encantadores da música pop? E os embates estelares da saga Star Wars? E as cenas memorialísticas de A Vida em Preto e Branco? Possível esquecer os eloquentes dinossauros de Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros?
Software de manipulação dos dragões em Game of Thrones. Numa cena interna de um calabouço, Daenerys simula o recolhimento dos seus dragões durante uma situação de crise.
Não esqueço dos efeitos impressionantes da refilmagem de King Kong, comandada por Peter Jackson, bem como os 421 cortes com manipulação do inovador Matrix, em 1999. Maior ainda é o número de cenas com efeitos visuais nos premiados Avatar, Titanic, Deuses do Egito e Capitão América – O Soldado Invernal, dentre tantos outros filmes e séries, com conteúdo dramático nem sempre tão eloquentes quanto aos efeitos empregados, discussão que será realizada mais adiante. Inseridos posteriormente, os efeitos visuais dependem de elementos tecnológicos que na história relativamente recente do audiovisual, ganhou avanços vertiginosos se compararmos ao processo evolutivo das técnicas de outras modalidades artísticas.
Nas cenas de Mad Max – Estrada das Fúria, os supervisores utilizaram rampas para os carros que capotavam. Pendurados por cabos no alto do elefante vermelho, os protagonistas do musical Moulin Rouge – Amor em Vermelho tiveram os materiais de segurança apagados na pós-produção, por meio da inserção dos efeitos visuais, recurso que também transformou o bloco esverdeado de Daenerys Targaryen num dragão tão realista quanto os dinossauros de Spielberg. No próximo tópico excursionaremos pela história deste segmento da indústria, para mais adiante, observarmos detalhes narrativos específicos em Game of Thrones.
Os Efeitos Visuais e a Manipulação das Nossas Emoções
Em uma de suas entrevistas para os bastidores de produção de Game of Thrones, George Martin, o escritor idealizador da Guerra dos Tronos na literatura afirma que a sua produção escrita ficaria melhor no formato seriado televisivo, haja vista a grandiosa quantidade de personagens, núcleos dramáticos, reinos, etc. Ele não disse, porém, que era o único formato de tradução intersemiótica era o televisivo, mas apenas que seria o mais adequado.
Na trilogia O Senhor dos Anéis, Peter Jackson comprovou a possibilidade de transformar o amplo universo de Frodo em material cinematográfico, tendo como recursos narrativos a trilha sonora de Howard Shore, a direção de fotografia de Andrew Lesnie, o designer de Gret Major, dentre outros, sem contar com os efeitos visuais da produtora Weta Digital, também responsável por Batman Vs. Superman e Meu Amigo, o Dragão.
Três inserções de efeitos em Game of Thrones – 4ª Temporada: no primeiro um plano geral ganha a uma embarcação e seus movimentos; no segundo, outro plano geral ganha mais formações rochosas e personagens; e no terceiro, um barco navega em estúdio e depois é anexado ao caudaloso mar de uma misteriosa noite repleta de névoa.
A multiplicidade de reinos, ambientes de características medievais e paisagens geograficamente amplas dependem de bastante investimento científico (pesquisa) e financeiro, o que nos faz compreender a visão seriada mais adequada segundo as ambições de George Martin para o mundo ficcional de sua produção literária, criado com riqueza de detalhes e demonstrado em camadas ao passo que a série avançava em cada temporada.
Com imagens capturadas ao longo de 136 dias na Croácia, Islândia e Irlanda do Norte, a quarta temporada de Game of Thrones apresentou ao público, tal como todos os anos anteriores e posteriores, efeitos visuais importantes para a composição dramática de seu conteúdo. Castelos imponentes e suas possibilidades na transmissão da ideia de poder, cavalarias que dão a impressão de tensão com a proximidade dos combates, panorâmicas que expõem ao espectador a ideia de isolamento ou amplo contingente populacional.
Game of Thrones – 4ª Temporada: grandes planos gerais ganham elementos para compor as suas respectivas paisagens, desde a presença de um exército ao surgimento de um reino avistado à distância, tendo ainda neve anexada ao ambiente montanhoso, tal como na última imagem.
Produzidas pela junção das imagens capturadas na direção de fotografia, previamente estudadas pelo design de produção, tais cenas de Game of Thrones ganham maior tratamento na pós-produção, com inserção de detalhes por meio de efeitos visuais que permitem maior complexidade visual para os trechos, sem necessariamente perder qualidade dramática, como muitos céticos ainda acreditam, decepcionados pela banalização dos efeitos globalizados pela industrialização audiovisual hollywoodiana.
A imagem original captada pela direção de fotografia e as inserções posteriores: o palácio, a população circundante, além dos ambientes geograficamente externos em relação ao continente, ao fundo direito da imagem.
No desenvolvimento da sétima temporada os efeitos visuais foram preponderantes para dar ênfase aos impactos e conquistas dos envolvidos na guerra pelo trono de ferro de Westeros. Nas cenas em destaque, exércitos, palácios e outros elementos são postos nas imagens para ampliar o caráter épico da série. Importante, no entanto, é compreendermos agora como são produzidos, haja vista a certeza que temos em relação ao quão importante são os efeitos visuais na era do cinema e da televisão digital, recursos que também devem ser pensados como elementos artísticos necessários para a condução de narrativas.
Exércitos empoderados em dois momentos distintos da 7ª Temporada: de um lado os aliados de Daenerys, combatentes multiplicados pelo software que também multiplica os soldados avistados pelo grupo de Jamie Lannister.
Desenvolvido por meio de softwares, os efeitos visuais geralmente são desenvolvidos na etapa de pós-produção, tal como apontado no tópico anterior sobre a distinção em relação aos efeitos especiais, mas muitos casos também demonstram a presença do supervisor deste setor na etapa de pré-produção, haja vista a necessidade de storyboards, esculturas e concepts designs de VFX. O diretor de fotografia precisa de referências para a sua captação de imagens, assim como os diretores de arte, cenógrafos, figurinistas, dentre outros. Assim, percebemos que os efeitos visuais estão na etapa de encerramento, mas também dialogam com as etapas iniciais, o que denota a sua importância para a condução da história que será contada ao público.
Tyrion Lannister de costas na área externa de um estúdio, antes da finalização que insere outras embarcações e o mar caudaloso que atravessa. Abaixo, exército de combatentes é multiplicado após ganhar novos seguidores, incluídos posteriormente pelos supervisores de efeitos visuais.
O supervisor de efeitos visuais precisa observar se as telas de chroma key estão posicionadas adequadamente, além da iluminação e dos ângulos de câmera. Depois do filme pronto, os responsáveis elaboram as esculturas em 3D dos objetos que serão utilizados em cena, tal como o excerto destacado da embarcação trabalhada no software escolhido pela empresa produtora dos efeitos visuais. Para o processo de renderização, tais elementos são coloridos, iluminados, ganham a textura e volume e passam pela finalização para fazer parte “da cena”. A composição surge como elemento final do processo. É o momento de homogeneidade, onde torna-se necessário observar a continuidade, tendo em vista evitar discrepância entre os trechos da produção com maior e menor quantidade de efeitos visuais.
Conforme os especialistas, para trabalhar nesta área, é preciso ser um bom designer de imagens, além de ter noções básicas de storytelling, algo que os realizadores de Game of Thrones demonstram eficiência. Você, caro leitor, o que acha dos efeitos visuais? Realmente importantes ou atributos comerciais desnecessários?