Nota da Temporada
Em seu segundo ano no ar, Star Trek: Discovery adotou uma estratégia narrativa bem diferente daquela vista em seu ano de estreia. Marcada por um princípio de “correção de curso”, a 2ª temporada da série procurou adaptar a visão original de seu idealizador , Bryan Fuller, já há muito tempo afastado da produção, no sentido de alinhar melhor os elementos mais idiossincráticos dessa visão com o cânone já estabelecido. Mais especificamente, falamos da contradição interna de ser uma prequel ambientada com extrema proximidade aos eventos da Série Original que, ao mesmo tempo, apresenta elementos totalmente destoantes do que se costuma associar ao período.
Essa contradição não deixou de pesar sobre a produção em cada um dos desenvolvimentos principais de seu roteiro, e a saga do Anjo Vermelho provavelmente teria outra cara caso não fosse esse o seu contexto de criação. Adotando uma estrutura de quest de videogame, os Sete Sinais Vermelhos pontuaram um roteiro conturbado que mistura a infância de Spock com imagética bíblica gratuita, resultando em uma ficção científica que foi dançando entre o fascinante e o puramente estapafúrdio. No balanço geral, trata-se de uma temporada sólida de televisão dentro do gênero — desde que aceita naquilo que se propõe ser.
É difícil evitar a impresão que boa parte do combustível narrativo da série foi queimado aqui: seu desfecho é praticamente um soft-reboot descarado, o que pesa dúvidas sobre a necessidade de se percorrer todo esse caminho ao invés de começar desde cedo a abordar as coisas a partir de outra frente. Embora isso só possa ser confirmado com a chegada da já confirmada 3ª temporada, um ganho certo que tivemos pela teimosia dos produtores em nos situarmos a pouca distância da época mais icônica de Trek é a exploração sutil e bem dosada de todo o fanservice envolvendo Capitão Pike e Spock, brilhantemente recriados por Anson Mount e Ethan Peck, respectivamente. Em todo momento em que esse equilibrio foi encontrado, Discovery valeu a pena ser vista e apreciada dentro de sua própria proposta. Confira nosso ranqueamento de episódios, que reflete esse ponto de vista, e não esqueça de deixar seu comentário a respeito do encerramento de mais essa temporada de Trek!
14º Lugar: Such Sweet Sorrow
2×13
Such Sweet Sorrow foi provavelmente o episódio de Discovery que mais me desagradou desde o início da série. Mostrando que do lado de lá de tantos mistérios havia mais um plano de roteiro do que uma narrativa bem construída, a temporada se arrasta para um final anticlimático que, na melhor das hipóteses, salvará o dia com algumas cenas de ação empolgantes e, quem sabe, uma ou outra surpresa na segunda parte do desfecho. O cenário geral, no entanto, é de que o conjunto aqui acaba, infelizmente, se encaminhando para ser menos do que a soma de suas partes.
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13º Lugar: An Obol for Charon
2×04
A dinâmica estabelecida entre Reno e Stamets é o ponto alto dessa história, com a postura antitética dos dois criando faíscas e divertindo imensamente ainda que o roteiro pese na mão nas mensagens ambientais bem explicadinhas (sutileza, onde está você?). An Obol for Charon cansa pela história principal em razão de uma ameaça que nunca realmente se concretiza e que é trocada por diálogos sem fim na ponte, frustra pela morte não morrida de Saru e continua a sonífera história do motor de esporos. E isso sem contar que a procura de Spock já deu o que tinha que dar…
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12º Lugar: Perpetual Infinity
2×11
Por detrás de uma premissa plenamente aceitável, a sensação de termos muita coisa acontecendo ao mesmo tempo não deixa de incomodar. Pode ser que o problema esteja comigo, mas as pontuações frequentes de diálogos expositivos tentando sumarizar o estado atual das coisas mais me confundiram do que ajudaram a esclarecer a ordem atual dos eventos. Tanto nosso MacGuffin da vez, os dados coletados na misteriosa Esfera de An Obol for Charon, quando a própria inteligência artificial Control ainda soam como elementos exógenos ao desenvolvimento orgânico da trama, e a centralidade que obtiveram nessa reta final (às custas de uma explicação mais bem feita das ações do Anjo) acabaram tornando a coisa toda um tanto mal equilibrada para os lados do roteirismo.
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11º Lugar: Brother
2×01
Como toda produção que se debruça sobre construção de narrativas “caixa de mistério”, a eficácia e significado de Brother acabarão melhor definidos com o desenrolar do arco que inaugura. Ao se apoiar de forma mais irreverente sobre o fator fanservice, a produção evoca a força da franquia no mesmo movimento em que se abre de forma mais marcada para os riscos de sua premissa enquanto prequel. Em todo caso, o capítulo traz um bom começo para a segunda temporada de Discovery, que permanece promissora em suas possibilidades.
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10º Lugar: The Red Angel
2×10
Investindo nessa perspectiva das relações interpessoais, The Red Angel traz respostas que voltam a centralizar a narrativa completamente na figura de nossa protagonista Michael. Após uma sequência de episódios excelentes, o desbalanço entre o desenvolvimento dos personagens e da trama propriamente dita acaba cobrando um pouco seu preço, ainda que tenhamos momentos memoráveis para marcar bem a ocasião de entrada no ato final da saga atual. Vejamos de que forma a ameaça da IA futurista será desenvolvida nesses momentos finais — e com a esperança de um desfecho satisfatório para todo nosso extenso elenco de personagens.
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9º Lugar: Saints of Imperfection
2×05
Se Saints of Imperfection marcar um ponto de virada, em que a narrativa da terra dos cogumelos ganha um fechamento mesmo que temporário e a Federação passa, de maneira conjunta – com o lado da luz e o lado sombrio trabalhando juntos, mesmo que tenhamos que ver a Philippa do mal tornar-se boazinha – a correr atrás de Spock e do mistério dos sete sinais e do anjo vermelho, então ele terá tido mais valor ainda, já que a temporada está precisando encontrar sua identidade e seu passo. Afinal, se aquilo que muitos consideram como “pecados do passado” começarem a ser expiados, Discovery pode perder seu diferencial e tornar-se mais do mesmo. Existe um ponto de equilíbrio e é mais importante encontrá-lo do que o próprio Spock.
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8º Lugar: Point of Light
2×03
Point of Light consegue avançar três frentes diferentes apenas tateando a temática da maternidade, e constrói tensão para sua trama central no melhor estilo do que foi feito da ótima temporada de estreia. Novamente, ficamos à mercê do desenrolar dos eventos para termos uma perspectiva melhor da coisa toda – mas é certo que a espera para o próximo episódio será intensa!
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7º Lugar: Through the Valley of Shadows
2×12
Through the Valley of Shadows é mais um episódio empolgante e divertido de Discovery, que funciona mesmo em meio a uma montagem de arco um tanto desajeitada. Já que optamos por fazer da coisa toda algo pessoal com Michael, é bom constatar que a produção tem conseguido trabalhar a ideia à altura, principalmente em termos dramáticos e fazendo bom uso da ação. Um maior cuidado com os detalhes poderia fazer do arco do Anjo Vermelho um verdadeiro clássico para a série – pelo menos por enquanto, vamos indo bem com momentos empolgantes, costurados meio que às pressas.
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6º Lugar: The Sound of Thunder
2×06
Ligados entre si por estripulias temporais a serem mostradas futuramente, os elementos externos à trama episódica ficam totalmente a depender de desenvolvimentos futuros para que possamos avaliar seu sentido e coesão na narrativa. Ainda que não brilhe por completo no segundo quesito, o episódio não apenas entretém como avança a mitologia própria de Discovery de forma significativa, provando que nem só de klingons e universo espelho precisa viver o universo de Trek.
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5º Lugar: New Eden
2×02
Combinando uma fórmula clássica ainda pouco explorada pela atual encarnação da franquia com desenvolvimentos interessantes e bem compassados de sua narrativa mais alongada, New Eden é um passo certeiro em direção à renovação ensaiada na estreia desta segunda temporada. Independente dessa renovação ser necessária ou não, a abordagem tem conseguido aproveitar os pontos fortes da série e expandir suas possibilidades narrativas, não apenas com premissas bem escolhidas mas também com uma execução bastante acertada.
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4º Lugar: Light and Shadows
2×07
Felizmente evitando forçar uma confluência entre as duas tramas (juro que até pouco tempo antes do final do episódio eu temi que os números de Spock fossem ser a chave para salvar a shuttle – o que teria sido uma resolução totalmente anticlimática para a coisa toda), Light and Shadows mostra um Star Trek: Discovery amadurecido em relação a sua narrativa nessa 2ª temporada, fazendo um uso ótimo do que, a rigor, poderia ser ser considerado um semi-filler. Com isso, a confluência entre as duas linhas narrativas deste episódio já se encontra muito bem preparada: no capítulo seguinte, seguimos para Talos IV, local bastante familiar ao lore tanto de Spock, quanto de Pike.
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3º Lugar: Such Sweet Sorrow: Part 2
2×14
“É só não querer pensar demais que a coisa funciona!” Essa impressão me acompanhou com especial força ao longo dessa reta final da temporada, e não é muito diferente aqui. Uma posição mais sarcástica poderia se valer da citação que Spock faz a Neil deGrasse Tyson de que “o universo não tem nenhuma obrigação de fazer sentido para você”, e dizer que em alguns momentos a produção confere a mesma filosofia aos seus roteiros. Em todo caso, dentro de toda a trama ambiciosa que se propôs a explorar, a saga do Anjo Vermelho encontra em Such Sweet Sorrow: Part 2 um desfecho empolgante recheado de emoção, ação e bons momentos de personagem. Totalmente no escuro quanto ao futuro da Disco e de sua tripulação, a série nos mantém mais curiosos do que nunca a respeito de seus encaminhamentos futuros.
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2º Lugar: Project Daedalus
2×09
Project Daedalus se encerra com um novo teaser a respeito de nosso mistério de temporada, citando o projeto que nomeia o episódio como a próxima pista no quebra-cabeças da USS Discovery. A impressão que me fica é a de que a série teria ganho com um equilíbrio mais cuidadoso de suas tendências episódicas e seriais. Tanto o sacrifício de Airiam teria se beneficiado de ao menos um episódio centrado na personagem anteriormente, quanto a revelação a respeito do que Control desejava roubar da Discovery – os dados da misteriosa Esfera de An Obol for Charon – teria tido um efeito mais impactante caso esta última trama em si não estivesse diretamente ligada aos eventos do Anjo Vermelho. Picuinhas à parte, o fato é que a construção do mistério continua a empolgar e entregar ótimas subtramas que conversam com o lado mais sci-fi de Trek com sucesso. Entrando já em sua reta final, veremos aonde tudo isso vai dar.
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1º Lugar: If Memory Serves
2×08
Sem partilhar da linearidade e do caráter “pseudo auto-contido” da temporada inicial, Discovery começa a colher os frutos de uma trama de temporada que iniciou em uma crise identitária e que agora, felizmente, se encaminha para um desfecho promissor repleto de potencial em várias de suas frentes narrativas. If Memory Serves traz um equilíbrio excelente entre referências ao passado e desenvolvimento empolgante do aqui-e-agora.