Home QuadrinhosArco Crítica | Monstro do Pântano #1 – 8: Os Gritos da Carne Faminta (1982)

Crítica | Monstro do Pântano #1 – 8: Os Gritos da Carne Faminta (1982)

por Luiz Santiago
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Antes de entrarmos especificamente na crítica das edições desse compilado, uma breve introdução sobre a jornada do Monstro do Pântano deve ser feita aqui. Criado em 1971 nas páginas da House of Secrets #92, pela dupla Len WeinBernie Wrightson, o personagem receberia um título solo no ano seguinte, catalogado pela DC como Swamp Thing Vol.1. Esse primeiro título solo do personagem durou de 1972 a 1976 e contou com 24 edições, todas elas criticadas aqui no PC. Assim temos:

Depois de cancelado o título, em setembro de 1976, não havia realmente muitas esperanças de que voltasse tão cedo para a grade mensal da editora. Até que um certo filme de Wes Craven, lançado em 1982, mudou tudo. No mesmo ano, o Pantanoso ganhou um novo título solo, catalogado pela DC como Swamp Thing Vol.2, mas também conhecido como A Saga do Monstro do Pântano, porque este era justamente o título que as revistas traziam nas capas. Esta segunda série (e o título de “Saga“) é amplamente conhecida por ter sido escrita por Alan Moore entre 1984 e 1987.

Antes do Mago, porém, esta segunda série do Musguento esteva nas mãos de Martin Pasko, que escreveu as primeiras 19 edições e que eu dividi em dois compilados lógicos de crítica: este primeiro, abordando as revistas publicadas em 1982 e um segundo, abordando as revistas publicadas em 1983. Na edição #20, lançada em janeiro de 84, o título já estava nas mãos de Alan Moore. Os seis arcos do britânico já foram criticados por mim aqui no PC, e você pode ler as críticas para toda esta fase aqui.

PLANO CRÍTICO What Peace There May Be in Silence MONSTRO DO PÂNTANO

Esta fase começa com What Peace There May Be in Silence e é realmente incrível o que Martin Pasko faz nesta primeira edição de sua jornada à frente do Monstro do Pântano. Ele parte de elementos excelentes da primeira parte de Wein e Wrightson na criação do personagem e traz uma aplaudível reconstrução da origem do Pantanoso, utilizando uma escrita poética para relatar a dor, o isolamento e a constante incompreensão que o personagem tem diante dos humanos — o que, convenhamos, já é algo esperado. Nessa história, a massa verde viaja para Limbo, na Carolina do Norte. Ele luta com um urso que estava se preparando para atacar três caçadores, mas os caçadores são igualmente surpreendidos pela aparência da criatura verde e com isso, toda uma confusão começa.

A colocação de uma criança ameaçada, Karen “Casey” Clanc, uma menina acusada de ser bruxa, torna tudo ainda melhor. O Monstro do Pântano já havia se encontrado com mulheres bruxas antes e esse tipo de acusação e caça a personagens ‘diferentes’ sempre foi o ingrediente central nesse tipo de horror. O texto de Pasko costura essas andanças e reflexões do personagem com uma conspiração (ou algo do tipo) que se ergue nos bastidores, com o estranho Helmut Kripptman (ou Harry Kay) à procura da criatura dos pântanos e lançando uma grande bomba no final da edição, um excelente gancho pensado pelo autor: a presença da Sunderland Corporation, que nos faz erguer as sobrancelhas.

Something to Live For é uma continuação direta da revista anterior, uma conclusão do arco na cidade de Limbo e a entrada da Sunderland Corporation, por quem o Pantanoso é capturado. Walter “Grasp” Ellenbeck, um homem com mãos mecânicas que procura arrancar do Alec-musgo o segredo da fórmula bio-restaurativa é colocado em evidência aqui, e seus planos combinam bem com qualquer plano de cientista maluco e cheio de planos de dominação. Mesmo com uma declarada postura egoísta do homem para conseguir a fórmula de Alec, tudo nessa história parece bem maior do que se mostra à primeira vista. E sabemos que essa divisão da Corporação é parte de algo bem maior. Pelo visto, ainda terá, nesta fase, muito a oferecer.

plano critico mosntro do pantano Something to Live For

O roteiro faz — com elegância — algumas demasiadas repetições da primeira edição para dar o contexto de luta entre o bem e o mal. Isso atrapalha um pouco o início da revista, mas é um incômodo que dura pouco. E de maneira bem interessante, o autor aber as portas para uma segunda linha dramática, com um ataque a uma jovem que já sugere a presença de vampiros para a próxima edição.

Em A Town Has Turned to Blood temos a continuação das andanças do Monstro do Pântano ao lado de Casey, numa história novamente pautada por laços familiares dentro de um cenário bastante crítico, que começa, para o Pantanoso e sua companheira bruxinha (ou mutante?) no vagão de um trem. A indicação de que haveriam vampiros na parada já tinha sido dada como cliffhanger da edição anterior, então isso não é exatamente novidade aqui. Mas é muito bom notar como uma grande pista que posteriormente seria maximizada por Alan Moore em A Maldição, aparece aqui pela primeira vez, e em um cenário de sobrevivência apocalítica e núcleo familiar que fica mais sério a cada página que passamos.

Paralelamente, vemos a entrada da jornalista e escritora Elizabeth “Liz” Tremayne, autora do famoso livro Swamp-Man: Fact or Myth?. Esse primeiro contato fecha muito bem o ciclo inicial de companheirismo do Musguento com a menina bruxa, já que ele vê Casey na TV, ao lado de Liz, o que abre a possibilidade de extensão dos contatos de amigos/conhecidos do Monstro do Pântano para a próxima edição. Com um roteiro triste, cheio de elementos morais para serem discutidos a perder de vista e a pergunta nas entrelinhas: “o que você faria para defender as suas ideias de sobrevivência?“, esse história é do tipo que nos faz ver a monstruosidade do mundo pelos olhos de um “monstro do bem“, ajudando-nos a colocar algumas coisas em perspectiva.

A Town Has Turned to Blood plano critico

In the White Room. Da mesma forma que continua a história anterior, esta edição cria um novo patamar de terror para o Monstro do Pântano e sua amiguinha muda, agora sob as lentes e o microfone de Liz Tremayne, personagem de rápida passagem entre a simpatia e a antipatia do leitor. Nessa trama, porém, temos um demônio que mata crianças e que possui o corpo de Paul Feldner, sequestrando Casey e forçando o Pantanoso a intervir. Fazendo uma ode anti-violência e preservação das crianças frente ao “medo do estranho” (com direito a autocrítica e tudo), Pasko dedica essa revista ao povo de Atlanta, claramente referindo-se aos assassinatos de crianças ocorridos na cidade entre 1979 e 1981.

As cenas do programa Uncle Barney são uma caricatura de Fred Rogers e seu Mister Rogers’ Neighborhood, algo que não deve ter exatamente agradado muita gente, mas cujo tratamento faz total sentido dentro da situação que o roteirista cria. O enfrentamento do Musguento contra o demônio nessa edição nos lembra coisas da época de Raízes, assim como a conclusão do capítulo, com o personagem capturado e na mira da Sunderland, para a qual — surpresa, surpresa — Liz trabalha. Um ponto muito interessante dessa edição é que o roteiro diz claramente, através da voz do demônio, que o Monstro é mais planta do que carne. E esta é uma informação muito importante para o futuro do personagem, pois foi a partir dela que Alan Moore revolucionou o Pantanoso alguns anos depois.

The Screams of Hungry Flesh me lembrou muito as tramas de “fuga a qualquer custo” do passado do Monstro, só que o time de fugitivos aqui é formado, além dele, por Liz Tremayne e Dennis Barclay, a quem Alec conhece na Clínica Barclay, espaço para tratar funcionários da Sunderland Corporation. Dennis é um médico que acredita ter o poder de cura psíquica e aparentemente trata as feridas do Musguento imponde-lhe as mãos. A trama tem uma certa urgência e é durante esta noite que as coisas mais intensas acontecem, com a chegada de Liz ao local e a perturbadora descoberta que o Monstro faz, de que um nível mais baixo da clínica está cheio de clones humanos, corpos receptores da “cura pelas mãos” que Barclay exercia. Claro que o vilão aqui é Harry Kay, que mais uma vez escapa, ativando um destacamento militar da Sunderland para caçar o trio de intrometidos.

I Have Seen the Splintered Timbers of a Hundred Shattered Hulls plano critico mosntro do pantano

O roteiro dá muitas informações importantes, trazendo interessantes diálogos, mas tudo está inteiramente ligado à fuga, que pelo próprio caráter de terror B, acaba não conseguindo levantar grandes voos de qualidade. O final nos traz aquela apreensão de que se as coisas estão ruins, a partir de agora, só tenderão a piorar para os mocinhos. E nas três edições finais do arco, realmente ficam. Duas delas, Sins on the WaterI Have Seen the Splintered Timbers of a Hundred Shattered Hulls mostra mais uma ação da Sunderland criando algo ruim, mesmo que intencionalmente. Uma criatura meio polvo, meio Cthulhu em miniatura, que na verdade é uma colônia senciente de micróbios alienígenas (eu me sinto completamente maluco escrevendo essas coisas, mas é o que é, não sou eu que estou inventando) aparece do nada e começa a aterrorizar o cruzeiro onde o trio de fugitivos está, momento onde o roteiro junta as principais peças de todo o arco e as encaminha para uma conclusão.

Tanto nessas edições quanto na última revista do título publicada em 1982 (a muitíssimo criativa Here’s Lookin’ At You, Kid), vemos Harry Kay agir de maneira misteriosa e os fugitivos passarem pelas mais diversas provações, sendo a última, em uma ilha imaginada que é um deleite de referências cinematográficas (especialmente a King Kong, Cidadão Kane e Casablanca), trazendo uma excelente diagramação e arte que flertam com o cinema. Mesmo que a explicação para a sua existência não faça assim tanto sentido, a experiência dos náufragos ali é realmente inesquecível. A trama aqui parece que se afasta da principal linha de ação do arco, mas no final vemos que tudo está ligado. E a aventura termina com os caminhos cruzados, através de uma narrativa paralela que nos coloca a bruxinha muda, Harry Kay e o trio Alec-Liz-Dennis metaforicamente no mesmo barco, minutos antes de a tempestade cair.

Swamp Thing Vol.2 #1 a 8 (EUA, maio a dezembro de 1982)
Roteiro: Martin Pasko
Arte: Tom Yeates
Arte-final: Tom Yeates
Cores: Tatjana Wood
Letras: John Costanza
Editoria: Len Wein
16 a 24 páginas (cada edição)

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