Liberdade criativa é tudo. Para diretores com assinatura visual e narrativa muito peculiar, curvar-se à mão pesada dos produtores pode significar o preço quase total de um filme, que é o que justamente se passa em O Ladrão do Arco-Íris (1990), o primeiro longa de Alejandro Jodorowsky em que ele não fora responsável nem por uma parte do roteiro. De cara, isso significa uma linha de abordagem um tanto diferente do que estamos acostumados em seus filmes, mas é importante dizer que não era algo não exatamente novo para o diretor, basta lembrarmos de Tusk.
Há, todavia, uma importante diferença entre a aventura indiana do cineasta em 1980 e esta saga fabular concebida dez anos depois. Aqui, havia uma crescente animosidade entre Jodorowsky e os produtores, que blindaram o roteiro de Berta Domínguez D. e impediram que diretor fizesse qualquer mudança estrutural a fim de imprimir sua visão ao texto. Com recusa atrás de recusa, Jodorowsky foi se enervando e a produção do filme se tornou bastante complicada nesse aspecto, salvando-se apenas nos sets, quando o diretor realmente se sentia feliz e abraçado pela química e amizade entre Peter O’Toole e Omar Sharif (juntos em Lawrence da Arábia e A Noite dos Generais), e não é à toa que as cenas entre os dois são as melhores partes da fita.
Aqui, Dima (Sharif) e o Príncipe Meleagre (O’Toole) são dois amigos que vivem nos esgotos de uma cidade. Dima sempre foi um ladrão, um mendigo, um homem das ruas. Meleagre, no entanto, vem de um ambiente de riqueza, sendo ele mesmo herdeiro de uma grande fortuna, sob posse de seu tio Rudolf (Christopher Lee). Conhecendo bem a atmosfera e a premissa geral dos filmes do diretor, o espectador que chega a O Ladrão do Arco-Íris absorve o máximo possível das indicativas iniciais da obra: o rico excêntrico, o jantar entre notáveis interesseiros, a morte às portas, a tentativa de usurpar o dinheiro do herdeiro legal. O público entende que um mistério ligado à posse está em cena e atenta para o que esses personagens oferecem ao andamento da história; ou como se dará a ligação do homem rico com o vagabundo Dima.
Ao fim, pouco de toda a promessa dos primeiros minutos é recompensada. O título da obra indica algo que, de uma maneira não-óbvia (o que é bom) é trazido algumas vezes à tona pelo personagem de Peter O’Toole, uma espécie de “alquimista da alma“, vendo e prometendo coisas não-materiais ao seu parceiro de toca. Entretanto, nada disso avança muito. A sugestão do “pote de ouro no fim do arco-íris” é mesmo só uma sugestão e, se está colocada como uma espécie de milagre e reafirmação no final da fita, acaba parecendo apenas uma coincidência diante da qual o protagonista não se espanta ou com quem não se conecta. Temos sim, de positivo, uma excelente e angustiante sequência de luta contra uma inundação e mesmo antes, uma fotografia bem pensada para encher determinados lugares de cores e luzes e, mais adiante, contrastá-los com a morada miserável da dupla, mergulhada em sombras e tons amarelos.
Mesmo que não consiga sustentar bem a ideia de um “ladrão do arco-íris” — o roteiro se preocupa muito mais em reforçar algo já bem compreendido pelo público, através das andanças de Dima, do que dar atenção à fantasia –, o filme se coloca como o mais acessível de Jodorowsky, uma trama fácil de se entender e consumir, bem dirigida e com uma atmosfera que transita entre indicações oníricas e realidade. É uma pena que o diretor não tenha conseguido imprimir à obra a sua visão mais surreal. Temos um pequeno ensaio disso, na excelente sequência inicial, com o tio Rudolf, mas depois a obra muda consideravelmente de tom. É um bom filme, mas aquém do que poderíamos esperar de Alejandro Jodorowsky, que não por acaso, renegou a obra.
O Ladrão do Arco-Íris (The Rainbow Thief) — Reino Unido, 1990
Direção: Alejandro Jodorowsky
Roteiro: Berta Domínguez D.
Elenco: Peter O’Toole, Omar Sharif, Christopher Lee, Linzi Drew, Ian Dury, Jude Alderson, David Boyce, Peter Dennis, Joanna Dickens, Chris Greener, Brian Hibbard, Sheila Keith, Stephen Jenn, Declan Mulholland, Ken Parry, Ian Ricketts, Jean-Yves Tual
Duração: 87 min.