“Eu achei que tinha acabado com o loop, mas eu voltei.”
Em meio a muitos absurdismos narrativos, a morte está no ar mais uma vez, retornando e retornando para Tree (Jessica Rothe), protagonista do surpreendente longa-metragem A Morte Te Dá Parabéns. O seu aniversário, na premissa original, sempre concluía-se em sua morte, assassinada por um ser com máscara de bebê. E agora, aparentemente, o enredo retoma esse mesmo princípio, nem que seja para um personagem muito coadjuvante do antecessor passar a ser quem revive incessantemente. Como isso acontece, no entanto, se as coisas pareciam estar nos conformes ao término do primeiro? Tornando a jocosidade inerente mais tangível, Christopher Landon opta por camadas de ficção científica para apimentar o conjunto, mesmo que, na verdade, não se interesse tanto por brincar consigo mesmo quanto o original, então superior, se interessava.
Com traços cômicos notáveis, Landon imprimia um cerne ao primeiro exemplar dessa franquia que espirituosamente explorava certos clichês referentes ao gênero do horror e à premissa de repetição do mesmo dia, tornada tão popular em Feitiço do Tempo. Curiosamente, comparar uma obra a outra vai além das similaridades de ambas as gêneses, por mostrar coesão entre gêneros em um caso, mas não em outro. O clássico, uma comédia romântica, conseguia mesclar a sua carga menos cômica, o relacionamento que dura semanas para uma pessoa e apenas horas para uma outra, com a sua vertente despirocada. Já essa continuação possui muitos tons que não consegue movimentar em uníssono. Confusas são as prioridades, pois alguns dos melhores momentos da obra, os mais criativos, são interrompidos para que pensemos emoções ordinárias.
Em vista de uma execução que não justifica o descomprometimento com o descomprometimento, o cineasta perde a oportunidade que seria continuar explorando esse seu cinema, parte intrínseca da geração contemporânea, pautada nas experiências momentâneas da morte e da vida. O potencial metalinguístico do longa-metragem, como uma espécie de Pânico para novos tempos, até mesmo com referências ao icônico horror de Wes Craven, é esvaziado. A Morte Te Dá Parabéns 2, no caso, prefere pensar arcos para os seus personagens de uma maneira desconexa com o centro da narrativa. O drama não esta à serviço de impulsionar a contextualização sci-fi proposta, pois, ao contrário, procura minimizá-la. Ao mesmo tempo, sugere-se um roteiro, também assinado por Landon, completamente bagunçado, ignorando até as suas próprias regras criadas.
Ora, nada mais irreverente, em outra instância, que a ficção-científica, e seus exageros linguísticos que ninguém nunca entende, apenas sorri e acena, para entrar como um gênero adjacente a essa sequência, expondo ainda mais a brincadeira com o enfoque. Contudo, o retorno a esses personagens e a essa ideia, agora não mais “original”, é acompanhado de uma seriedade exótica, menosprezando os gêneros como sendo mais pertinentes ao interesse do espectador. “Eu achava que isso tinha uma razão cósmica”, comenta Tree no início do longa. Mas essa crise existencialista, que poderia vir a ser significativa ao todo, só é jogada gratuitamente no core da premissa. Ironicamente, realmente parece existir uma razão cósmica para os acontecimentos: chama-se roteiro, pontuando suas intenções aos personagens de uma forma tão pouco orgânica.
Sendo assim, A Morte Te Dá Parabéns 2 mostra estar muito mais preocupado com questões banais, como piegas envolvimentos emocionais sem fundo de verdade – porque o texto é péssimo e a direção expõe a artificialidade de certas interações -, do que com o prosseguimento de seu enredo, complexo naturalmente por conta da estrutura sci-fi. Por exemplo, o relacionamento amoroso entre Tree e Carter (Israel Broussard) é um dos casos que mais sofrem com essa hierarquização problemática de tom. O caráter dramático, para Landon, é o que deve mover o seu filme, e não as ideais mais originais que possui. O charme do casal, portanto, some por tornar-se um impedimento para as brincadeiras da obra consigo mesma continuarem a se revolucionar. Já o oposto acontece nos primeiros trinta minutos do projeto, muito subversivos em como se concluem.
Essa é uma revisita a uma fórmula gostosa, mudando-se apenas algumas variáveis. Pena que, ao invés de Landon possuir mais consciência disso, o conjunto acabe esgotando seus contornos espirituosos rapidamente. Enquanto o começo do longa-metragem, supostamente repetitivo ao original, transforma-se em uma outra premissa completamente nova, o meio permanece o mesmo por tempo demais, escanteando a visão de renovação que parecia ser parte inerente de uma ficção-científica com um viés cômico como essa. Já o humor em si, em termos de aumento de escopo, também é expandido consideravelmente, tornando-se uma parte ainda mais essencial ao tom suposto por Christopher a sua franquia. Mas o retorno narrativo, a real missão do cineasta, é sempre a um sentimentalismo mequetrefe que castra as possibilidades mais imaginativas do longa.
A Morte Te Dá Parabéns 2 (Happy Death Day 2U) – EUA, 2019
Direção: Christopher London
Roteiro: Christopher London
Elenco: Jessica Rothe, Israel Broussard, Phi Vu, Suraj Sharma, Sarah Yarkin, Rachel Matthews, Ruby Modine, Steve Zissis, Charles Aitken, Laura Clifton, Missy Yager, Jason Bayle
Duração: 100 min.