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Crítica | No Interior do Alabama: A Vida em Hale County

por Gabriel Carvalho
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“Qual é a órbita do nosso sonho?”

O tempo é um enigma diferente no Condado de Hale, no Alabama. Até mesmo porque o espaço é diferente daqueles que costumamos ver em obras norte-americanas. Uma cidade pequena, no interior de um estado localizado no Sul dos Estados Unidos. RaMell Ross, documentarista responsável pela obra, parece estar mais interessado, contudo, no ambiente em questão, cenário rural, do que nas pessoas que lá vivem. Um olhar tão passivo que sustenta suas intervenções mais bruscas no espaço cômodo da sala da pós-produção, ou seja, com a pontuação de entretítulos que sugerem questões ao espectador. “Qual é a órbita do nosso sonho?”, pergunta. Como responder?

O cineasta, portanto, convida os espectadores a se debruçarem em pouco mais de 75 minutos para questionarem o mundo. Questionarem o que? Provavelmente rever suas – e nossas – próprias visões acerca do negro norte-americano, aqui sendo exposto – e não sei se outra palavra seria adequada – em um compilado de experiências sem o menor condutor narrativo. Mas precisaria? O cerne começa com os sonhos, primeiramente os de Daniel Collins, um dos personagens centrais, olhando para a câmera, com poucos minutos ainda, e comentando sobre seus planos. Em seguida, visita o coração da família de Quincy e também o de outras residências.

O tempo avança. E avança como avançará em demais situações. Pode não parecer, entretanto, porque as timelapses disfarçam o poder dramático que os dias, as semanas e os meses possuem para o espectador e para esses personagens. Em um momento, Daniel Collins está sonhando. Já em outro, conquistou seu lugar na universidade. Como vibrar com o garoto quando tudo que tivemos foi o tempo passando e não sendo sentido? Os esforços, em uma quadra de basquete, vindo e indo à cesta, são intensificados após a conquista, após o sonho. Então o sonho é maior? A órbita do sonho é maior. Mas associar essas perguntas às respostas é exercício intelectual demais.

RaMell renega esses personagens, nessa mesma cena do basquete sendo jogado por Daniel, para mostrar as suas sombras. Não poderia deixar mais claro o quanto o seu cinema, em No Interior do Alabama, é impessoal, apesar de pretender uma grandiosidade temática e rica que é, na verdade, apenas vaga e despreocupada com conteúdo. Os corpos não importam, mas as suas sombras. A verdade reside no preciosismo tecnicista. Ao invés de documentaristas famosos, usando da câmera como maneira de capturar, espontaneamente, a riqueza nascida do nada, RaMell prefere filtrar as oportunidades estéticas que nascem dessa abordagem supostamente humana. Não mais.

O que era humano torna-se cinema inverdade. “Não é sempre que vemos o Sol através da fumaça”, aponta RaMell, enquanto um enquadramento captura momentos posteriores de uma queima de pneu. E o diretor continua com a câmera apontada para o céu, ao mesmo tempo que é indagado do porquê, qual o propósito de filmar isto. “É bonito”, responde. Então entra a parte mágica da sequência, o desenrolar de uma gravação mundana que torna-se igualmente trivial, nos diálogos, mas profundo, porque conversa sobre fotografia e a pouca presença de negros na área. Onde está a genialidade, entretanto, em continuar filmando os céus, senão pura massagem visual?

Já em outro momento, em que uma mulher conversa sobre peixe – um assunto gratuito que torna-se relevante subitamente -, de repente os olhos do espectador podem começar a brilhar, estando diantes de uma situação tão única quanto a conversa entre a mulher e a criancinha ao seu lado, percebendo fixamente a câmera que a grava. Dura pouco tempo, pois Ross não resiste em ter que gravar folhas voando com o vento. Antes, o suor de um jogador, dentre vários, tornava-se, com a montagem, os pingos de chuva molhando o chão. A conexão com a natureza é uma força que o diretor compreende. Mas, aqui, o ser humano não mais importa, rompendo-o e não agregando-o.

O pior é que não são poucos momentos poderosos desperdiçados por uma visão tão arthouse vazia. Ross realmente retira a humanidade desses segmentos ímpares. Quando permanece com a câmera filmando uma criança indo e vindo, percorrendo uma sala de estar, por minutos, ultrapassa a zona do pensamento do espectador para encontrar-se na zona da observação gratuita. Mais para frente, a morte de um bebê é vista com distância. A notícia choca-nos em um entretítulo frio. Entrecorta-a, aliás, com gravações de insetos voando, sem aparente motivo. Já tempos depois, quando a mãe mostra uma foto do seu filho, a inerência do impacto é captada apenas brevemente.

Como a própria câmera do longa-metragem, que perde o seu foco inúmeras vezes, No Interior do Alabama parece não ter foco algum, senão transformar muito do que já é tão belo em uma beleza artificial. A condução é providenciada da maneira mais fria imaginável. O documentarista torna-se, portanto, maior que as cenas em si, transportadas ao público sem pureza. Deixa uma criança tomando seu banho de lado para munir-se de uma transição piegas – a mão do garoto torna-se a Lua. Ross quer enxergar poesia na vida do negro, uma abordagem intimista mais que bem-vinda no cinema, mas apenas consegue extrair artificialidade de momentos antes tão cheios de verdade.

No Interior do Alabama: A Vida em Hale County (Hale County This Morning, This Evening) – EUA, 2018
Direção: RaMell Ross
Roteiro: RaMell Ross
Elenco: Quincy Bryant, Daniel Collins
Duração: 76 min.

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