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Crítica | Doctor Who: O Vencedor Leva Tudo, de Jacqueline Rayner

por Rafael Lima
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Equipe: 9º Doutor, Rose.
Espaço: Londres / Planeta Toop.
Tempo: 2006.

Um dos motivos que tornaram Rose Tyler uma companion tão popular entre os fãs, é que a jovem tinha um núcleo de personagens tão carismático quanto ela própria orbitando ao seu redor. Jackie e Mickey Smith não só nos davam uma ideia muito precisa da vida de Rose antes do Doutor, mas de todo o microverso de Powell Estate, onde esses personagens vivem. Percebendo a força que o “mundo de Rose” tinha, a autora Jacqueline Rayner decidiu fazer de Powell Estate o cenário principal de seu primeiro romance para a linha BBC New Séries Adventures.

O Vencedor Leva Tudo tem início com o retorno da TARDIS a Powell Estate, onde Rose e um contrariado Nono Doutor visitam Jackie, após a garota receber uma mensagem telefônica da mãe contanto que ganhou na loteria. Mas tudo que a Sra. Tyler ganhou foi um jogo de videogame, que ela deu para Mickey. O jogo é parte de uma promoção de raspadinha que se tornou febre em Londres, onde os vencedores ganham o jogo online Morte aos Mantodeans, ou o prêmio mais raro, uma viagem com tudo pago. Mas o que o público não sabe é que o jogo é mais real do que eles imaginam e os “sortudos” que ganham a viagem, nunca mais são vistos.

Situado entre os episódios World War Three e Dalek, O Vencedor Leva Tudo explora o ambiente mundano e corriqueiro de Powell Estate, entregando uma aventura divertida e descompromissada. O livro apresenta a ameaça dos Quevill, alienígenas com a aparência de porcos espinhos humanoides de forma quase ingênua, equilibrando-se na linha fina entre o assustador e o ridículo que é tão comum para a série. Há algo deliciosamente pueril na ideia de que porcos espinhos alienígenas transformaram algo inofensivo como um videogame em uma arma de guerra contra os Mantodeans, raça com quem disputam o seu planeta; mas que funciona perfeitamente para Doctor Who.

Grande parte da aura infantil que a obra possui surge do ponto de vista de Robert, um menino de dez anos que ganha uma cópia de Morte aos Mantodeans, e posteriormente tem o azar de ser “premiado” com uma das viagens, juntamente com a mãe. Robert é apresentado inicialmente como um menino antipático que vive em um mundo de fantasia (com a autora inclusive usando o personagem pra criticar a “narrativa do escolhido” que pautou tantos romances infanto juvenis dos anos 2000), mas aos poucos Rayner nos faz compreender o garoto e suas insatisfações com a mãe “comum e medíocre” dando à criança uma interessante jornada de redenção e amadurecimento.

Os personagens da série são perfeitamente captados por Rayner. Jackie Tyler está hilária e histriônica como sempre, mesmo que não tenha um papel muito relevante na trama. Mickey, por sua vez, tem um papel mais relevante, com a sua rivalidade com o Doutor gerando momentos extremamente divertidos, vide o momento onde o Time Lord faz questão de bater todos os recordes de Mickey no videogame. O 9º Doutor mostra tanto o seu lado mais simpático e compassivo (especialmente em suas interações com Robert) quanto os aspectos mais geniosos de sua personalidade, como a impaciência com a raça humana, que não pode ver nada ser oferecido de graça. Rose também é muito bem retratada, com suas preocupações mais humanas, vide a aflição de ter a mãe no hospital, contrastando com as preocupações mais universais do Doutor, o que gera um bom momento de embate entre a dupla.

Powell Estate é bem explorado como ambiente, com suas mercearias, moradores enxeridos, e garotos de Lan House. O romance utiliza essas passagens para criar boas sequências de humor, como aquele em que Mickey usa a sua fama de “assassino de loiras” obtida em Aliens of Londor/World War Three para obter ajuda de alguns garotos do bairro, embora eu deva acrescentar, nem sempre as piadas da autora funcionem. Embora o tom pueril da obra seja forte, podendo perfeitamente ser lido por crianças (e não digo isso como algo negativo), O Vencedor Leva Tudo também consegue retratar o lado feio de Powell Estate, como a violência urbana do local. Isso surge representado especialmente no personagem de Darren Pye, um valentão que aterrorizou Rose e Mickey no colégio, e tornou-se um bandido violento no presente, chegando a espancar brutalmente Jackie em um assalto, mandando-a para o hospital, para a fúria de Rose (e do leitor).

Rayner utiliza o romance para fazer um breve comentário sobre a cultura dos gamers, abordando questões como a violência dos jogos (que na visão do Time Lord pode ser terapêutica), e quando a diversão se transforma em um vício. A autora também trabalha de forma interessante a premissa central do livro, onde pessoas têm seus corpos controlados por aqueles que estão jogando os jogos sem saber de nada. As passagens onde o Doutor é obrigado pelos Quevill a “jogar” com Rose, ao mesmo tempo em que promovem certa angústia, pela situação degradante em que a jovem se encontra ao ter o corpo controlado como uma boneca, também empolgam (inclusive à própria garota) nos momentos em que ela se vê dando saltos mortais, enquanto luta com um Montadean (basicamente um louva-deus gigante).

O Vencedor Leva Tudo é um bom trabalho de Jacqueline Rayner para a série, que demonstra uma boa compreensão de seus personagens e do universo que habitam. É uma leitura rápida e descompromissada, com um ótimo ritmo, e que mantém o leitor interessado até o desfecho. Peca talvez apenas pelo humor da obra não funcionar muito bem em alguns poucos trechos, e por vilões rasos demais, que poderiam ser um pouco mais desenvolvidos (embora isso talvez fugisse da proposta simplista que a obra claramente persegue). Mas no geral, é um trabalho sólido da New Series Adventures.

Doctor Who: O Vencedor Leva Tudo (Winner Takes All) – Reino Unido. 19 de Maio de 2005.
Autora: Jacqueline Rayner.
BBC New Séries Adventures #3.
Publicação: BBC Books.
189 Páginas

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