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Crítica | Alita: Anjo de Combate

por Gabriel Carvalho
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“Não subestime quem eu sou.”

São grandes as diferenças de uma computação gráfica à serviço da narrativa se comparada a uma estética até encantadora, contudo, que pouco possui a comunicar para os seus espectadores. Um maravilhamento tão efêmero e superficial sustenta uma mentira cinematográfica? James Cameron, em entrevista ao Television Critics Association, comentou acerca do tema: “Não importa o quanto você consegue mascarar com ótimos design de produção e efeitos visuais. Se a história não está funcionando, você não se conecta com o personagem, simplesmente não vai funcionar.” Por esse raciocínio ser respeitado, o longa Alita: Anjo de Combate mostra a coerência de James Cameron na afirmação, visto que o cineasta assinou o seu roteiro. A produção justamente usa a tecnologia visando um fim dramático, o que exemplifica um propósito bem específico de criação de mundo. O problema mora no projeto encontrar-se no meio-termo entre o que funciona e o que não funciona, mesmo longe de tornar-se próximo a espetáculos vazios. E o texto é logo o maior dos impasses, recaindo em Cameron uma parcela de inconsistência. Porém, a questão é mais complexa que isso.

James Cameron estaria provavelmente assinando uma errata caso esta produção participasse de um cinema que visa o grandioso pelo grandioso. Os seus equívocos residem, porém, no roteiro e não na estruturação do propósito, enquanto Robert Rodriguez, experiente em ficções científicas e fantasias, é preciso em encenar o longa. Uma adaptação do mangá homônimo, o enredo se centra na personagem de Alita (Rosa Salazar), uma ciborgue que é reconstruída pelo Dr. Dyson Ido (Christoph Waltz) após ser encontrada em um ferro velho de um mundo futuro. Quem é essa garota?, orquestrará a obra em seu cerne. Aqui, o que quer que seja criado pela tecnologia é conectado com a jornada da protagonista. Dessa maneira, apresenta-se o processo de descobertas da protagonista e como ela enxerga o mundo ao seu redor. A mistura de uma mente com a outra equilibra os pontos positivos e negativos, mas é uma pena Cameron equivocar-se tanto, embora recorrentemente tenha pensado projetos parecidos como esse em forma. Como isso não acontece, duas obras, que contém valores distantes entre si, emergem de um único longa.

O primeiro cenário é o mais crítico, que por sorte não compromete o resultado. James Cameron, compartilhando o cargo de roteirista com Laeta Kalogridis, se acovarda em deixar tudo na mão de Rodriguez, surpreendentemente temendo a capacidade criativa do cineasta. O universo apresentado precisa, por isso, passar pela verborragia para que seja verossímil. Determinados monólogos, portanto, acabam servindo como mero pretexto para inúmeras explicações expositivas serem dadas, pois o público, aparentemente, não consegue compreender olhares, suspeitas e imagens. Mesmo exposições acerca da natureza dos personagens acontecem, que ultrapassam as contextualizações intermináveis. Um caso referente ao Dr. Ido é notório nesse sentido. O coadjuvante possui uma conexão mais profunda com o nome Alita que é apresentada aleatoriamente na narrativa, sem um respaldo sentimental, nem mesmo uma necessidade dramática. Somente a sugestão bastaria. Pelo menos, Christoph Waltz consegue criar o seu personagem por si só, moldando-o, antes de qualquer receio nosso, como um “médico” caridoso.

Nesse ponto entra, pela primeiríssima vez, o tratamento visual de Rodriguez e sua direção. O cineasta cria um ambiente extremamente convidativo para a personagem e, com isso, Waltz é um complemento ao cenário de descobertas, ainda consideravelmente adocicado à protagonista. Comer uma laranja é divertido. Comer um chocolate é divertido. Alita é retratada com um senso de inocência fantástico, que é contraditório com o mundo em questão, sendo esse o primeiro passo da obra para o desenvolvimento do seu coração. Os efeitos visuais, portanto, são essenciais, por estarem sendo a comunicação entre o design da garota, completamente em computação gráfica, e o cenário em questão. Os momentos iniciais de Anjo de Combate no exterior da residência do Dr. Ido traçam uma visão futurista que é enxergada em um único corredor, mas recheado de pessoas.

E o longa-metragem entende ser almejado, na narrativa, certos componentes da sua criação estética. O sonho de muitos personagens, por exemplo, é morar na cidade voadora encontrada sobre as suas cabeças. Curiosamente, as desigualdades sociais, presentes nessa realidade em questão, são percebidas através da intangibilidade, sobre o que não pode nem ser visto. Utopias são sussurradas aos espectadores por meio dos sonhos supostamente impossíveis que são apresentados. O garoto Hugo (Keean Johnson) é uma dessas pessoas, atualmente pobre e tendo que enfrentar certos pesares cotidianamente, mas que ainda acredita no amanhã. Uma das características mais contraditórias de Anjo de Combate é ser, ao mesmo tempo, um filme corretíssimo na noção de motivações, enquanto tão fracassado na exploração emocional conjunta.

Uma jornada de amor preguiçosa, portanto, é um dos equívocos que se iniciam. Entre tantas coisas a serem descobertas no universo, a si mesmo e o seu passado, o amor é uma delas. O ator Keean Johnson, no entanto, não consegue ser uma versão John Cusack dos anos 80 interessante, calhando a prejudicar ainda mais o valor romântico do projeto. Cenas com teor melodramático pungente desmontam-se porque tornam-se inverossímeis sentimentalmente para o espectador. “Por que ela está oferecendo isso ao garoto?”, perguntamos. Em termos narrativos, Hugo possui a função, primeiramente, de ser uma manivela para a apresentação de universo à Alita, que estaria mais acordado a uma verdade caso não fosse acompanhado de texto simplório. A garota se apaixona em decorrência disso. O romance nunca funciona, porém, os imensos olhos de Alita sim.

Com isso nasce uma segunda percepção possível à obra. Saindo do caráter que é convidativo em primeira instância, como o charme do par romântico e a claridade do dia, Anjo de Combate ganha uma substância mais soturna gradualmente. As mazelas se revelam. Alguns assassinatos acontecem. Os caçadores de recompensa aparecem. Apesar de tais mudanças, Anjo de Combate continua sendo um espaço confortável para a diversão tornar-se realidade. É uma obra que basicamente não tem um plot mais concreto, com premissas complexas aos protagonistas e antagonistas, apenas se interessando mesmo, quase episodicamente, nas descobertas da protagonista diante de um mundo novo à garota. Tudo está à serviço da emancipação da jovem mulher, saindo do seu âmbito ingênuo para explorar outras possibilidades, chances, por si mesma.

A constatação de estarmos verdadeiramente empolgados com a sucessão de acontecimentos desponta consequentemente, por vermos mudanças de tom, contudo, não transformações sensoriais. Anjo de Combate sai do ambiente esportivo casual, jogando um jogo com os seus amigos, e vai para o ambiente esportivo mortal, participando de um campeonato em uma arena brutal. Continua sendo imensamente livre em oportunidades cinematográficas. Robert Rodriguez mistura Pequenos Espiões 3-D com um orçamento gigantesco e cria composições visuais magníficas, sempre centradas na experiência de Alita com as cenas. Tudo é sobre o que irá mudar para a personagem depois disso. Várias situações climáticas – que cansam pontualmente o espectador, entretanto – encaminham a protagonista para a sua derradeira missão. É ainda lúdico.

Sob um outro ponto de vista, se formos julgar certas figuras antagônicas independentemente, o maniqueísmo impera. O caráter mais dramático, por ora, vai aparecendo como oriundo do antagonismo em si à permissão por quebrarmos com os paradigmas ancestrais. Será que sonharmos é uma imbecilidade nossa? Não é à toa que a jornada de Alita, mais do que se descobrir guerreira e esportista, também comporta as suas tentativas de ajudar as pessoas ao seu redor, principalmente Hugo e o seu “pai”. Conquistando isso, Rosa Salazar possui uma voz simpática, que carrega o espírito da garota durante as cenas de ação. Uma sequência em um bar, cenário que não poderia se ausentar dessa produção de Rodriguez, é comandada com uma leveza condizente com a energia da garota em cena. Como nos videogames, ser guerreira é ser jogadora.

Suas expressões, tão entusiasmadas quanto sérias, se misturam, acordadas a um semblante propositalmente destoante de um genérico realismo conformado. O longa quer, em outros casos, apresentar momentos que reflitam, entretanto rasamente, sobre quem a garota é, ao mesmo tempo que mercenários a perseguem. O texto do longa-metragem é realmente contraditório ao interesse tão honesto de Rodriguez na fomentação de mitologia através de sensibilidade imagética, mas Anjo de Combate é um preciosidade quando encaminha seus personagens e sua narrativa através dos seus gêneros em estado puro. Quando tudo é sobre construir sequências enormes de ação e mover a sensibilidade dos personagens assim, sem mais. Jogar videogame não tem tanta graça quanto assistir à Alita surpreendendo e dando surras em criminosos e caçadores de recompensa.

Alita: Anjo de Combate (Alita: Battle Angel) – EUA, 2019
Direção: Robert Rodriguez
Roteiro: James Cameron, Laeta Kalogridis
Elenco: Rosa Salazar, Christoph Waltz, Ed Skrein, Mahershala Ali, Jennifer Connelly, Keean Johnson, Michelle Rodriguez, Lana Condor, Jackie Earle Haley, Eiza González
Duração: 122 min.

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