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Crítica | O Delator (1935)

por Luiz Santiago
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Filmado ao longo de 17 dias, O Delator (1935), filme que deu a primeira estatueta de Melhor Diretor a John Ford, teve uma curiosa história de produção. A RKO tinha receio de investir muito dinheiro na obra, mas não queria dificultar as relações com o diretor que trouxe um dos sucessos do estúdio no ano anterior, A Patrulha Perdida (1934). Assim, forneceu um orçamento um tanto limitado (Ford abdicou de parte de seu próprio salário para aumentar o orçamento), receando a pouca relevância do tema para o público americano, o roteiro dramaticamente depressivo, o protagonista cheio de conflitos internos e um tanto patético e também o fato de a história já ter sido filmada no Reino Unido, em 1929, filme que aqui no Brasil recebeu o título de Almas das Ruas.

Num primeiro momento, a RKO acreditou que havia feito a coisa certa, porque apesar da aclamação da crítica, O Delator não animou o público. O destino do filme nas bilheterias só mudaria após a cerimônia do Oscar, de onde ele saiu com 4 estatuetas (Melhor Diretor, Ator, Roteiro e Trilha Sonora), tendo ainda recebido indicações para os prêmios de Melhor Filme e Edição. Relançada, a película então conheceria o sucesso, confirmando a aposta pessoal de John Ford, que realizou no filme um trabalho bastante rigoroso, um pouco diferente daquilo que ele próprio fizera em seus últimos cinco longas, talvez com algumas exceções estilísticas a O Homem que Nunca Pecou, também de 1935.

Em O Delator, o roteirista Dudley Nichols se baseou na novela de Liam O’Flaherty, lançada em 1929, para contar a história de Gypo Nolan (Victor McLaglen), expulso do IRA (Exército Republicano Irlandês) por ter se recusado a matar um “Black and Tans”, força de combate de elite da Real Polícia Irlandesa, cujo trabalho era reprimir as rebeliões durante a Guerra Civil (1922 – 1923). Como eu comentei antes, John Ford foi bastante rigoroso na assinatura que deu ao filme. Ele gostava muito da história e, diante do pé atrás da RKO, acabou sendo quase uma “questão de honra” para ele que o filme tivesse um bom resultado final. E de fato ele conseguiu. Falarei depois sobre os meus problemas com o desfecho, mas o fato é que o desenvolvimento da saga de traição de um amigo + uma série de conflitos morais ligados ao dinheiro (os ecos de Judas nessa história são muitos) estão incrivelmente plasmados pelo diretor.

Consta que Ford utilizou um método nada ortodoxo para fazer com que Victor McLaglen (que entregou uma excelente performance) se mantivesse no personagem. Para que o ator tivesse a aparência abatida, afetada por algo da vida, o diretor mudava constantemente os horários do cronograma de filmagens, afetando as horas de sono do ator e fazendo-o parecer cada vez mais cansado. Alguns drinques também eram dados a McLaglen durante as filmagens e, no dia anterior à rodagem das cenas de julgamento de Gypo, Ford disse ao ator que ele não seria utilizado no dia seguinte, que poderia sair para se divertir. Como Ford previra, McLaglen saiu para festejar, bebeu bastante, chegou tarde e foi acordado às pressas para uma “filmagem de emergência”, com enorme ressaca e cara de quem pouco dormiu, gerando o efeito físico e emocional que o diretor queria para mostrar o homem alquebrado e patético que vemos nos últimos momentos da fita.

O que é interessante observar aqui é o uso constante de sombras, névoa nas ruas, fotografia que prima pelo acentuado contraste e uma perseguição que envolve forças oficiais e não-oficiais, algo que de certa forma nos faz lembrar ingredientes do cinema noir, que só apareceria oficialmente nos cinemas cinco anos depois, com a dupla Dentro da NoiteO Homem dos Olhos Esbugalhados. Ford também realiza alguns planos audaciosos, mostrando distintas perspectivas e ressaltando o papel de observador-juiz do público. Notem que ele vai alterando a posição de Gypo diante da câmera, tornando-o cada vez mais oprimido, em ângulos que desprezam a figura atlética do personagem, colocando-o em lugares fechados, contra muros, cercado por pessoas e em momentos em que cada palavra, olhar ou gesto perturbam o delator, com medo e culpa pelo que fez. Embora a namorada do protagonista, interpretada por Margot Grahame, esteja como uma costura de contraste moral para o homem, ela não é explorada pelo texto e acaba servindo apenas de contra-peso para ele. Na reta final, sua ação lhe dá um tantinho a mais de profundidade, mas nada que a torne essencial ou marcante.

SPOILERS!

A redenção do personagem aqui chega a um nível que eu sinceramente não consegui gostar nem da primeira, nem agora, da segunda vez que vi o filme. Os destinos são todos ligados à essa questão de “o crime não compensa”, mas em camadas diferentes. McPhillip (Wallace Ford), que é procurado por assassinato, acaba morrendo, pagando com a própria vida por ter tirado outra. Gypo também segue o mesmo caminho, mas numa trilha de perdão, junto a uma baita suspensão da descrença por parte do público, já que ele anda metros, do lugar onde tomou os tiros até a igreja e convenientemente morre após receber o perdão da Sra. McPhillip. Por mais que entenda o apelo dramático e a seiva cristã que cobre esse encerramento, fica difícil aceitar completamente esse tom se o compararmos com a modelagem mais sombria e objetiva que todo o restante da obra trouxe.

Falando sobre moral, liberdade e responsabilidade em tempos difíceis (o contexto político, histórico e social são as molas dramáticas para os personagens aqui, desde a prostituição para sobreviver até a venda de um amigo para receber uma recompensa em dinheiro; ou o conflito moral de um combatente na hora de matar um suposto inimigo) O Delator é uma obra intensa, onde as mulheres sempre representam a paz, a compreensão e união e os homens são sempre soldados diante de grandes decisões, a maioria delas, ingratas. Um típico John Ford.

O Delator (The Informer) — EUA, 1935
Direção: John Ford
Roteiro: Dudley Nichols, Liam O’Flaherty
Elenco: Victor McLaglen, Heather Angel, Preston Foster, Margot Grahame, Wallace Ford, Una O’Connor, J.M. Kerrigan, Joe Sawyer, Neil Fitzgerald, Donald Meek, D’Arcy Corrigan, Leo McCabe, Steve Pendleton, Francis Ford, May Boley
Duração: 91 min.

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