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Crítica | Duma Key, de Stephen King

por Rafael Lima
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Em junho de 1999, o mundo ficou muito perto de perder Stephen King em um brutal acidente de carro, quando o escritor foi atropelado por uma Van. Este acidente, seguido pelos difíceis meses de recuperação, marcou o romancista para sempre e passou a ecoar em muitas de suas obras seguintes, com Duma Key sendo um dos maiores exemplos.

A história acompanha Edgar Freemantle, um empreiteiro que perde o braço e sofre danos cerebrais após um acidente com um guindaste. A depressão e as sequelas psicológicas levam ao fim do casamento de Edgar, que é então aconselhado por seu terapeuta a procurar uma “cura geográfica” e a praticar novos hobbies. O protagonista muda-se então para a Ilha de Duma Key, na Flórida, onde retoma o seu passatempo esquecido de desenhar. Mas logo Edgar percebe que existe algo sobrenatural em seus desenhos, que estão ligados diretamente ao obscuro passado da ilha, e de sua misteriosa vizinha, uma senhora idosa portadora de Alzheimer.

O foco inicial de Duma Key são as tentativas de um homem de reconstruir a sua vida após um desastre. O autor constrói bem o arco de seu protagonista, à medida em que ele vai deixando a sua melancolia raivosa e quase suicida para trás, e recuperando a própria autoestima e a vontade de viver. A opção de King por utilizar a narração em primeira pessoa com o protagonista (algo relativamente raro em sua bibliografia) mostrou-se bastante acertada justamente por intensificar esse processo de autodescoberta de Edgar.

O romancista revisita muitos temas recorrentes de sua obra. O homem que ganha um dom raro após sofrer um acidente que quase arruína a sua vida remete ao clássico Zona Morta, enquanto os elementos sobrenaturais que começam a se manifestar através de pinturas, remetem ao romance Rose Madder, e ao conto O Vírus da Estrada Vai Para o Norte, da coletânea Tudo é Eventual. Felizmente, a reutilização destes elementos não soa derivativa, com o autor conseguindo dar nova roupagem a eles dentro da narrativa.

O cenário do romance e a forma como o escritor o descreve é outro acerto. King abandona as paisagens frias e suburbanas do Maine e dos Estados próximos para situar a narrativa em um ambiente tropical que influencia a história diretamente. Tudo é descrito de forma bastante sensorial (talvez por isso a escolha pela narração em primeira pessoa) o que transforma a ilha de Duma Key praticamente em um personagem dentro do livro. Um lugar capaz de provocar tanto deslumbramento quanto medo. A água em especial tem um grande papel no romance, tanto prático quanto simbólico, representada como uma força que pode ser tanto uma benção quanto uma maldição.

O autor desenvolve a narrativa com calma, apresentando um elenco de personagens bastante interessante e carismático. Edgar se mostra um protagonista muito bem construído e humano, e conseguimos nos envolver com sua luta para se reerguer após o acidente, assim como passamos a temer que ele venha a perder o que reconquistou quando os eventos sobrenaturais em torno da ilha e dos desenhos de Edgar passam a se tornar mais ameaçadores. Jerome Wireman, um advogado aposentado que vive ali é outro personagem de destaque pelo seu estado positivo e pela amizade que desenvolve com o protagonista. Vale ainda mencionar a bela relação que Edgar mantém com a sua filha caçula Ilse, uma jovem universitária que funciona como uma ponte entre as vidas de Edgar antes e depois de seu acidente e consequente ida para a ilha de Duma Key.

A obra também é muito competente na forma harmoniosa com que transita entre diferentes tons. O livro começa como um drama fortemente aterrado na realidade da desgraça pessoal de um homem, para organicamente evoluir para um drama sobrenatural com toques de mistério, até enfim abraçar o terror genuíno em seu terço final. Duma Key é um excelente trabalho de Stephen King, que funciona em praticamente todos os níveis que fizeram a fama do autor. Trata-se de uma história com um drama genuíno, que mistura o mundano com o fantástico, e a construção de momentos de terror que irão fazer a alegria dos fãs do gênero. E para mérito do escritor, que geralmente tem problemas com finais, traz um desfecho realmente decente, que condiz perfeitamente com o tom melancólico, porem esperançoso do livro.

Duma Key (Estados Unidos, 2008).
Autor: Stephen King.
Editora: Ponto de Leitura, 2014.
Tradução: Fabiano Morais.
831 Páginas.

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