Seguem as críticas dos cinco indicados ao Oscar de Melhor Animação em Curta Metragem em 2019 (os títulos foram mantidos como indicados pela Academia, com as traduções em português ao lado quando existirem):
Bao
(EUA, Canadá – 2018)
Tudo o que sabíamos sobre concepção é derrubado por Domee Shi com seu doce curta Bao, lançado juntamente com Os Incríveis 2 nos cinemas. Se achávamos que tinha alguma coisa a ver com cegonhas ou abelhinhas polinizadoras, a diretora e roteirista deixa evidente que, pelo menos os chineses (ou sino-canadenses, para ser mais exato) nascem do “bao” ou “baozi”, pãozinho de massa típico da China.
Lidando com a chamada Síndrome do Ninho Vazio, Shi nos apresenta a uma simpática mãe que “concebe” um filho a partir dos tais bolinhos, passando a cuidar da criança ao longo de todas as suas fases, que são abordas quase que em uma espécie de “montagem” clássica de treinamento ou crescimento que vemos por aí em tantos filmes. Mas a diretora cria algo extremamente relacionável, seja do lado dos pais – particularmente da mãe – seja no lado dos filhos, com a doçura e alegria de um bebê transformando-se quase que como um passe de mágica naquele amargor adolescente que tanto vemos por aí. E, claro, a culminação é na tal síndrome, em que a (não mais) criança deixa o lar e encontra o seu próprio par, o que é comicamente abordado com um momento surreal de “canibalismo” que encerra o lado fabulesco do curta.
Todo feito em computação gráfica como é a regra de tudo que sai da Pixar, Domee Shi é cuidadosa na retratação culturalmente correta de uma família de raízes orientais radicada no ocidente, sem tentativa alguma de tornar as aparências mais, digamos, universais. Como tem sido um padrão recente nos curtas da produtora, porém, o lado “fofura máxima” fala mais alto do que talvez seu conteúdo razoavelmente simples, o que acaba, mesmo com sua curtíssima duração, retirando um pouco da mensagem maior do filmete, ainda que ela esteja bem presente. É divertido e muito bonito, mas, assim como o ninho, um pouquinho vazio.
Direção: Domee Shi
Roteiro: Domee Shi
Elenco: Tim Zhang
Duração: 8 min.
One Small Step / Um Pequeno Passo
(EUA, China – 2018)
Coincidência ou não, assim como Bao, Um Pequeno Passo lida com outra personagem de ascendência chinesa radicada no ocidente, desta vez nos EUA, mais especificamente em São Francisco e com uma estrutura semelhante que acompanha seu crescimento. Trata-se de Luna, uma garota filha de um simpático sapateiro que parece ter sido moldado a partir de Gepeto, de Pinóquio, que deseja mais do que tudo tornar-se uma astronauta.
Desde pequenina, suas brincadeiras com o pai relacionam-se com o espaço sideral e seu primeiro sapato, uma bota com o desenho de um foguete na lateral, marca esse “começo” que usa os sapatos como marca do crescimento da jovem e seu relacionamento com seu “velho”. É, sem dúvida, um filme milimetricamente feito para extrair lágrimas de quem o assiste, deixando, porém, lições básicas, mas importantes: aproveite seus pais enquanto eles ainda estão perto de você e nunca desista de seus sonhos. Clichês, sem dúvida alguma, mas clichês não são, por natureza, ruins e, por vezes, precisam ser reiterados, especialmente dentro de um contexto moderno tão imediatista e efêmero – hoje, os jovens são, em grande parte, focas que precisam de imediata gratificação depois de fazer um “truque” – que reduz a experiência a segundos ou minutos de relacionamentos a jato.
Com uma animação 3D emulando 2D em computação gráfica, Um Pequeno Passo – que também inevitavelmente nos lembra de O Primeiro Homem, especialmente o final – apela para o “fator fofura” como Bao e isso não é coincidência, já que a produtora, Taiko Studios, foi criada por Shaofu Zhang, que trabalhou por muitos anos na Disney, mais recentemente em Zootopia e Moana e seus diretores, Andrew Chesworth e Bobby Pontillas, também têm passagens na produtora do Mickey. A familiaridade temática e visual, portanto, é muito grande e de fácil absorção.
Direção: Andrew Chesworth, Bobby Pontillas
Roteiro: Andrew Chesworth, Bobby Pontillas
Duração: 8 min.
Animal Behaviour / Comportamento Animal
(Canadá – 2018)
Somos todos animais. E não só no sentido biológico da palavra. A sessão coletiva de terapia de variados animais – BEM variados, já que tem até uma sanguessuga e um louva-a-deus! – capitaneada por um cachorro de óculos e de bloquinho na mão é interrompida por um gigantesco gorila que “não tem problema algum” e que “não faz ideia por que está lá”. A negação, claro, vai aos poucos sendo derrubada até que o hilário caos se instalada na sala, com alguns personagens revertendo ao seu estágio pré-civilizatório.
David Fine e Alison Snowden, que já levaram o Oscar de Melhor Curta Animado em 1994 por Bob’s Birthday (e que serviu de piloto para a série Bob & Margaret), fazem um tributo à natureza humana e ao trabalho de terapeutas, ao mesmo tempo em que desvelam, sem qualquer freio e com muito humor (inclusive escatológico, mas, digamos, de bom gosto), o lado sombrio que todos nós temos escondido em recônditos de nossa mente para onde preferimos não olhar, mas que, por vezes (se tivermos sorte, poucas vezes), vem à tona. Não é bonito de se ver, por assim dizer, mas o curta ressona muito fortemente no que eventualmente passamos em nossa vida ou vemos ao nosso redor.
E justamente para não embelezar nada, a arte de Comportamento Animal é “agressiva”, com cada animal mantendo suas características próprias, sem roupas (nada de Disney aqui) com uma leve antropomorfização apenas. Os traços são simples, mas, nessa simplicidade, deixam que o foco fiquem nos diálogos e nos desdobramentos da sessão, mantendo a curiosidade do espectador do início ao fim, em um crescendo frenético e explosivo. O resultado é uma fusão muito eficiente de forma e mensagem, um aspecto dialogando muito bem com o outro e servindo à história e à lição que tenta – e consegue – passar.
Direção: David Fine, Alison Snowden
Roteiro: David Fine, Alison Snowden
Elenco: Ryan Beil, Taz Van Rassel, Leah Juel, Andrea Libman, Toby Berner, James Kirk, Alison Snowden
Duração: 14 min.
Late Afternoon / Fim de Tarde
(Irlanda – 2017)
Texto escrito por Gabriel Carvalho.
Fim da Tarde apresenta um emocionante reencontro de uma gentil senhora às suas experiências de outros tempos. Emily, a personagem sentada em uma poltrona verde, não mais possui memórias claras do que acontecera em seu passado. Diante dessa premissa, Louise Bagnall, que também interpreta a versão mais jovem da protagonista, cria uma maravilhosa jornada de redescoberta do eu. Com isso, em decorrência da personagem possuir, supostamente – pois nada é exposto com verborragia -, uma grave perda de memória, o curta sugere que o vazio do seu próprio enredo seja preenchido, ao menos temporariamente, por relapsos do passado retornado.
Quem complementa a narrativa proposta graciosamente é Fionnula Flanagan, a versão presente da protagonista. Com a doce serenidade de sua interpretação de voz, calma, quase infantil para uma mulher no auge de sua velhice, o espectador sente a própria redescoberta ressurgir como um nascimento, uma segunda chance que passa aos olhos da mulher em minutos, vivendo tudo novamente, mais uma vez – e, quem sabe, a última. A compreensão visual que a artista possui para a sua animação, amarrando as viagens mentais à memória de Emily umas com as outras, encanta. O passado é recortado e o presente cola os pedaços em um bonito álbum de lembranças.
Nasce uma esfera abstrata ao curta, metamorfoseando-se constantemente, quase como uma pintura que transfigura suas cores em outras. Nada mais artístico que a vida, será? Então, a infância torna-se subitamente juventude, e depois aparece a maternidade como complemento e resolução. Os últimos momentos da animação, no entanto, rejeitam possíveis potenciais dramáticos a mais para explorar por mais tempo as possibilidades visuais um pouco oníricas do seu cerne. Um malabarismo gráfico aparece, menos profundo, porém, ainda encantador. Fim da Tarde, portanto, comove o espectador. Reconquista o passado por um momento e o abraça.
Direção: Louise Bagnall
Roteiro: Louise Bagnall
Elenco: Louise Bagnall, Fionnula Flanagan, Aislin Konings Ferrari, Michael McGrath, Niamh Moyles, Caoimhe Ní Bhrádaigh, Lucy O’Connell
Duração: 9 min.
Weekends
(EUA – 2017)
Sem fazer uso de vozes – assim como em Bao e Um Pequeno Passo – Trevor Jimenez nos faz viajar pela vida de um menino (ele mesmo, na verdade) cujos pais são separados, passando os finais de semana do título com seu pai em Toronto e vivendo o restante da semana com a mãe em Hamilton, Ontario. Trata-se de uma situação corriqueira, claro, mas a abordagem lírica e por vezes surreal, mas sempre muito pessoal que o diretor e roteirista emprega no curta é carregada de emoções conflitantes, de ingenuidade e de ritos de passagem que encapsulam muito bem o que pode ser essa vida “dividida” para uma criança, mesmo que os casos concretos de cada uma sejam, claro, diferentes.
Usando uma animação que emula pintura guache, notadamente para os panos de fundo, com uma tendência a estabelecer uma paleta de cores mais muda ou neutra notadamente na casa da mãe do menino, algo que é contrastado pela decoração carregada e tumultuada de objetos japoneses no apartamento do pai, Jimenez é bem-sucedido em fazer o estado de espírito do jovem ser refletido em todos os cantos. Vemos amor, sem dúvida, mas também notamos um certo distanciamento e uma perda talvez inevitável, talvez imperceptível no momento em que passamos pela situação, mas que, no acumulado e em retrospecto, está lá. Sem nos fazer desviar a atenção para o que é mais importante, o diretor cuida de animar o mínimo possível, focando nas figuras humanas e nas “viagens” literais e pessoais do filho em meio a essa vida dividida.
Animador da Pixar (Procurando Dory, Viva – A Vida é uma Festa), Jimenez usa o que aprendeu, mas cria um curta muito particular, muito seu que em nada lembra a estética da Casa do Luxo Jr., o que sem dúvida é um mérito para ele. A quebra de moldes e de expectativa, além dessa jornada pessoal, mas ao mesmo tempo universal, tornam Weekends uma pequena joia que poderia ter ficado esquecida não fosse a Academia lembrar da animação em sua premiação. Uma obra singular, simples, cheia de ternura, mas sem apelar para o sentimentalismo barato ou para fofuchices.
Direção: Trevor Jimenez
Roteiro: Trevor Jimenez
Duração: 15 min.