No Universo Expandido de Doctor Who utiliza-se o termo “side step” para designar as aventuras da Big Finish que claramente se posicionam ao longo dos acontecimentos de outras publicações sobre a série. Nesse bolo de publicações, consideramos os selos: Virgin New Adventures, BBC Past Doctor Adventures e Doctor Who Magazine. The Dark Flame é uma dessas aventuras e, mesmo que não seja ruim (como fora a outra side step do 7º Doutor ao lado de Bernice “Benny” Summerfield, The Shadow of the Scourge), faz com que o espectador boceje aqui e ali pela maneira um tanto repetitiva com que a história se organiza.
Século 26, planeta Marran Alpha e Estação Espacial Orbos. Este é o tempo e o espaço em que o roteiro de Trevor Baxendale nos situa, criando um ambiente inicialmente seguro e com um interessante mistério que se estende por todo o primeiro episódio. Aliás, se dependesse apenas da primeira parte da aventura, teríamos um resultado final bem mais interessante, porque o autor usa de maneira inteligente sua preferência por narrativas de horror e também por ambientes claustrofóbicos com tempo contado para algo ruim acontecer. Ali ele consegue jogar com o Doutor de maneira melhor ainda, pois sua presença no local tinha a ver com um paradoxo temporal, informação que claramente nos segura ao longo da jornada.
Se lembramos que o roteirista desta saga é o mesmo autor dos livros O Prisioneiro dos Daleks e Medo do Escuro, entendemos o por quê de determinadas escolhas, tanto de violência quanto de trabalho com tecnologia contra e a favor do Doutor e suas companheiras. Essas marcas literárias, porém, vão aos poucos se estendendo em demasia, o que causa, na segunda parte, um frustrante esgotamento da trama, de onde sobram as ótimas ironias do 7º Doutor e um pouco do humor tão em voga na primeira parte. Não é um segundo momento ruim, mas em comparação ao primeiro, está alguns níveis abaixo. No decorrer da história, descobrimos que o Culto da Chama Negra infiltrou agentes em todas as partes da Galáxia e espera pelas pessoas e pelo tempo certo para despertar. Como ouvi essa aventura pouco tempo depois de Nekromanteia, não pude deixar de notar algumas semelhanças como a visão historiográfica (aqui, mais para História oral) de uma antiga prática ou mesmo a forma como a força do mal (o líder Vilus Krull) vai pouco a pouco ganhando poder.
Embora Ace não esteja mal representada na história, quem realmente rouba a cena é Benny. Sua relação com o Doutor, a forma de encarar o perigo, o cinismo em situações de grande perigo, os bons planos… tudo nessa mulher grita eficiência e uma maneira majoritariamente divertida de encarar a vida, conjunto de experiências e independência bem particulares que me fazem ver em River Song ecos distantes dessa fantástica amiga do Doutor. Fica bem claro que o autor resolveu expandir as possibilidades do paradoxo temporal, alinhando-as ao quesito fantasioso da aventura, escolha que faz sentido na teoria, mas que não caiu muito bem como desenvolvimento da história.
A contagem para o Armageddon, todavia, segura com unhas e dentes o que resta do interesse do público, recompensado-o novamente no final. Quatro aliados malignos, três cientistas malucos, duas mulheres guerreiras e um Doutor. Eis aí o por quê dessa história conseguir terminar de maneira positiva, mesmo com os tropeços repetitivos na segunda parte. Tem coisas que a gente simplesmente não consegue desgostar. No máximo… gostar menos. Para mim, The Dark Flame foi um desses casos.
Doctor Who: The Dark Flame (Big Finish Mensal #42) — Reino Unido, março de 2003
Direção: Jason Haigh-Ellery
Roteiro: Trevor Baxendale
Elenco: Sylvester McCoy, Sophie Aldred, Lisa Bowerman, Steven Wickham, Andrew Westfield, Michael Praed, Hannah Smith, Toby Longworth
Duração: 116 min.