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Crítica | Super Drags – 1ª Temporada

por Luiz Santiago
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Produzida para a Netflix pelo Combo Estúdio, mesma casa de O Sur(real) mundo de Any MaluSuper Drags é aquele tipo de série com a tag “sinta os sinais dos tempos” que fica difícil de ignorar, seja pelo bem ou pelo mal. Criada por Paulo Lescaut, Anderson Mahanski e Fernando Mendonça (este último, também diretor dos cinco episódios que formam esta 1ª Temporada) Super Drags começou a chamar a atenção e gerar polêmicas antes mesmo da estreia, em 9 de novembro de 2018, sendo batizada no fogo pela Umbilicalmente Recalcada Sociedade Aparadora de Libido (URSAL). Na linha de frente, os Quixotes de sempre: extremistas religiosos, fiscais do tesão alheio, pseudo-preocupados com a moral e os bons costumes, cerceadores de liberdades individuais e preconceituosos de todas as espécies. Nada de novo dentro ou fora do armário…

Dessa vez, no entanto, os grupos foram acompanhado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (isso não é piada, pode dar um Google!) e depois por uma Nota de Repúdio de um Deputado do Acre. Sobre isso, a primeira coisa que vale destacar é que a classificação indicativa da série estava lá, para quem quisesse ver, desde o início: +16. E a segunda coisa é a frase dita ao G1 por João Coriolano Rego Barros, do Departamento de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da SBP. Tirem suas próprias conclusões sobre o que afirmou o sábio defensor dos maiores de 16 anos: “Na hora que você põe isso na forma de um desenho, na forma de super-herói, que público você vai atingir? É o adulto ou é a criança? É a criança, lógico. É a criança que vai procurar isso aí. O adulto não procura super-herói.“. Yukê?!

Bebendo em fontes populares como As Meninas Superpoderosas, Power Rangers e Sailor Moon, Super Drags acompanha alguns dias na vida de Patrick, Donizete e Ralph, três amigos que trabalham em uma loja de departamentos. Cada um deles carrega caraterísticas bem diferentes de expressão de gênero, fenótipo e expressão emotiva. A escolha dos criadores é bastante louvável nesse sentido e mostra, acima de tudo, o caráter humano desses três amigos, algo que muitas vezes as pessoas de fora (e até de dentro da comunidade LGBTQ) se esquecem. Independente de se verem inseridos em uma comunidade minoritária no que diz respeito à sua sexualidade, gênero ou diversas outras expressões queer, as personagens de Super Drags são uma representação da grande pluralidade de pessoas, de caráter, de pensamento e empatia (ou falta dela) que encontramos no meio. O Vale é muito mais complexo, birrento e diverso do que parece. Uma frase da série representa muito bem esse aspecto do nosso país Poc’stão: “Parem de nos colocar umas contra as outras, a gente já faz isso muito bem!“.

Quando se unem para dar o Close Certo, as protagonistas de Super Drags ganham status de super-heroínas adotando os nomes de Lemon Chifon (Sérgio Cantú), Scarlet Carmesim (Fernando Mendonça) e Safira Cyan (Wagner Follare). Para ajudá-las, existe uma espécie de Oráculo chamada Vedete Champagne (dublada pela gloriosa e hilária Silvetty Montilla), que com a ajuda do robô-mascote Dild-o, atribui missões às drags. A apresentação do trio principal e de mais alguns personagens centrais do enredo, como a própria Vedete, o Profeta Sandoval Pedroso da Igreja do Gozo do Céu, Goldiva (Pabllo Vittar) e Lady Elza (Rapha Vélez) é feita de forma simples, sem muitas explicações para a origem das super-heroínas ou da aceitação delas pela população. Num primeiro momento isso não tem um impacto negativo, porque o público espera melhores contextos para a existência dessa realidade, mas esse contexto simplesmente não vem. O Universo é dado como pronto, com todas aquelas caraterísticas slapstick que, nesse caso, abraçam o humor ácido e são permeados por algumas piadas realmente engraçadas, pelo pajubá (alô alô ENEM 2018!) e por referências memísticas dignas de aplausos.

No capítulo de introdução, Hora do Lipsync, há uma cena que me incomodou. Um “terrorista” desacordado, no fundo de um lago, tem seus bagos voluptuosamente apalpados e segurados pela Lemon Chifon. Considerando a proposta da série, até a drag deixar o bandido ir embora porque ele era muito gatinho é aceitável, mas não dá para normatizar o “pequeno abuso” não é mesmo? A não ser que o espectador seja o tipo de gente que diz frases do tipo: “ah, mas foi só uma brincadeira“, “para de ser chato“, “ninguém pode fazer mais nada nesse mundo“. Se a gente, em uma luta paralela à das mulheres contra todo tipo de abuso, grita alto contra a mesma atitude cometida por homens heteros, é lícito que o mesmo rigor de contrariedade seja utilizado quando cometido por alguém do Vale. Kevin Spacey que o diga. Há um outro ponto que vi reclamarem em redes sociais, que é a estereotipação do personagem de Donizeti, com sua mala sempre em destaque na tela. Quanto  a isso, porém, é preciso chamar a atenção para o fato de que a série é uma verdadeira pirocolândia, com frases, representações no corpo, em objetos e em jogos de luzes de todo tipo, tamanho e status de pênis, dos joaninus dorius aos petrificus totalus. Então não é uma estereotipação do Donizeti. É uma necoscolha dos criadores da série para esse Universo como um todo.

A animação tem bons traços e uma montagem que, ao menos nos três primeiros episódios, segura bem o ritmo de humor, referências às mais diversas brasileirices (Seu Piru, grávida de Taubaté, Ana Carolina, Hebe Camargo, Sangalo Schneider do reality show Glitter, personalidades do extremismo evangélico no Brasil e por aí vai). O problema é que o roteiro não consegue tornar orgânico o ciclo de retornos ou contatos entre os personagens. Por exemplo, o chamado de Vedete para as drags, a frase “Dild-ooooo, introduza!” e a costura compreensível, mas mal trabalhada, que é a relação entre o show da Goldiva — cancelado por uma ação do Profeta Sandoval na prefeitura — e as magias ou planos de Lady Elza para chupar o Highlight, a energia vital das gays. Por mais que existam momentos genuinamente engraçados em todos esses pontos, os roteiros falham em deixar essa conexão fluída, sendo muitas vezes também cansativa. Até os ótimos Imagem é TudoA Cura Gay sofrem desse tipo de problema, mas nada comparado aos dois últimos episódios da temporada, Seja Quem Você É e principalmente Numa Só Voz, definitivamente o pior capítulo da temporada, com um roteiro cansativo, diálogos preguiçosos, estranhamente expositivos (contrariando o que a série tinha entregue antes) e uma uma enrolação incompreensível para colocar Goldiva em ação. A temporada merecia um Finale melhor.

A despeito de seus problemas, porém, Super Drags é uma série que expõe os muitos tipos de pessoas, gírias e problemas que a comunidade LGBTQ conhece aqui no Brasil. Há espaço para as bi, sapatas e bichas pretas e brancas; as ricas e pobres; as heteronormativas babadeiras e as babacas; as gordas e as magras; as pintosas em diversos graus e até as preconceituosas ou sem consciência alguma de seu pertencimento a um grupo social (ultimamente temos conhecido muitas delas, certamente filhotes de Lady Elza). Eu realmente espero que a série seja renovada e que, com mais episódios, os roteiristas consigam construir melhor as ameaças e as personagens. Mesmo com uma temporada de estreia medíocre, Super Drags faz História, tanto pelo que diz e pelas caras que coloca no Sol, quanto por ser a primeira animação brasileira da Netflix com tema bafo como esse, justamente num tempo de acuendações gerais como os nossos. Destruidoras mesmo, hein…

Super Drags – 1ª Temporada (Brasil, 9 de novembro de 2018)
Criadores: Paulo Lescaut, Anderson Mahanski, Fernando Mendonça
Direção: Fernando Mendonça
Roteiro: Vânia Matos, Chico Amorim, Fernanda Brandalise, Marcelo Souza, Paulo Lescaut
Elenco: Sérgio Cantú, Wagner Follare, Fernando Mendonça, Pabllo Vittar, Silvetty Montilla, Rapha Vélez, Sylvia Salustti, Suzy Brasil, Guilherme Briggs
Duração: 30 minutos (cada episódio)

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