Livros, peças, músicas, quadrinhos, filmes… diversas manifestações artísticas já trataram do tema da chegada da maturidade para alguém. Por ser amplo e, a rigor, não ter uma exata idade para que os rituais de passagem ocorram ou façam efeito — afinal, amadurecemos de tempos em tempos — o filão dos coming of age pode servir para discutir uma série de situações típicas de uma certa idade. No caso de Buraco Negro (2018), acompanhamos a chegada de Victor à casa dos 30 anos e o anúncio da gravidez de sua namorada, que juntamente com o projeto de segundo livro do novo trintão, bagunçará por um bom tempo os pensamentos e as ações do personagem, entrando em um cenário bastante perigoso.
Filmado em preto e branco — segundo o diretor, mais por uma questão de barateamento da película, diante dos cortes de investimentos do que por intenção estética –, Buraco Negro mostra o distanciamento de Victor (Victor Arauz) de suas responsabilidades mais imediatas, ou seja, a preparação para a grande responsabilidade de ser pai e um forte investimento de tempo na conclusão de seu livro. O trabalho, a questão familiar, os embates com a sogra e a relação cada vez mais difícil com sua parceira são problemas que o protagonista não consegue resolver. Lados que não consegue escolher. E para piorar, ele entra em um tipo de segunda adolescência, num jogo de encontros, paquera e laços que podem direcionar suas atitudes para julgamentos e olhares nada bons.
O curioso aqui é que o roteiro constrói a personagem Valentina (Marla Garzón) com uma dupla vertente de significados. Ela tanto pode ser a paquera desmedida e um tanto platônica de alguém que não pode relacionar-se com ela legalmente, mas também a ponte inesperada do ritual de passagem desse mesmo homem. Ele está esperando uma filha e, de certa forma, as conversas, o olhar, o comportamento em relação a Valentina também podem ser vistos com uma relação de cuidado, de carinho apenas. Mas é claro, isso não é algo simples de se ver e nem socialmente normal. Não é algo para o qual o “benefício da dúvida” é dado. Victor encontrou o menos indicado objeto de desejo e de passagem para amadurecer. E o roteiro de Araujo e Hanne-Lovise Skartveit não nos deixa esquecer disso um só momento.
Aos poucos, porém, essa relação deixa de ser algo com um propósito maior e passa a dominar um espaço do filme que não deveria. Ao final dessa jornada, o texto volta a atenção de novo para Victor, mas já atrelada e um elemento que realmente não fez bem ao longa. O tom fabular, sonhador e subjetivo que é dado ao personagem no exercício de sua função como escritor — vide aquele visgo que sai dele, como símbolo de sua autenticidade, toda vez que escreve algo “de dentro” — não encontra um real respaldo no filme, tampouco a ligação (visualmente maravilhosa, mas textualmente vaga) do protagonista diante de um buraco negro, tendo que lidar com essa relação que tanto o marcou, atraiu e diante da qual a sua maturidade dará a devida força para se afastar e se entender como alguém na casa dos 30 anos, com uma filha a caminho e um outro estilo de vida para seguir.
A beleza do aprendizado é um dos grandes ganhos do filme e a direção de Diego Araujo é funcional, tendo no longa um grande número de referências (O Apanhador no Campo de Centeio, The Cure, Jules e Jim) que nos ajudam a cercar uma atmosfera de tempos se chocando, de realidades e necessidades que não se combinam à primeira vista mas que, com o ajuste certo de uma mente que se vê com a idade que tem, pode muito bem compor o novo homem, agora pronto para enfrentar os desafios de uma nova década e com bagagem suficiente para enfrentar os desafios da próxima crise etária.
Buraco Negro (Agujero Negro) — Equador, República Dominicana, 2018
Direção: Diego Araujo
Roteiro: Diego Araujo, Hanne-Lovise Skartveit
Elenco: Victor Arauz, Daniela Roepke, Marla Garzón, Alejandro Fajardo, Cristina Morrison, Nicolás Andrade, Anahí Hoeneisen, Yasser Michelén, Diego Mignone, Marisol Romero
Duração: 102 min.