Aviso de spoiler: O artigo é sobre spoilers e o autor reclama sobre spoilers.
Vivemos em um mundo cinético, excessivo, em que todos têm opinião sobre tudo e, mais ainda, todos têm potencial acesso a tudo por meio da internet. Faz parte dos tempos atuais e é, diria, um caminho sem volta, mas que precisa de serenidade e, acima de tudo, maturidade para realmente funcionar e são essas qualidades que não vejo muito por aí. Muito ao contrário, só vejo sofreguidão, ansiedade e, dentro das áreas do entretenimento abordadas aqui pelo Plano Crítico, uma vontade imparável de conhecer cada microscópico detalhe de todos os filmes e séries de TV antes que eles cheguem às telonas e telinhas. E não falo dos spoilers clássicos, como revelar o final de um filme ou uma reviravolta inesperada, mas sim de cada um dos mínimos detalhes de cada passo de uma produção, desde o elenco (não só do principal), passando pelos figurinos e, claro, desaguando em cada cena ou potencial cena que acontecerá. É o fim completo de todo e qualquer traço de surpresa.
E isso é culpa nossa, mas não só nossa. Afinal, caçamos essas informações, tornando-as “relevantes” e, com isso, fazendo com que sites de notícias as cacem – ou as repliquem de outros, o que é mais comum, por vezes até “copiando e colando” artigos quase que por inteiro, mas essa é outra história – com mais veemência ainda e, pior, alterando a forma com que um filme ou uma série é vendido ao público ou por vezes até alterando sua produção. Somente à guisa de exemplo, usarei o filme solo do Coringa com Joaquin Phoenix encabeçando o elenco. Primeiro, o diretor soltou uma imagem do ator como o personagem pré-Palhaço do Crime. Nem bem um dia depois, Philips soltou um teste de câmera com o ator já com a maquiagem – final ou não – do vilão. A isso seguiram-se fotos vazadas por paparazzi e assim por diante. Logicamente que começaram os “especialistas” internéticos a adorar ou a odiar o novo Coringa, sempre tendo o que falar sobre tudo em uma espécie de “competição” para ver quem fala mais. E isso se repete agora, com Coringa 2, claro, além de basicamente todos os filmes de grande hype que estão na linha de produção.
Ou seja, nós queremos saber de tudo antes e os estúdios aproveitam isso para fazer marketing barato, para girar a máquina do hype sem gastar centenas de milhões de dólares em divulgação. Entregar detalhes de filmes e séries – para muito além do material clássico de divulgação – tornou-se uma forma de chamar atenção para o vindouro produto ao ponto que eu não duvidaria nada que, se Seven: Os Sete Crimes Capitais fosse lançado hoje, todo mundo saberia o que tem dentro da caixa antes de colocar os pés no cinema. Quem começou isso primeiro é a discussão do “ovo e a galinha”, mas o fato é que vivemos em um momento em que tudo o que chega aos cinemas ou à televisão já foi examinado profundamente, replicado em todos os lugares a ponto de qualquer um seja basicamente obrigado a ver (sim, porque eu detesto redes sociais, passeio muito pouco por elas e mesmo assim volta e meia me deparo com fotos vazadas e informações que preferia não ter), algo que é ajudado sobremaneira pelos estúdios que, inclusive, já desistiram de produzir trailers misteriosos sobre filmes, daqueles que dão apenas pistas do que vem, mas escondem o principal (chato como sou, parei de ver trailers há anos, mas outro dia vi o de Ghostbusters: Apocalipse de Gelo totalmente sem querer e notei que todas as participações especiais foram devidamente reveladas, retirando justamente o que elas tinham de especial).
Com isso, cria-se uma ciranda decupadora de filmes e séries que envolve, dentre outros, (a) competição para quem consegue o “furo” primeiro, com diversos insiders aparecendo do nada e tirando informações de registros de URLs, de protótipos de brinquedos e de qualquer fonte não verificada; (b) um infinito número de teorias que vão desde o óbvio até ideias tiradas do fundo do baú; (c) discussões acaloradas e divisivas sobre o que sequer foi lançado; (d) desmembramento de cada imagem e de cada trailer (algo que um dia, aqui no site, fizemos, mas paramos de fazer justamente para não entrar nessa ciranda); (d) reclamações sobre isso ou aquilo e mais uma infinidade de outras questões que transformam o consumo do audiovisual algo que vem carregado de tanto conhecimento prévio – falso ou verdadeiro, não importa – que a experiência, em si, acaba ficando em segundo plano e, pior, alvo de pré-julgamentos das mais diversas naturezas. E, no meio disso tudo, o consumidor torna-se ansioso e, com imagens, vídeos e teorias variadas, alguém que fatalmente receberá um produto que não corresponderá às suas expectativas para o mal ou para o bem. Afinal, já vi gente reclamando que cenas usadas em trailers não apareceram nos filmes e, absurdamente, que teoria X, Y ou Z não se concretizou.
Claro que tem gente que afirma coisas como “Ah, mas eu não me importo com spoilers” ou “Eu gosto mesmo de saber tudo sobre minha franquia predileta antes do lançamento” ou, ainda, “Eu adoro criar teorias sobre o que ainda não chegou à TV e a Cinema” e, em princípio, não há mesmo nada de “errado” com isso. Mas como é que saber de cada detalhes de um filme ou série – detalhes que vão desde mega spoilers do tipo fulaninho vai morrer até bobagens como o uniforme do Wolverine terá mangas (que, claro, gerou reclamações e indignações internéticas…) – não reduz o impacto da primeira experiência com aquela obra? Como é que criar teorias mil não gera ansiedade e cria expectativas muitas vezes irreal, transformando a experiência em um processo de validação? E o problema passa a existir quando a coisa vira obsessão, pois é nesse ponto que estamos chegando ou já chegamos há muito tempo e eu tenho medo de ser tão categórico. E tudo isso por causa de filmes e normalmente filmes de super-heróis ou de outras franquias badaladas, nunca, claro, algo que faça realmente pensar ou refletir.
Isso não vai mudar, sei muito bem. Afinal, como disse, faz parte de uma estratégia de marketing baratinha é fácil de executar. Se alguma coisa, essa sofreguidão só aumentará em uma escalada de retroalimentação que não vejo com bons olhos, pois os resultados estão aí já para quem quiser ver: filmes e séries que são pré-julgados, expectativas a mil que geram decepções profundas e um fanatismo raivoso que invade as redes com uma intensidade autodestrutiva. Quem perde, com isso, é a boa e velha experiência audiovisual, seja no cinema ou no conforto do lar.
E você, o que acha disso?