Até hoje sou apaixonado pela versão original de Ducktales, de 1987, e tenho um fascínio pelas obras de Carl Barks e Don Rosa, dois artistas que construíram muito do que hoje é parte essencial da mitologia da família Pato. A Saga do Tio Patinhas, de Rosa, é uma das melhores coisas que já li na vida e o protagonista é o meu personagem favorito de todo o Mundo Mágico (tenho medo de usar a palavra “monopólio” e acordar com um rato animado me espancando até a morte) da Disney. E como deu pra notar, eu fiquei bem empolgado com a ideia de trazerem de volta a série, agora com um olhar bem mais moderno e muitas alterações que talvez tenham até melhorado alguns aspectos do desenho clássico.
Uma das maiores preocupações dos fãs envolvia a música-tema de Mark C. Mueller, que é marcante até hoje e se você não gosta é provavelmente um atestado de que não podemos andar juntos no parquinho. A nova versão, de Felicia Barton, mantém a energia e a alegria cativante da harmonia e talvez seja até um pouco mais animada e explosiva. O estilo de animação, que também era uma preocupação, ainda mais em tempos de mudança no traço de tantas séries adoradas que fizeram um retorno, acabou sendo um dos pontos altos. Limpo e fluído, pode não ser extremamente detalhado mas é expressivo e dá pra ver as referências à linguagem dos quadrinhos, como o pontilhado usado no sombreamento de algumas cenas. Isso é mais evidente na incrível cena de abertura, onde temos um Patinhas nadando em suas moedas enquanto algumas sequências memoráveis dos quadrinhos alternam e passam ao fundo.
E aproveitando que já estou em território de referências, a série tem vinte e três episódios e em quase todos temos alguma participação especial de um personagem adorado pelo público. O mais interessante disso é que eles não surgem apenas em uma menção honrosa, acabam sendo relevantes para a trama, principalmente no último episódio, onde a maioria deles mostra porque estão ali.
Para um remake como este é necessário que algumas mudanças sejam feitas. A mais importante foi atualizar alguns personagens para os dias de hoje. Todos continuam com suas características básicas, mas alguns tem mudanças visíveis. A Madame Patilda (Mrs. Beakley, no original), por exemplo, é completamente diferente de sua versão clássica. Se antes ela era a governanta gentil e despreocupada na versão de 1987, em 2017 foi transformada em uma ex-espiã que conheceu Patinhas em uma de suas missões, e agora trabalha como a governanta mais durona e com uma força descomunal. Patinhas deixou que Patilda levasse sua neta, Patrícia (Webby), para morar com ela. Patrícia é também completamente diferente de sua versão original, trocando lacinhos na cabeça e um comportamento delicado e estereotipado de personagem que serve apenas para ser salva (ela até ajuda uma vez ou outra na versão clássica, mas dá pra contar nos dedos do pé esquerdo) por uma criança aventureira e fascinada pelas jornadas da família Pato, principalmente Donald, mesmo que ele não seja o pato mais corajoso do mundo de primeira.
Essas mudanças não são apenas uma maneira de atualizar a série para os dias de hoje, com personagens femininas em evidência, por exemplo, mas uma oportunidade de construí-los como personagens mais verdadeiros e únicos e não só acompanhantes de Patinhas em suas viagens à procura de novos territórios e criaturas — e se der tempo, por que não um pouco de ouro?
Quem mais se beneficiou com essas alterações foram os trigêmeos: Huguinho, Zezinho e Luizinho (Huey, Dewey, Louie, respectivamente). Uma piada constante nos quadrinhos é que os irmãos são tão parecidos que até seus balões de fala se misturam e é como se todos dissessem a mesma coisa ao mesmo tempo. Isso pode ser engraçado de primeira mas faz com que todos deem menos importância a eles depois de um tempo. Agora os trigêmeos têm personalidades únicas e até um visual distinto. Huguinho, por exemplo, é o que mais segue o lema escoteiro e acaba sendo o certinho do grupo; Zezinho gosta de chamar atenção e contribuir com comentários sarcásticos; Luizinho é o mais malicioso do grupo, fugindo muitas vezes do perigo com sua lábia.
É bom saber que Donald continua com a sua dublagem clássica, o que o deixa ininteligível. Ele tem mais nuances que a sua versão original, aqui você vê sua tristeza no olhar quando as crianças passam a perceber que tipo de pessoa Patinhas pode ser. E deixando a estrela pro final, Patinhas é menos caricato e mais um comentário na figura que ele sempre representou, ele não é resumido apenas em um muquirana resmungão, há muito mais no personagem. Ao longo da temporada algumas informações são reveladas lentamente sobre o drama principal da série, envolvendo o desaparecimento da mãe dos trigêmeos.
Aproveitando a oportunidade de estar falando de personagens tão icônicos e já que mencionei a dublagem, os nomes escalados para emprestar suas vozes para a série é incrível. Além de Tony Anselmo voltar com seu Donald, temos o 10º Doutor, David Tennant, incorporando Patinhas muito bem. Um de seus inimigos, Pão-Duro Mac Môney (Flintheart Glomgold), está na sua versão mais hilária até o momento, dublado por Keth Fergusson. Os trigêmeos tem comediantes que eu gosto bastante, como Danny Pudi, da série Community, fazendo Huguinho, e Ben Shwartz, de Parks and Recreation, na pele de Zezinho. Curioso como o ator que menos me interessava no elenco, Bobby Moynihan, mais conhecido por fazer parte da equipe do Saturday Night Live, acabou fazendo Luizinho o meu favorito do novo núcleo mirim. Kate Micucci, a nova Patrícia, parece mais uma versão controlada do que Kristen Schall faz em Gravity Falls, com sua Mabel. Não é um negativo, só uma semelhança mesmo.
Eu sei que estou bastante tempo mencionando nomes, mas os envolvidos nessa série são algumas das minhas pessoas favoritas, como Jim Rash, também de Community (deu pra notar que gosto dessa), Allison Janney ou Lin-Manuel Miranda, que só fez o maior sucesso da Broadway no momento: Hamilton.
Com episódios de pouca duração, comuns para animação, Ducktales entrega em sua maior parte uma aventura divertida, com mistérios intrigantes, mas entre uma pérola ou outra, você acaba encontrando uns tropeços bem feios, algumas tentativas de desenvolver o arco de uma personagem nova que serve para apresentar uma certa “Maga”. Depois de um tempo, as coisas ficam bem mais consistentes e essa trama se mescla bem no meio das outras, mas é quase doloroso ver episódios como Daytrip of Doom e Terror of the Terra-Firmians!, esses dois tem um enredo sem graça e os personagens parecem escritos por alguém que não sabe muito bem o que está fazendo. Mas as coisas começam a ficar com a cara de Ducktales a partir do seu sexto episódio, The House of the Lucky Gander, com a primeira aparição da nova versão do primo Gastão (Gladstone Gander), e uma participação maior de Donald. Nos episódios The Golden Lagoon of White Agony Plains! e The Secret(s) of Castle McDuck! o que não falta é referência aos quadrinhos, além de serem alguns dos melhores da temporada.
Talvez eu devesse ter feito uma crítica de cada episódio da série ao invés de uma da temporada inteira, isso porque eu sinto que provavelmente vou esquecer algo, porque Ducktales foi um dos meus eventos favoritos dos últimos anos. Espero que Patinhas e sua família continuem por muito mais temporadas, e se depender da quantidade de tramas abertas e estabelecidas para alguns personagens, vamos poder cantar a abertura por um bom tempo.
DuckTales — 1º Temporada (EUA, 12 de agosto de 2017 a 18 de agosto de 2018)
Criadores: Francisco Angones, Matt Youngberg
Direção: John Aoshima, Dana Terrace, Matthew Humphreys, Tom Owens, Matt Youngberg, Tanner Johnson
Roteiristas principais: Francisco Angones, Rachel Vine, Madison Bateman, Robert Snow, Christian Magalhaes, Colleen Evanson, Noelle Stevenson, Ben Joseph
Elenco: Danny Pudi, Ben Schwartz, David Tennant, Bobby Moynihan, Kate Micucci, Beck Bennett, Keith Ferguson, Tony Anselmo, Toks Olagundoye, Eric Bauza, Kimiko Glenn, Josh Brener, Catherine Tate, Jim Rash, Kari Wahlgren, Lin-Manuel Miranda, Margo Martindale, Fred Tatasciore, Sam Riegel, Jennifer Hale
Duração: 23 episódios de 22 minutos