– Há spoilers. Leiam as críticas dos demais episódios de Manto & Adaga, aqui.
Em seu quarto episódio, Manto & Adaga continua a tomar seu tempo para tecer cuidadosamente as tramas de seu interessante elenco de personagens. Investindo novamente em uma estrutura narrativa alinear, o capítulo alterna não apenas entre as perspectivas de Tandy (Olivia Holt) e Tyrone (Aubrey Joseph), mas também intercala cenas dos encontros entre os personagens com os desfechos e efeitos transformativos das decisões tomadas a partir deles. Optando por fazer algo que é tão simples quanto raro em cenários do tipo do que a série vem apresentando, os adolescentes decidem conversar abertamente sobre tudo o que tem se passado desde que suas misteriosas habilidades voltaram a se manifestar, tentando desvendar o sentido desse vínculo inexplicável do qual compartilham.
Com isso, a premissa central do episódio acaba sendo a de explorar as transformações advindas desse encontro fatídico e do exame conjunto que os jovens realizam sobre as intensas experiências mentais mostradas em Stained Glass. Nessas conversas, o paralelo entre os poderes e os dramas pessoais dos jovens é explicitado: Tyrone descreve uma Tandy que só quer fugir, e ela retruca dizendo que ele deseja uma vingança cega. A garota em busca de fuga recebe uma arma para se vingar, o rapaz em busca de vingança, a habilidade de fugir para longe.
Para o espectador pode parecer um exercício em alguma medida redundante revisitar esses temas, sendo que na semana passada um episódio inteiro foi dedicado a explorá-los tão bem. Por outro lado, também é importante notar o ganho da narrativa em tomar o tempo necessário para explorar o modo como nossos protagonistas foram afetados por suas experiências oníricas, sendo que tomar por subentendido o aspecto transformativo do encontro poderia ser um belo passo em falso no desenvolvimento de personagem da dupla.
Praticamente toda linha dos diálogos travados entre os futuros Manto e Adaga são bem escritos e convencem como falas de adolescentes, o que é um ponto importante para sua caracterização. É bem interessante o misto de temas maduros com a completa ingenuidade em determinados momentos, sendo que ambos Tyrone e Tandy conseguem ser representados com destaque para suas fraquezas sem com isso incorrer em cenas de dramalhão. Com a narrativa focada em suas falhas desde sua introdução, a produção consegue humanizá-los na medida certa para que seus dramas pessoais permaneçam envolventes sem cair na auto-indulgência.
Por sua vez, as tramas paralelas de cada núcleo desenvolvem bem personagens que marcaram presença desde o início, mas dos quais ainda sabíamos muito pouco. Continuando com a tradição de brincar com as expectativas relativas aos clichês que os envolvem, a exploração de Otis (Miles Mussenden) e de Greg (Gary Weeks) não só trazem desenvolvimentos interessantes para os arcos pessoais dos protagonistas, mas também avançam a trama central da temporada de forma significativa.
É bem legal descobrir, por trás da figura até então retraída de Otis, um lado inspirado e vivaz em seu vínculo pessoal com seu grupo de Mardi Gras. A construção da cena é especialmente bem realizada, criando a expectativa terrível de que ele vá levar Tyrone novamente para a delegacia de polícia, apenas para mostrar sua até então insuspeita sensibilidade. É genial a jogada de fazer do manto de Tyrone a fantasia deixada incompleta por Billy, trazendo mais um elemento interessante para a mitologia do personagem e fazendo novamente bom uso da opção em situar da série em Nova Orleans.
Na frente da família Bowen, por sua vez, temos uma exploração bastante emotiva da relação entre Tandy e Greg, o namorado de sua mãe. Mostrado como uma figura suspeita desde o início, especialmente a partir da perspectiva de Tandy, o episódio mostra a jovem fazendo um bom uso de seus poderes para se assegurar das reais intenções do advogado. Não é a perspectiva ideal para relações sociais, mas para alguém que reconhece ter extrema dificuldade em confiar minimamente em qualquer pessoa, trata-se de um recurso interessante e de um momento breve de amadurecimento para a personagem.
Infelizmente para Greg, a parceria investigativa dos dois chega rapidamente ao fim, com a literal queima de arquivo efetuada a mando da Roxxon. Ao mesmo tempo em que representa uma nova tragédia para a pobre família Bowen, o desfecho nos lembra que, afinal de contas, podemos esperar da temporada que traga a parceria de Manto e Adaga na luta para expor e derrubar a corporação infernal. Por mais que a construção de personagens esteja sendo feita de forma tão boa, uma boa dose de ação super-heróica contra a Roxxon será muito bem-vinda! Nesse sentido, surpreende que o episódio não acabe por ali, e nesse ponto a narrativa intercalada acaba tendo um pequeno problema de fluidez, com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, porém por sorte nada que altere no impacto emocional do desfecho duplo do episódio.
Call/Response segue com roteiro e direção bem alinhados garantindo o clima único e envolvente deste canto do Universo Cinematográfico Marvel. Depois de tentarem a solução sugerida pelo outro, Tandy e Tyrone passam a buscar um jeito próprio de lidar com seus próprios demônios, requisito para que possam se abrir para uma pareceria onde suas habilidades se complementem — cuja ausência provavelmente é representada na cena em que eles tentam se tocar e acabam se repelindo. Enquanto cada um não conquistar minimamente sua luz e escuridão internas, a parceria não funcionará, e será muito interessante ver como os próximos desenvolvimentos da trama possibilitarão esse desenvolvimento.
Manto & Adaga (Cloak & Dagger) – 1X04: Call/Response — EUA, 21 de junho de 2018
Criador: Joe Pokaski
Direção: Ami Canaan Mann
Roteiro: Christine Boylan, Marcus J. Guillory
Elenco: Olivia Holt, Aubrey Joseph, Gloria Reuben, Andrea Roth, Miles Mussenden, Gary Weeks, Noëlle Renée Bercy, Luray Cooper, Gralen Bryant Banks
Duração: 49 min.