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Crítica | Doctor Who: Os Monstros Internos, de Stephen Cole

por Rafael Lima
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Doctor Who não é apenas uma série sobre viagens no tempo, mas também sobre viagens interplanetárias. Na TV, o Nono Doutor esteve no espaço algumas vezes ao lado de Rose, durante a temporada de estreia, mas sempre a bordo de naves e estações espaciais, que se mantinham muito próximas da Terra. A Nova Série só visitaria um planeta alienígena em New Earth, premiere da 2ª Temporada, e já com o Décimo Doutor no comando da TARDIS. Mas isso não significa que aquela foi a primeira vez que Rose Tyler pisou em solo alienígena, como a própria série parece apontar. A história da primeira visita da garota de Powell Estate longe do seu mundo azul ficou a cargo do Universo Expandido, mais precisamente do livro Os Monstros Internos.

Situado entre os episódios World War Three e Dalek, o romance de Stephen Cole tem início com o 9º Doutor atendendo ao pedido de Rose de levá-la para conhecer um planeta alienígena. Mas enquanto a garota está exultante por estar pela primeira vez em um mundo que não é a Terra, o Doutor está preocupado pela TARDIS ter sido aparentemente “puxada” para fora do curso antes de atingir o destino programado. Logo, a dupla descobre que está em um dos planetas de Justicia, um sistema solar usado como uma colônia penal usada para lidar com os criminosos da Terra e suas colônias. Antes que possam sair, os dois são capturados por uma patrulha local e enviados para planetas diferentes de Justicia, acusados de invasão. O Time Lord é enviado para Justiça Prime onde são mantidos os criminosos alienígenas, forçados a ceder seus conhecimentos científicos para a Terra; enquanto Rose é mandada para Justiça Beta, que funciona como uma prisão para delinquentes juvenis terráqueos. Enquanto tentam encontrar meios de escapar, o Doutor faz estranhos aliados em Justiça Prime, enquanto Rose passa a desconfiar que conhecidos inimigos possam estar no controle da prisão.

Devo reconhecer que a impressão inicial que tive com Os Monstros Internos não foi muito boa. O início mostrando o deslumbramento de Rose por estar em outro planeta, aproveitando cada detalhe como a coloração diferente do céu, a gravidade levemente menor que a da Terra, e até a beleza de uma flor alienígena é muito bem escrito, nos remetendo diretamente àquela Rose da TV em “início de carreira” que se via encantada ao perceber que estava pisando o chão do Século XIX. Mas após essas duas páginas iniciais, o livro despeja uma série de acontecimentos em pouco menos de dez páginas, onde o Doutor percebe que a TARDIS não deveria estar ali, a dupla encontra um campo de trabalhos forçados, é atacada e imobilizada pela força policial e rapidamente separada. É o tipo de agilidade que parece caber bem em um roteiro de TV, em uma cena que antecederia os créditos de abertura, mas que no formato literário soa desnecessariamente apressada, passando uma impressão ruim ao leitor.

Felizmente, é somente a impressão inicial, já que depois disso o livro entra em um crescendo fantástico. O Doutor e Rose passam separados na maior parte do livro, reencontrando-se somente no clímax, o que é ótimo, não só pela dupla estar em ambientes totalmente diferentes, com conflitos diferentes, mas por desenvolverem independência dramática, mesmo que nunca esqueçam um do outro.

Justiça Prime, onde o Time Lord foi aprisionado (tendo como colegas de cela dois Slitheen) é retratada como uma prisão altamente tecnológica e clean, onde os guardas são esferas robóticas. O planeta funciona como um campo de trabalho científico forçado, onde além dos dois Slitheen (falaremos deles mais á frente) duas figuras se destacam; A Dra. Lazlee Flowers, que chefia o laboratório onde os prisioneiros trabalham, e a Cônsul Isabel, que é a diretora deste planeta-prisão. Flowers tenta obter condições de trabalho melhor com seus prisioneiros, e estabelecer com eles uma relação de respeito mútuo, dizendo que o projeto de “campo de trabalhos científicos forçados” para criminosos alienígenas pode trazer um bem para a humanidade. Isabel, por sua vez, pouco parece se importar com o bem estar de seus prisioneiros, estando obcecada que eles terminem um “projeto de estudo de gravidade” dentro de um prazo estipulado.

As passagens situadas em Justiça Prime são incríveis, por mostrar como o Doutor vai assumindo o controle da situação de modo a se tornar praticamente indispensável no projeto principal da prisão, ao mesmo tempo em que vai desvendando as reais intenções do tal projeto principal e os segredos daquele lugar. Cole capta bem a persona do 9º Doutor através de seu humor seco e sua empatia quase desesperada, quando presencia uma injustiça. Sua capacidade em inspirar aqueles à sua volta em saírem da apatia (uma constante em sua única temporada na TV) também surge através do arco dramático de Flowers.

Rose, por sua vez, é enviada para um ambiente bem diferente. Justiça Beta poderia perfeitamente ser um reformatório da Terra, e não um que sirva de modelo. A garota deve lidar com guardas abusivas e prisioneiras valentonas que querem mostrar quem manda, e ainda investigar o mistério do desaparecimento de alguns detentos, o que leva Rose a encontrar indícios de que o diretor possa ser um Slitheen disfarçado.

Mas a jovem lida muito bem com tudo isso. De fato, o autor usa esta aventura como um ponto de virada para a personagem, que consegue lidar com a maioria dos problemas que surgem, sem a ajuda do Time Lord. E a companion não faz isso pensando “O que o Doutor faria?”, mas usa suas próprias experiências para sobreviver ao ambiente hostil do reformatório (onde ela logo percebe, nem todos estão presos justamente, o que se aplica a todo o sistema Justicia). Como a própria Rose lembra, em muitos aspectos, a prisão onde está não é tão diferente da escola (que ela não terminou, diga-se de passagem). Assim sendo, Rose sabe muito bem como se virar com Bullies e, em uma sequência brilhante, consegue criar caos no refeitório ao iniciar uma guerra de comida com o intuito de verificar a sua teoria sobre o diretor ser mesmo um alien disfarçado.

Falando sobre os Slitheen, eu diria que este é o melhor uso dos personagens que já vi em qualquer mídia até então. Apesar de ainda ser uma família de criminosos (aqui representada pela dupla de irmãos que divide a cela com o Doutor), Stephen Cole parece dar-lhes muito menos crédito como ameaça do que Russel T. Davies deu na TV. Claro, os Slitheen ainda são perigosos e geniais a seu próprio modo, e não são o tipo de gente que o Doutor pode confiar. Sua parceria cheia de desconfiança com o Doutor gera momentos hilários, inclusive. Mas decididamente eles funcionam mais como alívio cômico do que uma ameaça ao Universo. Já os grandes rivais dos Slitheen, os Blathereen estão em outro nível.

Da mesma raça que os Slitheen (me reservo o direito de não escrever o nome impronunciável desta espécie) os Blathereen são fisicamente muito parecidos com seus rivais, excetuando a cor da pele, que é cinza. Mas diferente dos Slitheen, os Blathereen são muito mais organizados. Os Slitheen são uma quadrilha de rua, os Blathereen são uma máfia. Eles não tem os problemas com gazes que seus rivais tem, e podem se esconder em qualquer corpo, magro ou gordo, grande ou pequeno (embora o maravilhoso detalhe do zíper na testa seja mantido). Isso cria uma sensação de tensão instantânea que os Slitheen nunca tiveram na TV devido ao seu problema de flatulência, já que qualquer um pode ser um Blathereen disfarçado.

Apesar do começo acelerado demais, Os Monstros Internos se recupera rápido, tornando-se uma leitura magnética, que mistura com bastante competência momentos de pura tensão, ação alucinante, e um humor muito bem empregado, em uma trama cheia de reviravoltas onde temos os dois protagonistas separados por 95% da narrativa, criando dois plots que se mantém sempre conectados, apesar das diferentes ambientações, e que convergem de forma espetacular em um clímax explosivo, quando a dupla enfim se reencontra. A obra de Stephen Cole embora aborde algumas questões interessantes sobre o descaso do governo (neste caso, o governo da Terra) com o seu sistema prisional dentro de um cenário de ficção científica, está mesmo interessada em contar uma boa história de ação e suspense envolvendo infiltração alienígena, atingindo esse objetivo com louvor. A primeira visita de Rose Tyler a um planeta alienígena talvez não tenha sido tão prazerosa para ela quanto a garota esperava, mas vai ser para o leitor.

Observação: no episódio Boom Town, exibido após a publicação deste livro, Rose menciona ter visitado o Sistema Justicia, em um raro reconhecimento da Série de TV ao Universo Expandido.

Doctor Who: Os Monstros Internos (The Monsters Inside) — Reino Unido. 19 de Maio de 2005.
Autor: Stephen Cole
BBC New Séries Adventures # 2
Publicação: BBC Books
253 Páginas.

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