Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 1X11: Boom Town

Crítica | Doctor Who – 1X11: Boom Town

por Rafael Lima
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O roteiro de Boom Town foi o último texto da primeira temporada a ser entregue, já que a história originalmente encomendada para o décimo primeiro episódio não foi terminada a tempo. Impressionado com a atuação de Annette Badland no arco Aliens Of London/ World War Three, o showrunner Russell T. Davies decidiu escrever uma trama trazendo o retorno da personagem da atriz, Margaret, o disfarce humano da integrante da família Slitheen Blon Fel Fotch. O resultado é um episódio que faz valer o retorno de Badland, em uma narrativa bastante divertida, que levanta reflexões a respeito de questões como a pena de morte e sobre as próprias ações do protagonista da série, e seu impacto na vida das pessoas que o cercam, mas que ainda assim, acaba deixando transparecer um pouco a urgência com que o texto foi trabalhado, resultando em algumas deficiências.

Boom Town tem início com a chegada da TARDIS a Cardiff contemporânea, onde o Nono Doutor pretende usar a energia da fenda temporal, aberta em The Unquiet Dead para alimentar a TARDIS. O Doutor, Rose e Jack querem apenas usar esse tempo para relaxar, mas os planos de descanso logo são postos de lado quando eles descobrem que Blon Fel Fotch, ainda usando o disfarce de Margaret se tornou prefeita de Cardiff, seis meses após o incidente com os Slitheen em Londres. O grupo captura a vilã, planejando levá-la de volta para o seu planeta para enfrentar a justiça de seu povo, mas são postos diante de um dilema quando Margaret revela que ela foi sentenciada à morte, e será executada assim que voltar ao seu mundo.

Boom Town possui uma atmosfera muito parecida com o arco dos Slitheen que lhe deu origem. Ele se utiliza do humor na maior parte do tempo, como costura da narrativa, e a vilã é utilizada mais uma vez para tecer um retrato mordaz das figuras políticas do Reino Unido. Eu diria que o roteiro de Davies é muito mais feliz neste episódio na forma como lida com o humor do que na primeira aparição dos Slitheen, dadas as sequências explicitamente mais cômicas, como a frustrada tentativa de fuga de Margaret de seu escritório, quando o Doutor surge para confrontá-la; ou em cenas que usam de um humor mais sutil.

O episódio volta a problematizar o papel do Doutor como uma força interferente que potencialmente deixa um rastro de devastação por onde passa. Há uma cena brilhante em um restaurante, onde o Nono Doutor e Margaret travam um ferrenho diálogo que transita de forma elegante entre o humor e a tensão, ao intercalar uma série de tentativas de assassinato mal sucedidas da Slitheen contra o Time Lord, com uma interessante discussão sobre a natureza da misericórdia. A vilã aponta que as ações heroicas do Doutor seriam fruto de um Complexo de Deus, e que ele estaria tão imerso neste complexo que prefere sempre seguir em frente, na sua TARDIS, do que parar pra pensar no impacto que deixa para trás. Essa problematização do “estilo de vida” do Doutor e de seus aspectos semi-divinos é um aspecto do programa que a Série Clássica já havia arranhado algumas vezes, e que continuaria a ser explorado posteriormente pela Nova Série. Mas a Era Davies parece ter um fascínio especial por essa questão, que já havia surgido de forma mais discreta ao longo da temporada, e se tornaria um ponto central na Season Finale desta temporada.

O conflito apresentado sobre o destino de Margaret/Blon Fel Fotch também é um ótimo acréscimo para a jornada dramática do Nono Doutor. O Time Lord de Christopher Eccleston vive dividido entre a culpa de ter provocado incontáveis mortes durante o desfecho da Guerra do Tempo e a raiva contra aqueles que ceifam vidas por razões mesquinhas. Assim, o dilema entre condenar Blon Fel Fotch à morte ou deixar a vilã livre, mesmo sabendo que ela pode vir a cometer novos crimes, é uma variação menor do dilema que levou o Doutor aos seus traumas atuais.

O episódio mostra certa relevância por ser o primeiro a mostrar Rose e o Doutor percebendo a existência das palavras “Bad Wolf”, que surgiram de uma forma ou de outra em quase todos os episódios da temporada, não importando onde a dupla estivesse. Mas nota-se pela forma como este elemento da história é tratado pelos próprios personagens que Davies não parece ter muito compromisso com a suposta trama central, o que acabaria se refletindo na Season Finale como uma tentativa falha de criar um arco principal.

Boom Town ainda se preocupa com as questões mais pessoais de seus personagens, ao criar um subplot focado na resolução do relacionamento de Rose e Mickey, algo deixado em aberto desde o piloto do revival, e não explorado quando Mickey retornou em Aliens Of London/World War Three. Apesar de não acrescentar nada a história principal deste episódio, este subplot é interessante por desenvolver o personagem de Rose, expondo inclusive uma faceta mais egoísta da companion e, consequentemente, humanizando-a. É interessante observar que Rose abandonou a sua vida comum, mas claramente não está feliz de ver que aqueles que ela deixou para trás estão tentando seguir em frente. A percepção desse fato é um ponto importante na evolução da garota, e seu processo cada vez maior de desligamento da vida mundana.

Apesar de estabelecer bem os seus conflitos, o episódio possui algumas deficiências sérias na hora de resolvê-los, como também no próprio ritmo da trama. A postura de Margaret ao longo do episódio muitas vezes não se comunica com o seu plano final, soando pouco coerente quando paramos pra analisar. E a resolução do conflito que permeia todo o episódio é dada através de um grande Deus Ex Machina, que tira das mãos do Doutor a responsabilidade sobre o destino da Slitheen. O uso de Deux Ex Machina para resolver conflitos aparentemente impossíveis é uma constante na Nova Série, e de fato do recurso visto neste episódio funciona como um prenúncio daquele que será usado no desfecho da temporada. O uso dessas facilidades não são necessariamente um problema, e podem até surgir organicamente dependendo do roteiro, mas não é o que acontece aqui. Não posso deixar de observar também o quanto o episódio negligencia o Capitão Jack Harkness deixando-o totalmente em segundo plano, o que soa como uma oportunidade perdida de explorar a nova dinâmica da TARDIS quando lembramos que este é um companion que foi introduzido no arco anterior e que deixaria a equipe no arco seguinte.

Ainda assim, Boom Town é um bom episódio, que tem um humor afiado e levanta questões morais bem pertinentes, além de, guardada as devidas proporções, ser uma história muito melhor equilibrada do que o arco que lhe deu origem. Annete Badland fez valer o seu retorno á série, roubando quase todas as cenas de que participa e demonstrando uma química incrível em cena com Christopher Eccleston, e uma direção segura de Joe Ahearne. Com um roteiro um pouquinho melhor trabalhado, poderia ser um episódio brilhante. O resultado final é um episódio divertido, mas redundante dentro do contexto da temporada.

Doctor Who- 1×11. Boom Town (Reino Unido, 04 de Junho de 2005).
Direção: Joe Ahearne
Roteiro: Russel T. Davies
Elenco: Christopher Eccleston, Billie Piper, John Barrowman, Noel Clarke, Annette Badland, William Thomas, Mali Harries, Aled Pedrick.
Duração: 45 Min.

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