The Long Game é um episódio curioso dentro da curta era do Nono Doutor. Por um lado, ele é extremamente importante por plantar uma série de sementes que resultaram na Season Finale da Temporada, e na derradeira aventura da encarnação de Christopher Eccleston. Mas ao mesmo tempo, talvez seja um dos episódios mais fracos desta primeira temporada, embora tente tratar de uma porção de assuntos bem interessantes, e seja um roteiro que Russell T. Davies acalentava desde 1987, quando o ofereceu ao então showrunner de Doctor Who Jonathan Nathan Turner, para integrar a 24ª Temporada da série.
A história tem início com a chegada do Doutor, Rose, e Adam Mitchell, o jovem técnico que conhecemos em Dalek, ao Satélite 5, no ano de 200.000. O satélite, que fica na órbita da Terra, é responsável por transmitir todas as notícias possíveis para o Quarto Grande Império Humano. Mas logo, o Doutor percebe que existe algo sinistro ocorrendo no Satélite 5, já que a tecnologia está décadas atrasada do que era o esperado e todos os repórteres promovidos para trabalhar no 500º andar nunca mais voltam. Pra piorar a situação, Adam, o novo tripulante da TARDIS, pode não ser tão confiável quanto o Doutor e Rose julgaram inicialmente.
A essa altura da Temporada, Davies já havia mostrado ser um grande crítico da mídia jornalística, através da aventura em duas partes Aliens Of London/World War Three. Com The Long Game, o roteirista faz uma crítica mais direta e coloca o mau uso do jornalismo como principal instrumento de opressão nas mãos dos vilões, um monstro chamado Jagrafess, e seu servo, o Editor, vivido por Simon Pegg antes de alcançar a fama. O texto tenta levantar questões muito pertinentes sobre o que é o bom jornalismo e qual é a sua função de sociedade. Tal conflito é representado principalmente através de Cathica, uma ambiciosa repórter que é posta justamente diante do dilema de decidir se o jornalismo é só uma carreira, ou significa algo maior. Mas falta algo na sátira social montada pelo roteiro, para que ela realmente ganhe força. Falta uma conexão tonal entre as duas pontas do conflito, o Editor e Cathica, para que a crítica se solidifique. Eu diria que Davies simplesmente tenta demais aqui.
Outra questão que o texto tenta abordar é a importância do companheiro, e o fato de que nem todos merecem este título, e um lugar na TARDIS. A ideia é curiosa, pois justamente reforça a força de caráter dos companions perante o público, no caso deste episódio, da própria Rose. Mas torna-se no mínimo estranho dentro da estrutura da temporada, Adam ser expulso da TARDIS por arriscar mudar o passado e botar o tecido do tempo em risco quando no episódio seguinte, Rose comete erro semelhante. Por razões mais nobres, é verdade, mas igualmente egoístas, e tudo que ganha é uma reprimenda, enquanto Adam não só perde o direito de viajar com o Time Lord, como ainda é deixado com um chip em seu crânio, que tenho certeza, o Doutor poderia ter removido se quisesse.
Outro problema na construção deste plot é que não entendemos por que Adam foi convidado para a TARDIS. Afinal, em episódios anteriores, tanto Rose quanto Mickey Smith tiveram que merecer os seus convites para viajar com o Nono Doutor. Em Dalek, entretanto, apesar de mostrar inteligência e habilidades técnicas, Adam não demonstrou nenhuma das características que geralmente costumam chamar a atenção do Doutor, e seu embarque na TARDIS pareceu existir somente para que a sua expulsão ocorresse em The Long Game. Curiosamente, em uma versão anterior do roteiro, as motivações de Adam para enviar informações do futuro para o passado eram mais emocionais do que a simples ganância, o que acabou sendo reaproveitado quando o personagem reapareceu no universo expandido, através da série em quadrinhos Prisioneiros do Tempo.
Apesar de todas as minhas queixas, este não é um episódio ruim. A química entre Christopher Eccleston e Billie Piper está afiada, como sempre, embora nada de novo seja dito sobre os seus personagens. Simon Pegg, que naquele mesmo ano alcançaria o estrelato ao protagonizar Todo Mundo Quase Morto, de Edgar Wright, entrega um vilão bastante divertido em sua simplicidade. O visual aparentemente inofensivo do Editor esconde um sadismo aterrador, como se nota durante a cena em que ele desmascara uma agente infiltrada de um movimento de resistência. A veia cômica de Pegg também não é desperdiçada, embora felizmente o texto seja inteligente o suficiente pra não transformá-lo em um palhaço. É uma pena que o Editor tenha que dividir o espaço com o Jagrafess, um monstro sem personalidade alguma, e que poderia ter sido dispensado da trama.
Nos aspectos técnicos, The Long Game é um episódio muito bem tratado. A direção de arte é digna de atenção, especialmente nas cenas passadas no covil do Editor, um ambiente de aspecto frio e desolado, repleto de corpos semi congelados reanimados que o vilão usa para monitorar as atividades do Satélite 5 e a circulação de notícias. Os efeitos usados para criar o Jagrafess envelheceram mal, o que não é uma surpresa nesta fase da série, mas decididamente não ajuda a simpatizar com o personagem. A direção de Brian Grant, em seu único trabalho em Doctor Who, é burocrática, mas felizmente não compromete. No fim das contas, The Long Game é um episódio cheio de boas ideias, mas que não consegue explorá-las a contento. Apesar de sua importância no núcleo da temporada, este episódio acaba trazendo uma das aventuras mais esquecíveis estreladas pelo Nono Doutor e Rose.
Doctor Who- 1×07. The Long Game (Reino Unido, 07 de Maio de 2005).
Direção: Brian Grant
Roteiro: Russell T. Davies
Elenco: Christopher Eccleston, Billie Piper, Bruno Langley, Simon Pegg, Christine Adams, Anna Maxwell Martin
Duração: 45 min.