Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | As Aventuras de Alef-Thau: A Criança Sem Membros

Crítica | As Aventuras de Alef-Thau: A Criança Sem Membros

por Luiz Santiago
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Fantasia mágica. Não é segredo para ninguém que a obra de Alejandro Jodorowsky tem esse gênero como base, seja no cinema, seja na literatura, no teatro ou nos quadrinhos. Depois de sua parceria com Moebius em Os Olhos do Gato e nos volumes iniciais de O Incal, o escritor se juntou ao desenhista Arno (que tem um estilo muito parecido com o de Moebius, por sinal) para realizar a saga As Aventuras de Alef-Thau, uma série que contou com oito volumes publicados ao longo de quinze anos, a saber, A Criança Sem Membros (1983, volume a respeito do qual esta crítica é redigida), O Príncipe Sem Braços (1984), O Rei de Um Olho Só (1986), O Senhor das Ilusões (1988), O Imperador Manco (1989), O Homem Sem Realidade (1991), A Porta da Verdade (1994) e O Triunfo do Sonhador (1998). Houve também uma sequência da série, entre 2008 e 2009, chamada O Mundo de Aleph-Thau, com desenhos de Marco Nizzoli.

A história de Alef-Thau se passa no planeta Mu-Dhara, um cruel mundo de fadas povoado por anões, fadas, duendes, animais gigantes e minúsculos, tecnologias impensáveis, magias e feiticeiros de todas as espécies… Neste tomo de abertura, um feiticeiro maligno suga o fluído vital dos habitantes de uma cidade, tornando-os velhos depois do processo. É em uma dessas empreitadas que tomam, de uma vila, um casal apaixonado, que estava se casando. A mulher estava grávida. Após passar pela máquina que retirava o fluído vital, os agora velhos pombinhos vão em direção à floresta, a caminho da vila, abandonados pelos soldados do feiticeiro. A mulher dá à luz a uma criança sem os dois braços e sem as duas pernas. Este é Alef-Thau.

Com uma definição do próprio autor, podemos dizer que a trama se ergue em três colunas: amores, lendas e ilusões. Jodorowsky sempre gostou de brincar com o macabro, o destino, o mundo dos sonhos, as mais diversas criaturas dos mais diversos Universos… e tudo isso em uma jornada de aprendizado ou de salvação das pessoas em volta. A sensação que temos neste A Criança Sem Membros é de uma história com tudo isso em suspenso, cheia de possibilidades que rapidamente desaparecem, dado o confuso e às vezes mal realizado entrelaçamento dos personagens e solidificação de uma linha narrativa central para a história. O Universo é bom, as criaturas são ótimas, mas falta algo que empurre o leitor para adiante. Uma vez que o texto finca os pés na repetição de um “dever maior” para Alef-Thau, a longo prazo, e sem mais nada para ampará-lo (ele só enfrenta obstáculos), chegamos ao final do volume com um personagem protagonista raso, que só tem real impacto por conta de sua deficiência física.

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O nascimento de Alef-Thau.

O simbolismo da trama, porém, não deixa de ser interessante. Álef é a primeira letra de diversos alfabetos semíticos, e significa o início de algo, aquilo que serve como pedra angular de toda uma mitologia. Já a letra Tau (aqui adicionada de um “h”) tem uma dualidade em si mesma, representando, de um lado, a vida e a ressurreição; e de outro, a morte. Lembremos que existe um formato de cruz  com a letra T (a “Cruz de Tau”, também chamada de Cruz de Santo Antônio, Cruz de São Francisco ou Cruz Egípcia) e aí fica fácil imaginar a ideia do autor ao colocar esse personagem com tal simbolismo secundário em seu próprio nome.

O que temos nesta abertura de Alef-Thau é uma reunião de conceitos interessantes que se diluem à medida que o protagonista faz as mesmas coisas e não é colocado em uma situação onde possamos nos conectar a ele, algo bem diferente, por exemplo, do que Jodorowsky fizera com John Difool alguns anos antes, em O Incal Negro. A boa arte de Arno é a salvação para alguns momentos da história, com um curioso tratamento para a violência e colocação de muitos personagens do mundo da fantasia sofrendo e fazendo sofrer. É uma pena que a trama demore bastante para engatar (li também o segundo volume, O Príncipe Sem Braços, e me senti exatamente com os mesmos problemas narrativos, o que me fez abandonar a série em definitivo e só escrever mesmo sobre este volume de estreia). Aqui estão todos os bons ingredientes da prosa de Jodorowsky. Pena que estejam empoeirados demais para conseguirem mostrar sua beleza.

As Aventuras de Alef-Thau: A Criança Sem Membros (Les Aventures d’Alef-Thau #1: L’enfant Tronc) — França, 1983
Editora original: Les Humanoïdes Associés
Roteiro: Alejandro Jodorowsky
Arte: Arno
55 páginas

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