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Crítica | Motorrad

por Gabriel Carvalho
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“Não beba dessa água.”
“Por que?”
“Porque não.”

É verdade que o cinema brasileiro tem uma escassez desértica por filmes de gênero. Ser diferente no meio de uma indústria que prioriza o investimento em comédias, e em menor escala, dramas biográficos batidos, é tão fácil quanto difícil. Por exemplo, uma versão de Jogos Mortais 5, se brasileira, certamente iria gerar uma aura de ineditismo, devido a ausência de uma quantidade considerável de terror e ação nacional sendo distribuída comercialmente. Ao mesmo tempo, levar a ideia “nova” do papel para as telas e adquirir condições para um lançamento lucrativo é uma tarefa certamente árdua no meio que vivemos. No final das contas, até mesmo o genérico soa como novidade em nosso país. Levando em conta tudo isso, Motorrad, portanto, até que é um sopro de ar fresco para o cinema; uma hipótese cinematográfica mais que bem-vinda. Mas fora isso, Vicente Amorim, o diretor deste longa-metragem, não consegue desenvolver uma obra certeira nem na ação nem no terror, deixando sua produção morrer na praia de originalidade que, em termos internacionais, não existe verdadeiramente. Precisamos de um O Massacre da Serra Elétrica, não de um A Maldição da Casa Winchester, tudo nas devidas proporções. O massacre de um grupo de jovens pela mão de motoqueiros vis não poderia ter sido menos impactante.

A começar, os maiores problemas desse caos pós-apocalíptico cinematográfico são as pontuações filosóficas que não encontram amarras coesas durante a duração do filme, soando quase auto-indulgentes. Além dos próprios motoqueiros, temos um ferimento misterioso, um poço macabro, um muro inexistente e até mesmo uma conclusão em aberto, deixada assim para fazer o público “pensar”. Mas, realmente, não há nada para se pensar ou qualquer costura mental a ser feita. Se todos esses mistérios aleatórios fazem sentido conjuntamente e trazem uma gigantesca alegoria, esta ótica só poderia ser desvendada se abríssemos as cabeças dos roteiristas. O filme em si não diz nada. De tal forma, a linguagem adotada é extremamente falha, não conectando o espectador com a obra. A simplicidade de um slasher convencional renderia um fruto muito mais comestível que o servido; um filme de ação e terror, ponto. Há muitas digressões sem saída, como o já citado poço, além de outras sem entrada, como o final anti-climático que nos tira da imersão até então apresentada. Sendo assim, o fantasioso parece ter sido modelado despropositadamente, o que, francamente, não principia ser o caso. Há, certamente, alguma lógica por trás do que foi exibido na projeção, mesmo que ininteligível e, pior, deslocada do cerne de Motorrad, quebrando uma obra já desfocada naturalmente.

A inabilidade de entender o que está acontecendo na história funciona perfeitamente apenas no que tange os inumanos motoqueiros,  estilosos e irreconhecíveis, amedrontadores justamente por serem incompreensíveis, inesperados. Tais vilões se comportam de maneiras peculiares, teletransportando-se indiscriminadamente nas cenas e perseguindo os jovens de maneiras surrealistas. São personagens operantes dentro do gênero, que urgem perigo. Quando um deles é abatido, todos os outros se reúnem e param em frente ao corpo, como se estivessem sentidos pela morte – uma quebra de psicopatia realmente interessante. Ademais, a jornada do protagonista Hugo (Guilherme Prates) e seus companheiros em um aventura presumidamente inofensiva pela natureza é pontuada por uma trilha sonora enervante, que perde o efeito logo pela metade do filme, criando muitos jumpscares sonoros desnecessários, sem nenhuma função narrativa. A burrice do grupo de amigos – Juliana Lohmann e os fogos de artifício inúteis – também é uma constante, assim como soluções mal construídas – o carro que surpreendentemente surge do nada. Outrossim, a ação propriamente dita é picotada drasticamente, destruindo qualquer fluidez possível para as perseguições em cima da moto; sem falar na direção de fotografia, que injustificadamente leva a imagem de um sépio atmosférico para um acinzentado inóspito.

Na hora de se avaliar a personagem Paula (Carla Salle), uma das presumidas forças centrais do filme, nos deparamos com um papel na trama imensamente passivo. Mesmo que mistificada, sua contribuição no enredo reside em reagir. Para piorar, a interpretação de Carla Salle é intencionalmente blasé. Saímos do filme apenas para julgar a artificialidade de sua atuação, ao invés de comprá-la. Por fim, os diálogos também atuam contra o elenco, sendo abusivamente monossilábicos. Todos os atores têm performances medíocres quando colocados para falar, o que cria um contraste absurdo com os superficiais, mas melhores acabados, quinze minutos iniciais humanamente silenciosos. Contudo, a ausência de falas ainda nessa situação, especificamente na interação entre Hugo e Paula, é completamente exagerada. Não há tato para se tomar decisões cinemáticas funcionais. Enfim, retoma-se a presunção do texto. Perceberam como o carburador é parecido com um coração? O que isso significa? Sem instigar os espectadores, sem envolvê-los com esses mistérios, Vicente Amorim, infelizmente, cria um filme absorto, falhando, sobretudo, em fazer jus a sua possível importância dentro da indústria. Um cineasta com a intenção de ser um precursor para uma nova geração e estilo deveria enxergar seu produto com muito mais cuidado. Talvez na próxima tentativa.

Motorrad – Brasil, 2017
Direção: Vicente Amorim
Roteiro: L.G. Bayão, L.G. Tubaldini Jr, Vicente Amorim (baseado nos personagens de quadrinhos criados por Danilo Beyruth)
Elenco: Guilherme Prates, Carla Salle, Pablo Sanábio, Juliana Lohmann, Emílio de Mello, Emílio Dantas, Alex Nader, Rodrigo Vidigal
Duração: 92 min.

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